O juiz Shlomo Hagler, de um tribunal superior em Manhattan, Nova York, decidiu que demitir uma mulher por ser bonita demais é abominável, mas não constitui discriminação por sexo (ou por gênero). Mulheres atraentes não são protegidas pelas poucas leis relacionadas ao trabalho — nem ciúmes do cônjuge, diz a decisão.
O caso envolve a instrutora de ioga e terapeuta-massagista Dilek Edwards (à esquerda), contratada em 2012 para trabalhar na clínica Wall Street Chiropractic and Wellness, de propriedade do quiroprático Charles Nicolai e sua mulher Stephanie Adams (à direita), uma ex-coelhinha da Playboy.
Um ano mais tarde, o quiroprático advertiu a massagista que ela poderia ter problemas no emprego, por ser bonita demais: sua mulher poderia ficar enciumada. Mais quatro meses e a previsão se consumou. A mulher do quiroprático enviou uma mensagem de texto à massagista, dizendo que ela estava despedida e que não botasse mais o pé na clínica.
“Fique [palavrão] longe do meu marido e de minha família (stay fucking away from my husband and family). E lembre-se de que a adverti”, teria escrito a mulher do quiroprático, segundo os autos.
A ex-funcionária moveu uma ação no tribunal de Manhattan alegando que sua demissão caracteriza um caso de discriminação por gênero. Na petição, seu advogado escreveu que gênero inclui “a identidade de gênero, a autoimagem, a aparência, o comportamento ou expressão de uma pessoa”.
Porém, o juiz concluiu que esse texto da lei só se aplica a matérias que envolvem identidade de gênero ou questões relacionadas a transgêneros. Não se aplica a pessoas bonitas demais, nem a cônjuges ciumentos.
O juiz escreveu, na decisão, que pesquisou, mas não encontrou precedentes nas decisões judiciais na cidade de Nova York e no estado de Nova York. Mas, em outras jurisdições, encontrou decisões segundo as quais mulheres atraentes não constituem uma classe protegida por leis antidiscriminatórias.
Em um caso com alguma semelhança, o Tribunal Superior de Iowa decidiu que um dentista não violou a lei quando demitiu sua assistente, com 10 anos de trabalho, porque sentiu que, se ela continuasse por ali, os dois iriam terminar tendo um caso. A assistente havia alegado que não fez nada que justificasse a demissão, a não ser pelo fato de ser mulher.
Os casos que tramitam na Justiça dos EUA, embora relacionados a emprego, giram, principalmente, em torno de assédio sexual ou discriminação. A lei diz que é proibida a demissão, a não contratação ou a não promoção de alguém com base em raça, cor, religião, sexo (incluindo gravidez), nacionalidade de origem, idade, deficiência física ou informação genética (história médica pessoal ou familiar). Ser bonita demais ou ciúme do cônjuge não estão na lista.
“Razões” para demitir
Com base nesses casos, a advogada Donna Ballman, escreveu um artigo no qual mostra sete razões pelas quais uma mulher pode ser demitida com base na aparência, legalmente. Alguns casos valem para homens:
1. Atraente demais. Não é ilegal demitir ou não contratar mulheres muito atraentes. Porém, se a empresa tiver homens também muito atraentes, o processo por discriminação por gênero se configura. Provavelmente, também haverá oportunidade para processar chefes por assédio sexual.
2. Feia demais. O chefe pode alegar que pessoas bonitas tendem a ser mais bem-sucedidas e demitir, não contratar ou não promover uma mulher convencionalmente feia. Mas, da mesma forma, que houver na empresa homens que estão longe de atender os padrões convencionais de beleza, há fundamento para processo. Teoricamente, a possibilidade de assédio sexual é menor.
3. Muito gorda. O chefe pode demitir, se recusar a contratar ou promover pessoas obesas. Porém, nos EUA, pessoas obesas podem processar o superior com base na lei que protege os americanos com deficiência física. Há discriminação se pessoas obesas do outro sexo forem favorecidas. Algumas cidades americanas fizeram leis contra a discriminação por obesidade.
4. Muito magra. É o mesmo caso. Porém, se a magreza se deve à deficiência física, o processo é possível. Se o trabalho exige um peso mínimo, a não ser que o empregador possa demonstrar que essa é uma necessidade empresarial e que nenhum outro critério possa ser usado como substituto do peso mínimo, então a probabilidade de provar discriminação é alta.
5. Vestuário errado. Um empregador pode demitir uma mulher ou um homem, dizendo apenas que não gosta da roupa que veste ou do sapato que usa. No entanto, se o trabalhador estiver usando uma roupa fora do padrão em sinal de protesto contra as condições de trabalho, a Lei Nacional de Relações do Trabalho diz que um empregado não pode ser demitido por esse motivo. Para as pessoas que têm de usar calçados especiais por deficiência física, o empregador tem de acatar “acomodações razoáveis” para elas. Da mesma forma, se o empregado não pode usar determinado uniforme por razões religiosas, o empregado tem de se adaptar.
6. Muito pequeno(a). Há uma presunção cultural de que as pessoas altas são mais bem-sucedidas e esse é um argumento válido para um empregador não contratar. Nesse caso, também, há que se saber se existem outros “baixinhos” na empresa, de outro sexo, para justificar uma ação.
7. Muito jovem. Muitas vezes, empregados não são contratados ou promovidos por serem “muito jovens”. A lei só proíbe discriminação contra pessoas com mais de 40 anos. No entanto, as empresas escapam dessa lei, quando descobrem na entrevista que a idade do candidato já é avançada, com o argumento de que ele é “qualificado demais” (“over qualified”) para o cargo.
Lei trabalhista nos EUA
Há uma curiosidade comum dos brasileiros, especialmente de sindicalistas, sobre os direitos dos trabalhadores nos Estados Unidos. Uma resposta simples é: se todos os direitos dos trabalhadores nos EUA forem descritos em uma enciclopédia, provavelmente irão ocupar uma página — ou menos (veja USA.gov/labor-laws).
No país, sequer existe “Justiça do Trabalho”. Existem “conselhos de relações trabalhistas não judiciários”, que tratam de alguns assuntos que podem ou não ter relações com o trabalho. Um paraíso para as “relações empresariais”.
Os trabalhadores nos EUA protestam, lembrando que na França, quando os trabalhadores fazem greve, eles sempre reclamam que as empresas e o governo francês querem transformá-los em trabalhadores americanos.
Existe alguma legislação que protege alguns direitos do trabalhador. Por exemplo, a lei garante um salário mínimo de US$ 7,25 por hora, com um adicional de 50% sobre horas extras (isto é, depois das 40 horas semanais). Muitas empresas não permitem um minuto de trabalho após o horário.
Há uma lei que garante licença maternidade de 12 dias, não remunerada, às mulheres que têm bebês. Há uma outra lei que garante indenização por acidente de trabalho, por invalidez ou morte. No entanto, a comissão encarregada de processar as empresas declarou, há mais de três anos, segundo notícia do New York Times, que desistia definitivamente de mover qualquer ação do tipo, porque nenhuma delas ia em frente.
A Lei Nacional das Relações do Trabalho é uma tentativa de convencer os empregadores a ouvirem as reivindicações de seus trabalhadores, permitirem protestos, a filiação a sindicatos, a negociar etc., para evitar greves, sempre danosas à economia do país. Aliás, é muito difícil se ouvir falar em greve nos EUA.
Conquistado o direito por tempo de serviço, o funcionário tem direito a até duas semanas de férias no ano. Muitas empresas funcionam aos sábados, domingos e feriados. Muitos feriados são observados pelas escolas e serviço público, mas não por empresas privadas. Por exemplo, trabalha-se no Dia do Trabalho.
No entanto, o que mais assusta os brasileiros que moram nos EUA é que as empresas podem demitir funcionários, com anos de serviço, sem pagar um centavo de indenização — ou qualquer outra coisa que no Brasil se chama de “direitos” do trabalhador, após a demissão.
Na maioria dos estados o aviso prévio é obrigatório para a empresa que vai demitir e para o empregado que vai pedir demissão. Isso acontece porque, na maioria dos estados, vale o conceito de “employment-at-will”, uma espécie de “emprego por vontade própria” (ou “você está trabalhando porque quer”). Significa que não há contrato de trabalho ou contrato por tempo indeterminado, que pode ser extinto a qualquer tempo, por qualquer razão ou sem nenhuma razão, desde que a demissão não viole alguma lei (como a da discriminação).
A advogada Donna Ballman, que escreveu sobre razões fúteis para demissão legalmente admissível, disse que “employment-at-will” significa que “um empregador pode demitir você porque ele não gosta de seus sapatos”. Não interessa quanto tempo de serviço o empregado tenha.
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