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quinta-feira, 19 de maio de 2016

Publicidade infantil à luz do CDC - criança, a alma do negócio e os efeitos da publicidade abusiva

André Gonçalves Fernandes , João Amorim, Brisa de Paiva Franco Veit
 
 
Resumo: Trabalho destinado à análise da influência das campanhas publicitárias destinadas ao publico infantil. Análise dos aspectos sócio/econômicos, bem como o quanto dispõe o ordenamento jurídico brasileiro para proteger e resguardar as crianças e adolescentes diante das propagandas abusivas que induzem ao consumo desenfreado. O documentário “Criança, a alma do negócio” foi o meio utilizado para demonstrar a realidade do fenômeno consumerista.

1 Introdução
O Documentário “Criança, a alma do negócio” foi dirigido pela cineasta Estela Renner e produzido por Marcos Nisti, abordando a sociedade de consumo e a maneira como a mídia influencia e reverbera na formação dos jovens, crianças e adolescentes. O que influenciou para a criação do referido documentário foi a análise do Projeto Criança e Consumo.
Assim, o documentário, de forma notória demonstra que no Brasil o público infantil se tornou o maior alvo da publicidade, que as induz e estimulam ao consumo. A influência da mídia no imaginário e nos desejos das crianças se tornam evidentes ao longo das gerações. Atualmente nos hábitos, na maneira que se divertem e até mesmo a forma de convívio familiar, a interferência da publicidade é perceptível.
Desta forma, com base no documentário, é possível exemplificar e demonstrar a realidade do consumo voltado a crianças e a necessidade do ordenamento jurídico brasileiro estar a frente, interferindo no uso desordenado dessas propagandas, garantindo uma infância saudável.

2 Causas e efeitos da publicidade infântil – documentário “criança a alma do negócio”.
A partir da análise da exibição do documentário “Criança, a alma do negócio” produzido por Marcos Nisti e Maria Farinha Produções (2008), é possível se observar o quão avassaladora é a influência da propaganda no público infantil. Por esta razão, a propaganda quando direcionada às crianças e adolescentes necessita ser produzida com uma carga extra de cuidado e responsabilidade, afinal, como demonstrado no documentário em comento, a capacidade de discernimento infantil é absolutamente frágil, quando não nulo, o que torna a propaganda responsável exclusiva pelo critério de escolha das crianças.
Por outro lado, não há porque negar que, de fato, a publicidade quando bem produzida atinge sua finalidade: o consumo. No entanto, esta finalidade apenas se configura como “legítima” no ambiente “adulto”, por assim dizer. Isto porque, em se tratando do universo infantil existe uma responsabilidade maior a ser observada, em virtude de estar-se tratando de indivíduos em formação, sem qualquer capacidade de julgamento e que são tratadas como consumidores de fato, apesar de não poderem sê-los de direito em função da sua incapacidade para a prática de atos da vida civil. (no caso, celebração de contrato de compra e venda)
Neste aspecto, a mídia em geral, mas principalmente a televisiva, se torna o principal ator neste ambiente mercadológico frente à sua – aparente – credibilidade, elemento definidor para que as crianças aceitem como “correto” e, portanto, consumível os produtos por ela veiculados.
A publicidade ultrapassou este simples propósito: da informação à persuasão e, hoje, à “persuasão clandestina”, pois manipula o objeto (imagem e mercadoria), que passa a carregar legendas e valores subjetivos e individuais, não inerentes a si mesmo (Jean Baudrillard ,1997). Este é denominado por ele “mercadoria-signo”, um dos postulados mais importantes para a compreensão da cultura de consumo. Como afirma Featherstone (1995): O consumo, portanto, não deve ser compreendido apenas como consumo de valores de uso, de utilidades materiais, mas primordialmente como consumo de signos (Featherstone, 1995, p. 122).
Trata-se, portanto, de um processo em que a publicidade utiliza-se de uma linguagem com estilo peculiar e de caráter efêmero e cíclico, que motiva e retroalimenta o estado de necessidade da sociedade. Neste processo, também está incluída a criança que, devido à sua condição de pessoa em desenvolvimento, torna-se mais vulnerável a ele.
Neste mesmo sentido, caminha o professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) e estudioso da Psicologia do Desenvolvimento, Yves de La Taille, em parecer elaborado sobre a publicidade infantil no ano de 2008, a pedido do Conselho Federal de Psicologia, quando afirma que “como as propagandas para o público infantil costumam ser veiculadas pela mídia, e a mídia costuma ser vista como instituição de prestígio, é certo que seu poder de influência pode ser grande sobre as crianças. Logo, existe a tendência de a criança julgar que aquilo que mostram é realmente como é, e que aquilo que dizem ser sensacional, necessário, de valor, realmente possui essas qualidades”.
Isto porque, continua, “Elas [as crianças] não têm autonomia, por motivos de desenvolvimento ainda não concluído, e portanto são extremamente influenciáveis por fontes que revestem alguma figura de autoridade. Basicamente, não têm a força, e portanto, a liberdade de realmente tomar decisões por si próprias, e é preciso poupá-las de influências que não as tenham como objetivo, como fim”, coloca.
Assim como exposto no documentário “Criança, a alma do negócio”, Yves de La Taille explica até os 12 (doze) anos o indivíduo toma como referência figuras de autoridade e prestígio, já que não possuem totalmente desenvolvido o espírito crítico a ponto de discernir aquilo que é “melhor” a ser consumido. “Sua capacidade cognitiva ainda não lhe permite estabelecer relações de reciprocidade, necessárias à autonomia”, escreve, onde a “autonomia”, segundo a psicologia, guarda relação com a capacidade de discernimento e de juízo sem interferência exterior.
A publicidade, muitas das vezes, chega a ser perversa, pois estabelece um jogo desigual em que de um lado encontram-se grupos de profissionais altamente especializados composto por publicitários, marqueteiros e até psicólogos, que investigam constantemente os desejos das crianças, e que possuem um profundo conhecimento sobre técnicas de persuasão sobre elas. No livro “Criança do Consumo: A Infância Roubada”, a estadunidense Susan Linn, afirma que anualmente gasta-se cerca de US$ 15 bilhões (quinze bilhões de dólares) com publicidade infantil no mundo.
De outro lado, em desvantagem, competindo com tal grupo especializado e bilionário de profissionais, encontram-se as crianças em estado de vulnerabilidade em virtude de estarem em fase de desenvolvimento e, portanto, acreditam em tudo aquilo que vêm e ouvem, ainda mais quando dito nas redes de televisão.
O Instituto Alana, organização não governamental que trabalha na defesa dos direitos da criança e do adolescente e há anos estuda os efeitos nocivos da publicidade direcionada a esse público, em um estudo realizado “Por que a publicidade faz mal para as crianças?” chegou à conclusão de que até aproximadamente os 08 (oito) anos de idade as crianças misturam fantasia e realidade. Ou seja, as crianças nesta idade ainda não possuem a compreensão para perceber que aquele tênis mostrado na propaganda não a deixará mais ágil e veloz, de fato. Ou que aquele biscoito recheado com alto teor de açúcar e colesterol mostrado não a deixará mais forte, saudável e cheio de energia. E conclui que se valer da capacidade de fantasiar das crianças não é uma atitude nada ética.   
Os anúncios dirigidos ao público infantil podem corresponder a tais influências, porém “uma coisa é eu influenciar meu filho para que ele vá para a escola – é o bem dele, ele é o fim, ele é quem se beneficiará. Enquanto, na propaganda, quem se beneficia das vendas não é a criança, o objetivo é a empresa”, explica o especialista Yves de La Taille.

3  A temática sob a ótica legislativa
No dia 04/04/2014, foi publicada no Diário Oficial da União a Resolução 163/2014 aprovada de forma unânime pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), vinculado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH). O texto classifica como abusivas todas as formas de “publicidade e comunicação mercadológica destinadas à criança, com a intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço”.
De acordo com esta resolução, a “comunicação mercadológica” abrange os meios impressos, comerciais televisivos, spots de rádio, banners e sites, embalagens, promoções, merchadisings, ações em shows e apresentações e nos pontos de venda. Aponta, ainda, os aspectos que caracterizam abusividade, citando dentre outros, o uso de linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores, trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por vozes de criança, ou ainda a participação de celebridades e personagens com apelo ao público infantil.
Mesmo diante do cenário de total desrespeito aos limites legais impostos às propagandas destinadas ao público infantil, ressalte-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de julho de 1990 - ECA) e o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº8078, de setembro de 1990- CDC) já dispõem sobre a publicidade infantil. O CDC em seu artigo 37, §2º, considera abusiva e a coloca como ilegal, “É abusiva, dentre outras, a publicidade (…) que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança (…)”, e acrescenta no seu artigo 19, parágrafo único, “b”, o respeito ao princípio da identificação da publicidade, que determina que toda publicidade deve ser fácil e imediatamente identificada como tal. O ECA, por sua vez, vai além, quando em seu artigo 76 estabelece que “as emissoras de rádio e televisão somente exibirão, no horário recomendado para o público infanto-juvenil, programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas”.
A própria Constituição Federal, em seu artigo 227, determina que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Ou seja, a legislação vigente já determina que a publicidade dirigida às crianças é ilegal, conforme dicção do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente, ambos respaldados no quanto preconizado pela Constituição Federal Brasileira.
No entanto, o fato desta resolução não ter advindo do poder legislativo cria um ambiente inseguro quanto ao seu cumprimento, haja vista que o “mercado” dificilmente admite qualquer regulação externa. Por esta razão, apesar da resolução não ter força de lei, o Conanda defende que a existência de outras normas que versem sobre o assunto (CDC e ECA) já torna suficientemente possível a proibição de propagandas destinadas às crianças.
Na contramão, e como não poderia ser diferente, é exatamente este o ponto combatido no entendimento das entidades do ramo publicitário como a Associação Brasileira das Agências de Publicidade (ABAP) e a Associação Brasileira de Anunciantes (ABA), que divulgaram uma nota pública em conjunto, onde afirmam expressamente que o Poder Legislativo é “o único foro com legitimidade constitucional para legislar sobre publicidade comercial”. Além disso, declararam considerar o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) “o melhor – e mais eficiente – caminho para o controle de práticas abusivas”.
Como contra argumento, as agências publicitárias sustentam que proibir os anúncios direcionados às crianças não resolveria o problema, pois elas estarão sempre expostas a estímulos consumistas, seja nos shoppings centers, entre os amigos na escola, na internet ou nas ruas. Desta forma, a culpa pelo dito “problema” do consumismo infantil não seria da publicidade e sim de todos, família, escola e sociedade. “Se a idéia é proteger as crianças da mídia não adianta mais desligar a televisão, abaixar o volume do rádio e ficar longe das bancas de jornais”, declarou Dalton Pastore, presidente do Conselho Superior da ABAP, em um texto publicado no site da campanha.
Já o publicitário Stalimir Vieira, assessor da presidência da ABAP, apela para um viés mais consciente “O que entendo como saudável é uma campanha voltada para quem produz publicidade dirigida às crianças, para que tenha cuidado e bom senso, considerando a maior vulnerabilidade de seu público”.
Frente a este cenário o Instituto Alana enumerou os chamados “12 motivos do porque a autorregulação da publicidade ser insuficiente e ineficaz no Brasil”, sendo eles:
“1 - Não tem poder de fiscalizar e multar;
2 - Não evita o descumprimento nem a reincidência, apenas recomenda alterações ou suspensão de veiculação;
3 - Não trata com igualdade as queixas dos consumidores em relação às das empresas;
4 - Só se aplica aos que fazem parte do CONAR;
5 - O processo é lento e incapaz de lidar com a agilidade dos anunciantes;
6 - É centrada no eixo RJ-SP e não abrange todo o território nacional;
7 - É incapaz de representar a sociedade como um todo;
8 - Falta isenção: os decisores atuam em prol de interesses privados e são contrários a qualquer regulação da publicidade;
9 - Está focada apenas na publicidade tradicional (televisão e mídia impressa);
10 - É incapaz de cumprir as próprias regras relativas à publicidade infantil (art. 37 do Código Brasileiro de Autorregulação Publicitária);
11 - É resistente ao necessário compartilhamento da regulação publicitária com o Estado a corregulação;
12 - Não tem compromisso com a sociedade e os direito da criança, apenas com o mercado.”
Neste mesmo sentido e corroborando com esta realidade, conclui e acrescenta o Professor Titular de Direito das Obrigações e Direito do Consumidor da PUC-RS e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), Adalberto Pasqualotto, “O merchandising na TV tem a função de surpreender o telespectador, difundindo uma mensagem comercial contextualizada no programa. Isso fere o princípio da identificação da publicidade: segundo o Código de Defesa do Consumidor, toda publicidade deve ser fácil e imediatamente identificada como tal. O Decreto 2.181/97, que regulamentou o CDC, estipula pena de multa para quem ofende o princípio da identificação (art. 19, parágrafo único, “b”), mas desconheço que tenha sido alguma vez aplicado. No caso de alguns programas infantis, talvez já não se possa falar de merchandising, que pressupõe mensagem discreta. São programas escancaradamente publicitários. Mais uma vez, é preciso recorrer ao Judiciário, não há outro jeito”.

4 - A publicidade infantil e os seus reflexos
4.1 - Na obesidade infantil
Em uma pesquisa do DataFolha/2010, por exemplo, 85% dos pais afirmaram que a publicidade de alimentos influencia no pedidos dos filhos. Já no Interscience/2003, 73% das crianças relataram que as propagandas são responsáveis pelas suas escolhas alimentares. De acordo com a Associação Dietética Norte Americana, são necessários apenas 30 segundos para que uma marca alimentícia influencie uma criança.
A questão da obesidade infantil, portanto, é central para a discussão. A Advogada e Diretora do Instituto Alana, Isabella Henriques, afirma “Sabe-se que o principal fator causador da obesidade infantil é o consumo exagerado e habitual de alimentos que possuem excesso de sódio, gorduras trans e saturadas e açúcar, mas o estímulo a esse consumo feito pela publicidade agrava a situação”.
Segundo a última Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), também elaborada pelo IBGE entre os anos 2008 e 2009, 34,8% dos meninos brasileiros de 5 a 9 anos e 32% das meninas nas mesmas condições estavam acima do peso. Enquanto isso, 16,6% dos meninos e 11,8% das meninas nessa faixa etária eram considerados obesos.
A relação entre propaganda e alimentação fica clara com dados levantados pelo próprio Instituto Alana: as crianças de 2 a 7 anos assistem, em média, a 12 anúncios de alimentos por dia, e o número sobe para 21 entre as crianças de 8 a 12 anos. Do total, cerca de 50% das propagandas vistas por elas na televisão são de alimentos, sendo 34% de guloseimas e salgadinhos, 28% de cereais, 10% de fast food, 1% de sucos de fruta e nenhuma de frutas e legumes.
Razão pela qual, resta retratado no documentário “Criança, a alma do negócio” que as crianças ao serem solicitadas para que digam os nomes de determinadas frutas e legumes, como manga e berinjela por exemplo, elas não sabem identificar. Porém, quando mostrado salgadinhos e doces, elas dizem as marcas ainda que os nomes do produtos estejam cobertos.
Não por outro motivo que uma das grandes preocupações de médicos, pais ativistas pela proteção da infância, reside justamente no fato de que a maioria dos anúncios trata de produtos com alto teor de açúcar, gordura e sal e com baixo valor nutricional. No Brasil, por exemplo, de cada dez alimentos anunciados, sete são de guloseimas e comidas industrializadas. Além disso, 15% das crianças de até 12 anos já sofrem de obesidade no país.(Caros Amigos, ano XVI, nº 186/2012)
Atualmente, no Senado, tramita o Projeto de Lei 150/2009, que, se aprovado, pode limitar o horário de exibição publicitária de produtos gordurosos, entre o período das 21h às 6h. Também pode proibir a utilização de personagens infantis nesse tipo de comercial. No entanto, como defende o Instituto Alana e como se conclui a partir do quanto abordado no documentário “Criança, a alma do negócio”, não basta uma regulamentação legislativa ou resolução, se não se vier a reboque uma política de incentivo do Estado a atividades físicas, campanhas de alimentação saudável e melhoria na qualidade dos alimentos.
4.2 - Nas desavenças familiares
Notadamente, não se pode fugir do fato de que o consumo infantil perpassa pelo consumo dos pais, afinal uma criança é incapaz para celebrar um contrato, no caso o de compra e venda. Dessa forma, a influência que as propagandas geram nas crianças criam um ambiente, muitas vezes, de conflito entre pais e filhos. Seja pelo fato de que os pais não acham necessária a compra daquele determinado produto, seja por conta dos pais não possuírem condições financeiras para aquela compra.
Exposto desta maneira, as razões se mostram aparentemente simples, no entanto, o diálogo para se demonstrar essa situação de carência financeira ou de necessidade ou não de compra se dá com crianças de 02 a 12 anos de idade, o que torna a situação mais complexa de ser compreendida. Afinal, como já exposto, falta à criança a consciência e o discernimento para definir o que de fato é realmente necessário se obter e até que ponto vai a sua condição para tal.
Portanto, a falta de compreensão, absolutamente legítima, por parte das crianças, gera entre estas e os pais muitos conflitos por conta do apelo da publicidade e a determinação dos pais se irão comprar ou não determinado produto. As desavenças se instalam em detrimento de um apelo interventor da publicidade no ambiente familiar, desavenças estas que não existiriam, a priori, pelo fato dos pais serem os responsáveis por dizer àquilo que de fato é necessário e possível de ser comprado para a criança e não as propagandas televisivas (em sua maioria).
E mais, em casos extremos a propaganda não só cria esse clima de conflito entre pais e filhos como uma consequência ao “não consumo”, mas também de forma direta e perversa, como cita a Psicanalista Ana Olmos, que a partir de um estudo demonstra um dos recursos mais avançados utilizados pela publicidade, atualmente, e que tem sido muito eficiente: a técnica de identificação projetiva.
Ana Olmos cita, como exemplo, um comercial do McDonalds em que há claramente a utilização deste elemento, na cena apresentada no comercial há a relação de um filho e pais separados. O pai convidava o filho para ir ao zoológico, que não ficava satisfeito, pois preferia ir ao McDonalds. O filho, então, conta para o pai que ele vai ao McDonalds com a mãe e que, portanto, com ela, ele faz o que gosta. “Depois, ele faz a mesma coisa com a mãe. E consegue comer no McDonalds duas vezes. O filho joga com o pai e com a mãe de forma a exercer controle sobre eles”, explica a psicanalista. “Através desse mecanismo de identificação projetiva, as crianças conseguem dobrar os pais. Elas projetam que o que elas querem irá acontecer a qualquer custo. E, para isso, inoculam nos pais sentimentos como a culpa, a pena, o medo de perder o amor dos filhos, de que eles sejam discriminados por não terem tal produto”, esclarece Ana.
4.3 – No consumismo infantil
No ano de 2008, foi realizado um Censo Demográfico pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), onde apontou que 29% da população do país são crianças de 4 a 14 anos, sendo que aproximadamente 78% delas vivem na zona urbana. Ou seja, elas estão vivendo mais próximas dos bens de consumo e expostas à comunicação publicitária que são estrategicamente colocadas e dirigidas ao público específico pelos mais variados meios de mídia.
Isto ocorre, porque vivemos uma nova realidade social, onde a criança também possui lugar nas relações econômicas, não por escolha, mas sim porque assim lhe fora designado. O sistema capitalista introduz uma lógica mercadológica diferenciada, onde a criança também participa como consumidor ativo, sendo, também, cliente posto que opina, exige e consome (ainda que indiretamente). Este novo “sistema”, possibilita a criança a assumir o papel de três tipos diferentes de consumidor, quais sejam, na definição de José Ednilson Gomes de Souza Júnior; Camila Hildebrand Gazal Fortaleza; e Josemar de Campos Maciel, expresso no artigo “Publicidade infantil: o estímulo à cultura de consumo e outras questões.”:
“[...] o de potencialmente consumidora que vem adquirindo os valores de consumo e se apropriando dos signos veiculados pela propaganda – ou seja, receptora das experiências de outrem trazida a ela desde bebê, quando passa a acompanhar seus pais nas compras cotidianas ou, mais adiante, participando das atividades pedagógicas escolares as quais, eventualmente, incorporam as iniciativas de propaganda e marketing, como aquelas que se veem nos meios de comunicação de massa.
O segundo papel se refere à criança consumidora que decodifica, transforma os signos em algo não inerente ao objeto, na busca por algo que não se configura como a necessidade material real. Pode ocupar este papel não apenas quando possui capital para compra, mas quando é capaz de inferir diretamente e imperativamente – como a propaganda o faz –, na aquisição de bens materiais. [...]
Há, também, a atuação da criança como catalisadora do consumo de terceiros, papel a ela destinado quando sua função é de simulacro – utilizada na promoção de produtos cujas propagandas são direcionadas imediatamente às crianças, mas que visam a atingir aos adultos.” [ressaltou-se]
Este novo cenário é criado e explorado pela própria publicidade que desde a tenra idade vicia as crianças às imagens e figuras que vinculam o entretenimento ao produto. De acordo com a agência publicitária Young & Rubican, as crianças, na faixa etária entre 0 e 14 anos, movimentam cerca de R$ 1,3 bilhão por ano (cerca de 0,3% do PIB brasileiro - em 2009) em mesadas administradas por elas mesmas, consumindo pequenos objetos e lazer (Sampaio, 2000: 152-153).
Como também bastante enfatizado no documentário “Criança, a alma do negócio”, o consumo infantil também acompanha os avanços tecnológicos de modo que, como o que está em voga nos últimos 20 anos são os aparelhos celulares, smarthphones, tablet e similares, os desejos das crianças também são no sentido de obtê-los, ainda que lhe falte qualquer serventia. No documentário é exibido uma criança de 14 anos que já obteve em sua curta vida 09 (nove) aparelhos celulares, e este é um exemplo que representa de fato a realidade a qual estamos inseridos. O IBGE em estudo realizado no ano de 2005, levantou dados que demonstram que o consumo de tecnologia por crianças de 10 a 14 anos, principalmente telefonia móvel, hoje soma 5,9% do mercado, o equivalente a 3.312.157 usuários nesta faixa etária.
A grande preocupação no que diz respeito a este estímulo precoce ao consumo, gira em torno da formação da personalidade e conscientização das crianças, posto que são esses hábitos e costumes da infância se enraízam no ser e são determinantes para a formação, de fato, de um consumidor capaz de discernir necessidade de futilidade.
Não de outra forma preocupa-se Ana Lucia Rezende, ao afirmar que “o consumo infantil, geralmente acrítico e passivo, sem dúvida terá decisiva interferência na representação que a criança formará da realidade” (Rezende, 1993).
4.4 – Na sexualidade precoce
Pelas mesmas razões e com base nos mesmos cuidados, há uma forte política de contenção à publicidade infantil que busca “adultilizar” as crianças. Isto porque, o que se vê é que na medida em que as propagandas, principalmente de maquiagens, roupas e calçados, induzem as crianças a embelezar seus corpos, torneá-los e exibi-los, provocam o processo de desenvolvimento sexual pelo estímulo precoce.
O descobrimento da sexualidade tem o seu tempo natural para se apresentar nas crianças, daí que provocar os cuidados com o corpo, o consumo de produtos de caráter adulto, tende a quebrar o processo fisiológico de desenvolvimento infantil no que se refere à sexualidade. Exige-se das crianças uma preocupação que não faz – e nem deve fazer – parte do seu cotidiano, ao invés de brincar, cair e se divertir, os programas de TV e propagandas estimulam as crianças a terem determinados cuidados –muitas vezes estéticos – que não lhes cabem nesta fase da vida.
Neil Postmam apresenta uma com conclusão brilhante acerca das consequências derivadas dessa redução do distanciamento entre a infância e a idade adulta, “crianças se vestem como adultos; as brincadeiras se modificam; [...] a televisão destrói a linha divisória entre infância e idade adulta de três maneiras, todas relacionadas à sua acessibilidade indiferenciada: primeiro, porque não requer treinamento para aprender sua forma; segundo porque não faz exigências complexas nem à mente nem ao comportamento, e terceiro porque não segrega seu público [...]. O novo ambiente midiático que está surgindo fornece a todos, simultaneamente, a mesma informação. [...] a mídia eletrônica acha impossível reter quaisquer segredos. Sem segredos, evidentemente, não pode haver uma coisa como a infância. (Postman, 1999: 94). [ressaltou-se]
Falta, portanto, limites às transmissões, afinal, quando não há segregação de conteúdos, as crianças ficam reféns à exposição midiática tal qual um adulto, por via de consequência, o estímulo causado em um adulto – seja qual for a finalidade da propaganda – será o mesmo causado em uma criança. Daí que, no que se refere à sexualidade, apesar de menos letal, é igualmente preocupante, tanto quanto tudo o quanto já supra abordado. Isto porque, permite-se que a mídia, e atualmente ainda mais a internet, adentrem em uma seara que muitos pais muitas vezes nem sabem como lidar com os filhos.

5 - Conclusão
Do presente estudo, tendo como objeto o documentário “Criança, a alma do negócio”, é possível se concluir que a publicidade direcionada ao público infantil carece de uma carga, a ser especialmente considerada, de consciência e responsabilidade por parte das agência publicitárias. Isto porque, o indivíduo ao qual a propaganda se direciona não possui a capacidade de discernimento suficiente para, sozinho, estabelecer e até mesmo decidir o que, de fato, lhe seria “melhor” a ser consumido.
As crianças (0 a 12 anos de idade - ECA) não podem assumir o poder decisório em virtude da sua condição de incapacidade, tanto para a prática dos atos da vida civil, quanto para o julgamento daquilo que lhe é ou não necessário ou saudável. 
O que se observa é que a publicidade se vale dessa fragilidade infantil, para exercer sobre eles um poder persuasivo capaz de convencê-las de que aquele produto há de ser consumido. A abusividade de tais veículos é tamanha que, muitas das vezes, em virtude da ingenuidade das crianças estas se convencem a tal ponto que criam um ambiente de conflito com seus pais na tentativa de convencê-los, também, da necessidade de obtenção de determinado produto. Este é um quadro alarmante, preocupante e urgentemente discutível.
A urgência de tal situação, reside no fato da mídia estar invadindo o seio familiar e ocupando um papel que é, naturalmente, dos pais: o de educar. A partir do momento em que a publicidade passa a determinar aquilo que será (ou influenciar à) consumido, os pais se vêem em uma situação conflituosa com os filhos que não existiria se a publicidade não fosse ardilosamente abusiva. O perigo reside no fato dos filhos se utilizarem dos argumentos expostos nas propagandas (como narrado no item 3.2) e não mais daquilo que lhe fora ensinado pelos pais. Definitivamente as agências publicitárias não possuem legitimidade alguma para determinar quais serão os hábitos e costumes de consumo das crianças.
Ela, a publicidade, tem uma função e educar não está inserida nela. Se as restrições à publicidade foram estabelecidas para proteger a criança, todos os seus substitutos publicitários que a atinja devem sofrer iguais restrições. A questão é saber se a norma jurídica atual, do modo como está redigida, garante a proteção mesmo em face dessas novidades, como as ações de marketing.
O ordenamento pátrio traz como diplomas legais capazes de regular juridicamente a matéria, o Código de Defesa do Consumidor (Art. 19 e 37, §2º), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Art. 3º, 4º e 76), a Constituição Federal/88 (art. 227) e a, recentemente aprovada, Resolução 163/2014. Muito embora, a resolução tenha sua legalidade questionada em função de não ser ter sido proveniente do Poder Legislativo, especialistas no assunto entendem que o CDC e o ECA são suficientes para garantir a regulação da abusividade da publicidade infantil. 
A publicidade abusiva, no entanto, é um conceito jurídico indeterminado, e por esta razão “Não se trata, portanto, de falta de clareza da legislação, mas da impossibilidade de legislar exaustivamente. Cabe ao juiz, diante de uma mensagem publicitária concreta, dizer se houve abuso ou não. O conceito está bem formulado. Dentro dele cabem as mais variadas situações. O que falta é adensar o entendimento sobre grupos de casos em que a abusividade pode ser reconhecida. Isso só se conseguirá com a formação de jurisprudência, o que demanda a necessidade de propor mais ações (bem fundamentadas) sobre publicidade abusiva dirigida às crianças” esclarece o Professor Adalberto Pasqualotto (PUC-RS).
Portanto, o documentário “Criança, a alma do negócio” deixa claro que a questão em debate não envolve apenas o âmbito jurídico, mas também o social e educacional. A invasão da mídia nas residências afeta sobremaneira o controle de informações acessíveis às crianças, por outro lado, faz ver até que ponto os pais também são responsáveis por permitir este acesso das crianças aos meios.
Ademais, fica provado que não basta regular legislativamente sobre o assunto, quando se está tratando de questões sociais, é necessário que se venha a reboque políticas de incentivo por parte do Estado, no sentido de combater e atuar preventivamente sobre os males causados pela abusividade publicitária. Afinal, a legislação só pune aquele que a descumpre, não há porque sofrer os efeitos podendo se evitar a causa.
André Gonçalves Fernandes
Advogado Pós-graduado em Direito Tributário IBET/BA Experiência profissional nas áreas do Direito do Consumidor Direito do Trabalhista e Direito Tributário
João Amorim
Advogado, Pós-graduando em Direito do Trabalho (UNIFACS), Experiência Profissional em Direito do Trabalho
Brisa de Paiva Franco Veit
Advogada, Pós-graduanda em Direito Tributário (IBET/BA), Experiência profissional nas áreas do Direito do Consumidor e Direito Tributário

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