A vítima, geralmente menor de idade, precisa vencer a vergonha, convencer médicos de que sofreu uma violência sexual e tomar centenas de remédios para evitar doenças
A vergonha de sofrer um estupro, o sentimento de culpa e mesmo o medo de reconhecer seu algoz – no estupro, a maioria dos crimes é cometida por conhecidos – atrasam a busca por ajuda médica. Num drama que parece não ter fim, vítimas de violência sexual — como a adolescente estuprada por cerca de 30 homens, no Rio de Janeiro — chegam ao hospital depois das primeiras 72 horas, prazo considerado ideal pelos agentes de saúde para tomar a primeira dose do coquetel antirretroviral, para prevenir doenças sexualmente transmissíveis, como a aids. O tratamento a vítimas de violência sexual é gratuito no Sistema Único de Saúde (SUS). Por um mês, a vítima de estupro terá de tomar mais de dez comprimidos por dia. A quantidade de pílulas é tão grande quanto o baque medicamentoso num corpo de adolescente – dados do Ministério da Saúde mostram que 70% das vítimas de estupro têm até 17 anos. Sete em cada dez terão efeitos colaterais, porque as drogas são relativamente fortes.Náuseas e vômitos, além de cansaço, vão acompanhar a vítima ao longo dos dias, bem como diarreia e dores no corpo. Estimativas mostram que uma em cada quatro mulheres desiste do tratamento por não resistir aos efeitos.
Num mundo onde é mais fácil mulheres com idades entre 15 e 44 anos serem estupradas do que terem câncer ou sofrerem um acidente – de acordo com dados do Banco Mundial –, as vítimas ainda correm o risco de ter uma gravidez indesejada, uma vez que a pílula do dia seguinte pode não surtir o efeito esperado. A legislação brasileira, como defende a Organização Mundial da Saúde, garante o direito ao aborto em caso de estupro. Isso não significa, necessariamente, que será um processo fácil. A pesquisa A verdade do estupro nos serviços de aborto legal no Brasil mostra que, até nos centros de saúde especializados, a vítima só será atendida e tratada como obriga a lei se a equipe reconhecer naquela mulher uma vítima de estupro. “É como uma figura detentora da verdade que a mulher é inquirida pelas equipes – e não imediatamente como uma vítima detentora de um direito”, diz o texto. Um dos profissionais da saúde disse às pesquisadoras: “A mulher precisa chegar com uma história convincente que caiba dentro do preconceito das pessoas”. Outro entrevistado contou a história de uma menina de 11 anos. Por duas semanas, ela tentou o aborto que a lei lhe dá direito. Os médicos se recusaram a atendê-la porque acharam que a garota “era safadinha”.
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