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quinta-feira, 19 de maio de 2016

Em Cannes, com ‘Julieta’, Almodóvar volta ao universo feminino

FLAVIA GUERRA · MAIO 17, 2016
Pode parecer óbvio, mas em Julieta, novo filme do espanhol Pedro Almodóvar, o diretor volta a um universo do qual nunca se distanciou de fato: o feminino.
No longa, as mulheres de Almodóvar são, como já é tradição em seu cinema, muitas, mas as protagonistas são duas mulheres. Ou melhor, mãe e filha. Julieta é um drama sobre a relação entre as duas, sobre o luto, a culpa, a sensação de abandono e incomunicabilidade de Julieta e sua filha, Antía.
A personagem título do filme é vivida na verdade por duas atrizes. Adriana Ugarte vive uma Julieta jovem, livre e aberta às surpresas que a vida pode lhe trazer nos anos 1980. E Inma Cuesta interpreta a mesma mulher nos dias atuais, já carregando as marcas das surras que a vida lhe deu.
“Há muitos filmes sobre mães e filhas. As mães dos meus filmes são sempre muito fortes, mas Julieta sofre muitas coisas que a vão enfraquecendo como pessoa. Ela é a mais frágil, a mais vulnerável de todas”, comentou o cineasta em conversa com a imprensa na manhã da quarta-feira.
Para a atriz Inma Cuesta, que vive Julieta na segunda fase do filme, houve uma longa jornada até que ela encontrasse o território da solidão, da angústia do abandono que sua personagem vive. Para entrar no território profundo da alma e dos sentimentos da personagem, que, ao contrário de muitas outras ‘mulheres de Almodóvar’, é calada, circunspecta, Inma buscou inspiração desde a obra de Alice Munro (escritora canadense em cujo livro A Fugitiva o longa é baseado) até em O Ano do Pensamento Mágico (um tratado singular sobre a dor da perda e o processo de libertação do luto, escrito pela jornalista americana Joan Didion) até por Ingmar Bergman, e Jeanne Moreau em Ascensor para o Cadafalso.
“Pedro é um diretor que nos enche de informação e referências para que possamos entrar neste universo. Isso foi muito importante”, comentou Inma.
Já para Adriana Ugarte, que faz a Julieta jovem, o processor de construir junto com Inma a mesma mulher em momentos tão diferentes da vida foi desafiador, mas prazeroso. “Foi muito diferente de tudo que já tinha feito. Dividimos a mesma personagem, tivemos de aprender o tempo todo como criar a mesma Julieta, mas diferente. Eu deixei todas as técnicas que eu já conhecia de lado. E aprendi muito com Pedro. Ele se refaz e se reconstrói todos os dias. E nós também fizemos isso”, contou a atriz. “Até mesmo a maquiagem, o cabelo e o figurino criamos juntos. Foi realmente intenso”, completou Adriana.
Sobre a escolha de três contos do livro de Munro para servirem de base para seu novo filme, Almodóvar revelou que foi uma escolha natural. Fã da obra da escritora, ele vê nela e em sua narrativa semelhanças com sua obra. “Alice é uma dona de casa, que quando não está cuidando de seus filhos, escreve. Ela é basicamente como eu.”, brincou o diretor, que pensou em filmar a história nos Estados Unidos. “Todas suas histórias acontecem dentro da família. E tenho a sensação de que quando termino de ler seus livros, sei menos do que sabia no começo”, completou.
“Mas, conversando com os produtores, pensei melhor, pois nos EUA os filhos vão para a universidade e rompem mais os laços com as mães. Já na Espanha não. Nunca se perdem os laços. E esta trama precisava disse”, explicou ele.
Os laços ora frouxos ora muito apertados entre Julieta e sua filha Antía, que perde o pai na infância e desaparece da vida da mãe assim que faz 18 anos, são narrados com as típicas cores fortes com que Almodóvar pinta suas histórias. Só que em Julieta as cores surgem mais sóbrias e densas. O cineasta, sempre famoso pela atmosfera barroca e melodramática que deu tanto às suas comédias quanto seus dramas, desta vez continua trabalhando com cores fortes como o azul e o vermelho. Os tons estão presentes tanto mais carregados na exagerada década de 1980 quanto mais suaves nos tempos atuais.
“As cores são importantes para que eu conte minhas histórias. Não há pudor em mim, como autor e nem nos atores. Mas desta vez tentei fazer um drama muito sóbrio, muito contido, porque sentia que era o que a história queria”, observou o diretor.
Denso e ao mesmo tempo leve, Julieta tem chances de dar a Almodóvar sua primeira Palma de Ouro. Ele, que já competiu em Cannes diversas outras vezes, com longas como Tudo Sobre Minha Mãe (1999) e A Pele que Habito (2011), chegou à Croisette ‘sob suspeita’, pois a estreia do longa na Espanha, há algumas semanas, não obteve grande êxito de Público. Já a crítica do Festival não só aprovou como aplaudiu o cineasta com entusiasmo.

A propósito de suspeita, durante a conversa com a imprensa, o cineasta foi questionado sob a menção de seu nome e de seu irmão, Augustin Almodóvar, na lista do Panamá Papers. Ainda que um clima de incômodo tenha se instalado com a questão, ele não se fez de rogado e respondeu calmamente: “Esta pergunta é muito genérica. Eu e meu irmão somos menos figurantes nesta história. Se o Panamá Papers fosse um filme, os nossos nomes nem apareceriam nos créditos. Mas isso ganhou muito destaque porque a imprensa espanhola nos tratou como se fôssemos protagonistas. Espero que isso não impeça as pessoas de verem o filme e gostarem dele.”
De fato Julieta tem potencial para agradar o público internacional. Ainda que, além da trama densa e da trilha sonora que reforça o tom dramático do longa, o final é aberto e sinaliza para uma possível fase mais solar na vida da protagonista. “É um final que deixa Espaço para a esperança, ainda que não seja necessariamente feliz. Mas a vida tratou Julieta muito mal. E assim o fez com as outras mulheres da trama. Elas não cometeram grandes erros e nem merecem grandes castigos. Não gosto desta relação entre erro e castigo. Mas a vida as castigou de uma forma muito massacrante”, observou o cineasta.
Para ele, que com Julieta assina seu vigésimo longa, esta é a obra que mais o representa atualmente. “Meus 20 filmes formam uma corrente que permitem entender quem eu sou. Minha vida está nos meus filmes. Neste, está basicamente meu coração”, revelou ele, que não quer jamais ganhar uma biografia e muito menos uma cinebiografia. “Por favor, não permitam que ninguém faça uma cine-biografia de mim no futuro”, brincou.

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