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terça-feira, 24 de maio de 2016

{Tradução} Introdução do livro “A Criação do Patriarcado” – Gerda Lerner

Introdução
Conhecer a História das Mulheres é indispensável e essencial para a emancipação feminina. Eu cheguei a esta convicção em termos teóricos e práticos após vinte e cinco anos pesquisando, escrevendo e ensinando sobre a História das Mulheres. O argumento teórico será mais desenvolvido neste livro; enquanto o argumento prático se apoia nas minhas observações sobre as grandes mudanças na consciência que experimentam os estudantes da História das Mulheres e como isto muda suas vidas. O efeito psicológico nas mulheres participantes é profundo, mesmo em curtas aulas sobre a experiência passada das mulheres, tais como em cursos de duas semanas e seminários.
No entanto, a maior parte do trabalho teórico do feminismo moderno, começando por Simone de Beauvoir até o presente momento, tem sido ahistórico e negligente com os estudos feministas históricos. Isto era compreensível nos primeiros dias da nova onda do feminismo, quando os estudos sobre o passado das mulheres era escasso, mas nos anos 1980, quando há uma grande abundância de excelentes trabalhos acadêmicos sobre a História das Mulheres, continua persistindo a distância em outros campos entre estudos históricos e a crítica feminista. Antropólogos, críticos literários, sociólogos, cientistas sociais e poetas têm nos fornecido trabalhos teóricos baseados em “história”, mas o trabalho de especialistas em História das Mulheres não se tornou parte do discurso comum. Eu creio que as razões disto vão além da sociologia de mulheres que fazem críticas feministas e além das restrições de suas bagagens e formações acadêmicas. As razões se encontram na relação conflituosa e muito problemática entre as mulheres e a história.
O que é história? Nós devemos distinguir o passado não registrado – todos os eventos do passado recordados por seres humanos – da História – o passado registrado e interpretado. Assim como os homens, as mulheres são e tem sido atores e agentes da história. Dado que as mulheres são a metade, e às vezes mais da metade, da humanidade, elas sempre compartilharam o mundo e seu trabalho com homens da mesma maneira. As mulheres são e tem sido centrais, não marginais, na criação da sociedade e na construção da civilização. As mulheres também tem cooperado com os homens na preservação da memória coletiva, que modela o passado em tradição cultural, fornece a ligação entre gerações e conecta o passado e o futuro. Esta tradição oral foi mantida viva em poemas e mitos, que tanto homens quanto mulheres criaram e preservaram no folclore, arte e em rituais.
A construção da história, por outro lado, é uma criação histórica que data da invenção da escrita na antiga Mesopotâmia. Desde o tempo das listas de reis na antiga Suméria, historiadores, que foram padres, serviçais reais, escrivãs, clérigos ou uma classe profissional de intelectuais de formação universitária, têm selecionado os eventos a serem registrados e os interpretaram de maneira a dá-lhes sentido e significado. Até um passado recente, estes historiadores foram homens e eles registraram somente o que foi considerado significante dos feitos e experiências masculinas. Eles chamaram isto de história e reivindicaram sua universalidade. Os feitos e as experiências femininas não foram registrados, mas negligenciados e ignorados nas suas interpretações. Os estudos históricos, até um passado recente, viram as mulheres como marginais na criação da civilização e desnecessárias nas buscas definidas como historicamente importantes.
Assim, o registro escrito e interpretado do passado da raça humana é apenas um registro parcial, pois omite o passado da metade da humanidade, e é distorcido, porque revela apenas o ponto de vista da parte masculina da humanidade. Dizer que um grande grupo de homens, possivelmente a maior parte dos homens, por muito tempo também foi eliminado do registro histórico por meio de interpretações preconceituosas de intelectuais que representavam os interesses de uma pequena elite dominante é ignorar o problema. Um erro não justifica o outro; ambos os erros conceituais devem ser corrigidos. As experiências de grupos outrora subordinados, tais como camponeses, escravos e proletários, se tornaram parte do registro histórico quando eles alcançaram posições de poder ou ao menos a inclusão na política. Isto é, as experiências dos homens desses grupos; as mulheres foram, como sempre, excluídas. A questão é que homens e mulheres foram excluídos e discriminados por causa da sua classe. Porém nenhum homem foi excluído do registro histórico por causa do seu sexo, entretanto, todas as mulheres foram.
As mulheres foram impedidas de contribuírem com a criação da História, isto é, o processo de ordenar e interpretar o passado da humanidade. Podemos perceber imediatamente que a marginalidade das mulheres nesse processo nos coloca em uma posição única e segregadora, visto que esse processo de dar significado é essencial para a criação e perpetuação da civilização. As mulheres são maioria, porém somos estruturadas em instituições como se fossemos minoria.
É um equivoco básico tentar conceituar mulheres principalmente como vítimas enquanto mulheres foram vitimizadas por este e muitos outros aspectos da sua longa subordinação aos homens. Ao fazer isso, se obscurece o que deve ser assumido como um dado da situação histórica das mulheres: Mulheres são essenciais e centrais na criação da sociedade; elas são e sempre foram atores e agentes na história. Mulheres “fizeram história”, mesmo assim elas foram impedidas de conhecer a História e de interpretá-la, tanto a sua própria quanto a dos homens. As mulheres foram sistematicamente excluídas do empreendimento da criação de sistemas de símbolos, filosofias, ciência e direito. As mulheres não apenas foram privadas educacionalmente durante o tempo histórico em todas as sociedades conhecidas, elas foram excluídas da formação de teorias. Eu chamei de “a dialética da história das mulheres” essa tensão entre a experiência histórica real das mulheres e a sua exclusão na interpretação desta experiência. Essa dialética tem movido as mulheres adiante no processo histórico.
A contradição entre o papel ativo e central das mulheres na criação da sociedade e a sua marginalidade no processo de dá significado às interpretações e explicações tem sido uma força dinâmica, fazendo que as mulheres lutassem contra sua condição. Quando, nesse processo de luta, em determinados momentos históricos, as contradições entre seu relacionamento com a sociedade e o processo histórico são trazidas a tona na consciência das mulheres, elas são então corretamente percebidas e nomeadas como privações que mulheres compartilham enquanto grupo. Essa tomada de consciência das mulheres se torna a força dialética que as moveu na ação de mudar a sua situação e de começar um novo relacionamento com a sociedade masculino-dominada.
Devido a estas condições únicas a elas, mulheres tiveram uma experiência histórica significantemente diferente da dos homens.
Eu comecei me questionando: quais são as definições e conceitos que precisamos para explicarmos o relacionamento único e segregador das mulheres com o processo histórico, a criação da história e a interpretação do seu próprio passado?
Outra preocupação que eu tive foi a de que meu estudo se direcionasse também para a longa demora (por volta de 3500 anos) da tomada de consciência de mulheres sobre sua posição subordinada na sociedade. O que poderia explicar isso? O que poderia explicar a histórica “cumplicidade” das mulheres na manutenção do sistema patriarcal que as subordina e em transmiti-lo, geração após geração, aos seus filhos de ambos os sexos?
Ambas as questões são relevantes e desagradáveis porque aparentemente elas nos conduzem a respostas que indicam a vitimização das mulheres e sua inferioridade essencial. Eu acredito que essa é a razão pela qual essas questões não foram discutidas tão cedo por pensadoras feministas, embora o estudo tradicional masculino tenha nos fornecido a resposta patriarcal: mulheres não produziram importantes avanços no pensamento devido a sua preocupação biologicamente determinada com o cuidado e emoções, o qual levou a sua “inferioridade” essencial a respeito do pensamento abstrato. Ao invés disso, eu comecei com a suposição de que homens e mulheres são biologicamente diferentes, porém as implicações e os valores baseados nessa diferença são resultados da cultura. Quaisquer diferenças perceptíveis no presente em relação aos homens enquanto grupo e mulheres enquanto grupo são resultadas da história particular das mulheres, que é essencialmente diferente da história dos homens. Isto se deve à subordinação das mulheres aos homens, que é mais velha que a civilização, e à negação da história das mulheres. A existência da história das mulheres foi obscurecida e negligenciada pelo pensamento patriarcal, um fato que afetou significantemente a psicologia de homens e mulheres.
Eu comecei com a convicção, compartilhada pela maioria das pensadoras feministas, de que o patriarcado enquanto sistema é histórico: ele tem um começo na história. Se for assim, ele pode ser destruído por um processo histórico. Se o patriarcado fosse “natural”, isto é, baseado no determinismo biológico, então mudá-lo significaria mudar a natureza. Pode-se argumentar que mudar a natureza é precisamente o que a civilização tem feito, mas até agora a maior parte dos benefícios da dominação sobre a natureza, que os homens chamam de progresso, tem sido apenas a favor do macho da espécie. Porque e como isso aconteceu são questões históricas, independentemente de como se explica as causas da submissão das mulheres. A minha hipótese sobre as causas e origens da subordinação feminina será mais discutida nos capítulos I e II. O que é importante para minha análise é a percepção de que a relação entre homens e mulheres com o conhecimento do seu passado é em si mesma uma força modeladora na criação da história.
Caso a subordinação feminina fosse anterior à civilização Ocidental, a minha investigação teria que começar no milênio IV A.C., supondo que a civilização começou com o registro histórico escrito. Isto foi o que me levou, uma historiadora americana especializada no século IXX, a passar os últimos oito anos estudando a história da antiga Mesopotâmia para responder as questões que eu considero essenciais para a criação de uma teoria feminista da história. Embora questões sobre as “origens” inicialmente me interessaram, eu logo percebi que elas eram menos importantes que as questões sobre o processo histórico pelo qual o patriarcado se estabeleceu e se institucionalizou.
Esse processo se manifestou nas mudanças na organização parental e nas relações econômicas, no estabelecimento de burocracias religiosas e estatais e na transformação das cosmogonias, expressando a ascensão de figuras de deuses masculinos. Baseando-me em trabalhos teóricos existentes, eu assumi essas mudanças como “um evento” em um período relativamente curto, que pode ter coincidido com o estabelecimento dos estados arcaicos ou pode ter ocorrido, talvez um pouco mais cedo, na época do estabelecimento da propriedade privada, que levou ao começo da sociedade de classes. Sob a influência das teorias marxistas sobre origem, que será mais discutida no Capítulo I, eu imaginei um tipo de “derrubada” revolucionária que perceptivamente teria alterado as relações de poder existentes na sociedade. Eu esperava encontrar o status econômico, político e jurídico das mulheres, mas conforme o meu avanço no estudo de fontes ricas sobre a história do Antigo Oriente Médio, eu comecei a olhá-las em uma sequência histórica e ficou claro para mim que a minha suposição tinha sido muito simplista.
O problema não são as fontes, elas são certamente amplas para a reconstrução de uma história social da sociedade da antiga Mesopotâmia. O problema da interpretação é similar ao problema enfrentado por historiadores de qualquer área que se aproxima da história tradicional com questões relativas a mulheres. Existem poucos trabalhos substanciais disponíveis sobre mulheres, e os que existem, são puramente descritivos. Nenhuma interpretação ou generalização a respeito das mulheres foi fornecida ainda por especialistas formados neste campo.
Assim, a história das mulheres e a história das mudanças nas relações entre os sexos nas sociedades mesopotâmicas ainda precisa ser escrita. Eu tenho o maior respeito pela erudição e pelos conhecimentos técnicos e linguísticos de estudiosos do Antigo Oriente Médio e eu estou certa de que de seus estudos eventualmente virá uma obra que irá sintetizar e colocar na perspectiva adequada a história não contata da mudança do status social, político e econômico das mulheres no segundo e terceiro milênio A.C. Eu não me esforcei para escrever esta história porque eu não sou uma Assiriologista formada e sou incapaz de ler os textos cuneiformes no original.
Entretanto, eu observei que as sequências de eventos pareciam ser muito diferentes do que eu tinha previsto. A formação dos estados arcaicos, que sucedeu ou coincidiu com a maioria das mudanças econômicas, tecnológicas e militares, trouxe consigo mudanças distintas nas relações de poder entre homens e entre homens e mulheres, não há nenhuma evidência de que tenha ocorrido uma “derrubada”. O período do “estabelecimento do patriarcado” não foi um evento, mas sim um processo desenvolvido durante um período de aproximadamente 2500 anos, do ano 3100 a 600 A.C. Isto ocorreu, mesmo dentro do Antigo Oriente Médio, em ritmos e tempos diferentes em diversas sociedades distintas.
Além disso, as mulheres pareciam ter muitos status diferentes em vários aspectos das suas vidas, então, por exemplo, na Babilônia no segundo milênio A.C., a sexualidade feminina era totalmente controlada por homens enquanto que algumas mulheres gozavam de bastante independência econômica, muitos privilégios e direitos legais e alcançaram muitas posições importantes de grande status na sociedade. Eu fiquei confusa ao descobrir que a evidência histórica relativa às mulheres não fazia sentido quando vista pelos critérios tradicionais. Depois de um tempo eu percebi que precisava focar mais no controle da sexualidade e procriação feminina que nas questões econômicas habituais. Conforme eu fazia isso as peças do quebra-cabeça começavam a tomar seus lugares. Eu fui incapaz de compreender o significado da evidência histórica diante de mim porque eu estava concentrada na formação das classes, que se aplica a homens e mulheres, com a suposição tradicional de que o que é verdade para os homens deve ser também para as mulheres. A evidência diante de mim só fez sentido quando eu comecei a questionar como a definição de classe foi diferente para mulheres e homens logo no início da sociedade de classes.
 Neste livro eu irei desenvolver as seguintes proposições:
 a) A apropriação das capacidades sexuais e reprodutivas das mulheres por homens é anterior à formação da propriedade privada e da sociedade de classes. Na verdade, a sua mercantilização (commodification) reside na base da propriedade privada. (Cap. I e II)
 b) Os estados arcaicos foram organizados no modelo patriarcal; assim desde sua criação, o Estado teve um interesse essencial na manutenção da família patriarcal. (Cap. III)
 c) Homens aprenderam a instituir dominação e hierarquia sobre outras pessoas a partir da sua prática anterior de dominação sobre as mulheres de seus grupos. Isto se expressou na institucionalização da escravidão, a qual começou com a escravidão das mulheres de grupos conquistados. (Cap. IV)
 d) A subordinação sexual feminina foi institucionalizada nos primeiros códigos de lei e impostas pelo poder do Estado. A cooperação feminina com este sistema foi garantida por diversas formas: força, dependência econômica do homem da família, privilégios de classe concedidos pela conformação e mulheres dependentes das classes mais altas, e a divisão criada artificialmente entre mulheres respeitáveis e não respeitáveis. (Cap. V)
 e) A classe para os homens foi e ainda é baseada no seu relacionamento com os meios de produção: aqueles que possuíam os meios de produção poderiam dominar aqueles que não possuíam. Para as mulheres, a classe é mediada através da sua relação sexual com um homem, que, então, lhe dá acesso a recursos materiais. A divisão entre mulheres “respeitáveis” (isto é, ligadas a um homem) e “não respeitáveis” (isto é, não ligada a um homem ou livre de todos eles) é institucionalizada nas leis relativas ao uso do véu das mulheres. (Cap. VI)
 f) Muito tempo depois da subordinação sexual e econômica das mulheres aos homens, elas ainda atuam no papel ativo e respeitável na mediação entre humanos e deuses como sacerdotisas, videntes, adivinhas e curandeiras. O poder metafísico feminino, especialmente o poder de conceber a vida, é adorado por homens e mulheres na forma de deusas poderosas muito tempo após a subordinação feminina aos homens na maioria dos aspectos de suas vidas. (Cap. VII)
 g) O destronamento da deusa poderosa e a sua substituição por um deus masculino dominante ocorreu na maioria das sociedades do Oriente Médio seguido pelo estabelecimento de um reino forte e imperialista. Aos poucos, a função de controle da fertilidade, anteriormente detida inteiramente pelas deusas, é simbolizada através do acasalamento simbólico ou real do deus masculino ou Deus-Rei com a Deusa ou sua sacerdotisa. Finalmente, a sexualidade (erotismo) e a procriação são divididas no surgimento de deusas separadas para cada função e a Deusa-Mãe é transformada na esposa/consorte do deus masculino chefe. (Cap. VII)
 h) O surgimento do monoteísmo hebraico assume a forma de ataque aos cultos propagados das deusas da fertilidade. Na escrita do Livro de Gênesis, a criatividade e a procriação são atribuídas ao Deus todo-poderoso, cujos epitáfios “Senhor” e “Rei” o determinam como um deus masculino, e a sexualidade feminina que não seja para fins de procriação se torna associado com algo pecaminoso e perverso. (Cap. VIII)
 i) No estabelecimento da aliança comunitária, o simbolismo básico e o real contrato entre Deus e a humanidade vê como um dado a posição subordinada feminina e sua exclusão da aliança metafísica e da aliança terrena comunitária. A sua função materna é o seu único acesso a Deus e a toda comunidade. (Cap. IX)
 j) Essa desvalorização simbólica da mulher em relação ao divino se torna uma das metáforas encontradas da civilização Ocidental. A outra é fornecida pela filosofia Aristotélica que vê como um dado que as mulheres são humanos incompletos e danificados de uma ordem inteiramente diferente dos homens (Cap. X). É com a criação dessas duas construções metafóricas, que foram criadas desde a fundação dos sistemas de símbolos da civilização Ocidental, que a subordinação de mulheres se torna algo visto como “natural”, portanto, tornando-se invisível. Esse é o fator que finalmente firma o patriarcado como uma realidade e como uma ideologia.
Qual é a relação entre ideias, especialmente ideias sobre gênero*, com as forças econômicas e sociais que modelam a história? A matriz de qualquer ideia é a realidade – as pessoas não podem idealizar algo que eles não experienciaram, ou ao menos que outros não tenham experienciado antes. Assim, imagens, metáforas, mitos, tudo encontra expressão nas formas que são “prefigurados” através da experiência passada. Em períodos de mudança, as pessoas reinterpretam estes símbolos de novas formas que as leva a novas combinações e novas ideias.
 * Sexo é o dado biológico para homens e mulheres. Gênero é a definição cultural de comportamentos definidos como apropriados aos sexos em uma dada sociedade em determinado tempo. Gênero é um conjunto de papéis culturais; portanto é um produto cultural que muda de acordo com o tempo.
O que eu estou tentando fazer em meu livro é traçar, por meio de evidências históricas, o desenvolvimento das principais ideias, símbolos e metáforas pelas quais as relações de gênero patriarcais foram incorporadas na civilização Ocidental. Cada capítulo é construído em torno dessas metáforas de gênero, como indicado no título do capítulo. Neste livro eu me esforcei para isolar e identificar as formas pelas quais a civilização Ocidental construiu os gêneros e para estudá-las em momentos ou períodos de mudança. Estas formas consistem em normas sociais incorporadas em papéis sociais, leis e em metáforas. De certa forma, essas formas representam artefatos históricos da onde se pode deduzir a realidade social que deu início à ideia ou à metáfora. Deve ser possível traçar os desenvolvimentos históricos implícitos na sociedade traçando as mudanças em metáforas e imagens, mesmo na ausência de outra evidência histórica. No caso da sociedade Mesopotâmica, a abundância de evidências históricas torna possível, na maioria dos casos, confirmar uma análise de símbolos por comparação com provas concretas.
A maioria dos símbolos de gênero e metáforas da civilização Ocidental foi amplamente derivada da Mesopotâmia e, após, de fontes Hebraicas. Claro que seria desejável ampliar este estudo para incluir as influências Arábicas, Egípcias e Europeias, mas tal empreendimento levaria mais anos de trabalho acadêmico que eu, na minha idade, espero me comprometer. Eu posso apenas esperar que meu esforço na reinterpretação da evidência histórica disponível irá inspirar outras pessoas a continuarem a pesquisar sobre as mesmas questões de acordo com sua especialidade e com ferramentas acadêmicas mais refinadas disponíveis a elas.
Quando eu comecei esta obra, eu a idealizei como um estudo sobre o relacionamento de mulheres com a criação do sistema de símbolo mundial, a sua exclusão nisto, seus esforços na quebra da desvantagem educacional sistemática a qual elas são subordinadas, e, finalmente, a sua tomada de consciência feminista. Mas conforme o progresso da minha pesquisa nas fontes sobre a antiga Mesopotâmia, a riqueza das evidências me levaram a ampliar meu livro em dois volumes. O primeiro volume indo até aproximadamente 400 A.C. E o segundo irá falar sobre a ascensão da consciência feminista e cobrir toda a era Cristã.
Embora eu acredite que a minha hipótese tenha uma larga aplicabilidade, eu não estou tentando fornecer uma “teoria geral” sobre a ascensão do patriarcado e sexismo com base no estudo de uma região. A hipótese teórica que estou fornecendo sobre a civilização Ocidental precisará ser testada e comparada com outras culturas para termos a certeza de sua aplicabilidade geral.
Enquanto assumimos esta exploração, como devemos, então, pensar em mulheres-enquanto-um-grupo? Três metáforas podem nos ajudar a ver a questão por um novo ângulo:
No seu brilhante artigo de 1979, Joan Kelly falou sobre a nova “visão duplicada” dos estudos feministas:
 … O lugar das mulheres não é uma esfera separada ou um domínio de existência, mas, geralmente, uma posição dentro de uma existência social… O pensamento feminista está indo além da visão dividida da realidade social herdada do nosso passado recente. Nosso ponto de vista real mudou, dando início a uma nova consciência do lugar da mulher na família e na sociedade… O que nós vemos não são duas esferas da realidade social (casa e trabalho, privado e público), mas dois (ou três) conjuntos de relações sociais.
Nós estamos acrescentando a visão feminina à masculina e este processo é transformador. Mas a metáfora de Joan Kelly precisa ser desenvolvida um pouco mais: quando nós vemos apenas com um dos olhos, nossa visão é limitada a uma área e desprovida de profundidade. Quando acrescentamos a única visão do outro olho, nossa área de visão se amplia, mas ainda falta profundidade. É apenas quando ambos os olhos veem juntos que obtemos uma área de visão completa e a exata profundidade de percepção.
O computador nos fornece outra metáfora. Ele nos mostra uma imagem de um triangulo (bidimensional). Ainda com esta imagem, o triângulo se move no espaço e é transformado em uma pirâmide (tridimensional), ainda nos mostrando a imagem da pirâmide e do triângulo. Nós vemos todas as quatro dimensões ao mesmo tempo, não perdendo nada delas, mas também as vendo em sua verdadeira relação com cada uma.
A visão que temos tido, em termos patriarcais, é bidimensional. “Acrescentar mulheres” ao sistema patriarcal transforma essa visão em tridimensional. Mas apenas quando a visão feminina é igualada à masculina, nós podemos perceber as verdadeiras relações com o todo e a conexão interior das peças.
Finalmente, outra imagem. Homens e mulheres vivem em um palco, onde eles atuam seus papéis determinados, iguais em importância. A peça não pode continuar sem os dois tipos de atores. Nenhum dos dois “contribui” mais ou menos com o todo e nenhum dos dois é marginal ou dispensável. Mas o cenário foi idealizado, definido e pintado por homens. Homens escreveram e dirigiram a peça, e ainda, interpretaram os sentidos das ações. E eles atribuíram a si mesmos as partes mais interessantes e mais heroicas, deixando as mulheres apenas os papéis de apoio.
À medida que as mulheres se tornaram conscientes da diferença de importância de papéis, elas exigiram mais igualdade nos papéis atribuídos a elas. Elas ofuscaram os homens às vezes, outras elas substituíram um ator que faltava. Após muita luta as mulheres finalmente conquistaram o direito de acesso a papéis iguais, mas primeiro elas precisavam se “qualificar”. Os termos de “qualificações” são novamente definidos por homens; homens julgariam se as mulheres estariam à altura; eles que concederiam ou negariam sua admissão. Eles deram preferência a mulheres dóceis e àquelas que se encaixaram perfeitamente nas suas descrições preferenciais. Homens puniram por ridicularização, exclusão ou ostracismo qualquer mulher que assumisse seu direito de interpretar seu próprio papel – ou o pior dos pecados – o direito de reescrever o roteiro.
Levará bastante tempo para as mulheres entenderem que terem partes “iguais” não as tornará iguais enquanto os homens forem os donos do roteiro, do figurino, do cenário e da direção da peça. Quando mulheres perceberem isto e se juntarem durante os atos ou até mesmo durante a performance para discutirem o que fazer sobre isso esta peça chegará ao fim.
Olhando para o registro histórico da sociedade como se ele fosse uma peça, percebemos que a história das performances durante milhares de anos foi registrada apenas por homens e escrita de acordo com suas palavras. Sua atenção se direcionou principalmente aos homens. Não me surpreende que eles não tenham percebido todas as ações das mulheres. Finalmente, nos últimos 50 anos, algumas mulheres adquiriram a formação necessária para escrever os roteiros da companhia. À medida que elas escreviam, elas começaram a prestar mais atenção no que mulheres estavam fazendo. No entanto, elas foram bem formadas por seus professores, então, elas também acharam que o que homens estavam fazendo era mais importante e, no seu desejo de melhorar o papel das mulheres no passado, elas buscaram mulheres que fizeram o mesmo que homens. Assim nasceu a história compensatória.
O que mulheres devem fazer, o que feministas estão fazendo agora, é apontar para o palco, o cenário, o figurino, o diretor e o roteirista, assim como fizeram as crianças no conto de fadas que descobriram que o imperador estava nu, e dizerem que a desigualdade básica entre nós está dentro deste sistema. E então, elas devem derrubá-lo.
Como será a escrita da história quando a sombra da dominação for removida e as definições forem compartilhadas igualmente entre homens e mulheres? Iremos desvalorizar o passado, destruir as categorias, suplantar a ordem com o caos?
Não. Nós iremos simplesmente caminhar abaixo do céu. Iremos observar as mudanças, o nascer das estrelas e os ciclos lunares, e descreveremos a terra e seu funcionamento por vozes masculinas e femininas. Podemos, afinal, ver de forma mais rica. Nós sabemos agora que o homem não é a medida do que é um humano, mas sim homens e mulheres. Homens não são o centro do mundo, mas sim homens e mulheres. Esta ideia vai transformar a consciência decisivamente assim como a descoberta de Copérnico de que a terra não era o centro do universo.
Nós podemos atuar de acordo com nossos papéis distintos no palco, às vezes mudando-os ou mantendo-os, como acharmos conveniente. Nós podemos descobrir novos talentos entre aqueles que sempre viveram debaixo da sombra de outro papel. Nós podemos descobrir que aqueles que já haviam tomado a responsabilidade tanto da ação quanto da definição podem agora ter mais liberdade para atuar e experimentar a pura alegria da existência. Nós não somos mais obrigados a descrever o que encontramos no final, não como os navegadores que viajaram até o outro lado do mundo para descobrir que a terra é redonda.
Nunca saberemos a não ser que comecemos. O processo por si mesmo é o caminho, o objetivo.

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