Entenda os dilemas que um ansioso crônico tem de enfrentar todos os dias
Mariana Mauro
23 maio, 2016
O que você faria se seu coração acelerasse de repente, se você não conseguisse parar de tremer ou se tivesse dificuldade de respirar? Você iria ao médico, tomaria um remédio? E o que faria se tivesse a sensação de que iria morrer? Estes são alguns dos possíveis dilemas de quem sofre de problemas relacionados com a ansiedade crônica.
Se você andar numa floresta e der de cara com uma cobra, seu corpo vai entrar em estado de alerta, o que provavelmente vai lhe causar um desconforto. Esta é uma ansiedade normal e esperada. Mas quando não há estímulos externos que ofereçam perigo e mesmo assim o desconforto tende a se repetir, esta ansiedade pode estar se tornando um transtorno, segundo explica o psiquiatra e psicanalista Sergio de Almeida, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro.
(Divulgação/OMS) |
Segundo um levantamento do World Bank Group com a Organização Mundial de Saúde (OMS), 416 milhões de pessoas sofriam de depressão ou de ansiedade crônica em 1990, só que este número subiu para 615 milhões em 2013. No entanto, este número pode não estar relacionado com a incidência de casos, mas com o acesso à informação e ao diagnóstico do problema.
Segundo o psiquiatra, os transtornos relacionados com a ansiedade não são novidade. Mas como temos maior facilidade ao acesso de informações, ele se tornou mais discutido. “O que vai caracterizar o perigo da ansiedade não é só a repetição, mas as consequências que ela vai causar ao organismo da pessoa. O desconforto repetitivo vai engendrar reações orgânicas, ora pressão alta, ora o desencadeamento de um quadro diabético, ora o desencadeamento de uma dor de cabeça”. A ansiedade pode, então, gerar vários tipos de transtornos como o transtorno geral de ansiedade (TAG), atos fóbicos, quadros de evitação e transtornos do pânico.
Diminuição de produtividade
Transtornos mentais como a depressão estavam entre as 20 principais causas de incapacidade ao redor do mundo em 2014, de acordo com a OMS. Segundo o levantamento do World Bank Group com a OMS, o custo de perda de produtividade no ambiente de trabalho por conta da depressão e da ansiedade crônica é de US$ 1 trilhão por ano (mais de R$ 3,5 trilhões segundo o câmbio atual). A maioria destas pessoas não recebe tratamento adequado e com isso elas ficam incapacitadas de trabalhar, diminuem sua produtividade e faltam ao trabalho. Enquanto isso, o governo recebe menos impostos e gasta mais com a saúde e o bem-estar.
De acordo com dados do Ministério da Previdência Social, apenas em março deste ano, mais de três mil pessoas receberam auxílio-doença por problemas relacionados com a ansiedade. Segundo o World Bank Group e a OMS, apenas 3% dos gastos mundiais vão para a saúde mental. Só que segundo um artigo publicado no The Lancet Psychiatry em abril, baseado em dados do Global Burden of Disease 2010, investir no tratamento para a depressão e a ansiedade leva a um retorno quatro vezes maior. O psiquiatra lembra que ninguém está isento da ansiedade crônica ou de seus possíveis transtornos. “Dentro do indivíduo pode haver fontes ansiogênicas muito grandes. Às vezes é um pensamento, uma lembrança, um desejo. E isso pode ser uma fonte de angústia muito difícil de ser suportada”.
Segundo a psicanalista Miriam Tawil, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, há certo exagero em dizer que a ansiedade é o mal deste século, porque isto sempre existiu. “Hoje as relações são mais líquidas. Com a tecnologia, os vínculos humanos podem ser mais frágeis. A relação muitas vezes é vista como uma ação na bolsa de valores e saímos e entramos nelas conforme os ‘lucros’. Só que as dores e lutos de entrar e sair de relacionamentos são muito sofridos e aí há um aumento de ansiedade.” A psicanalista lembra que entre as consequências da ansiedade crônica, a pessoa pode perder parte de sua autoconfiança, pode ter uma expectativa pessimista, uma ideia aflitiva permanente ou uma ansiedade relacionada ao corpo.
Mas o que você pode fazer se esta angústia estiver se tornando um problema na sua vida? Sergio de Almeida diz que é essencial consultar um profissional competente. Além disso, exercícios físicos também podem ajudar a aliviar a ansiedade. “O organismo se vê inundado por químicas cerebrais chamadas neurotransmissores. As atividades corporais são vias auxiliares para que esta energia que está solta no organismo, causando mal estar, possa ter outros encaminhamentos”.
“Fica calmo!”
Dizer para uma pessoa em crise para ela se acalmar adianta? Uma pessoa pode dizer “fique calmo” de várias formas, tentando censurar a pessoa, tentando ouvi-lá ou até mesmo tentando reprimi-la. “Eu não ligo muito para aquilo que é dito nestas horas, mas como é dito. É fundamental que você ofereça para a pessoa que está ansiosa, portanto com um medo terrível e avassalador, uma atmosfera de segurança. Não importa o que você vai dizer, às vezes, só um abraço ou um olhar já ajuda mais do que dizer ‘fica calmo’ ou outra coisa”, explica o psiquiatra.
Nina*, de 26 anos, é universitária. Ela saiu da casa dos pais em São Paulo para morar sozinha e estudar no Rio de Janeiro. Ela tinha uma rotina agitada, trabalhava 8h por dia e assistia aulas, na faculdade, todos os dias no turno da noite. Nos finais de semana, ou ia ver a família ou fazia os trabalhos da faculdade. Mas, em 2015, ela começou a sentir coisas que iam além de seu controle. Em um dia normal de trabalho, Nina não se sentiu bem. Ela achou que sua pressão tivesse subido muito e começou a chorar. Nina foi para o hospital, onde a médica afirmou que sua pressão estava normal. Depois de receitar um calmante, a médica pediu para que ela procurasse um psiquiatra. Foi assim que Nina descobriu seu problema com a ansiedade. “Eu passei muito mal, achei que fosse morrer”. O psiquiatra receitou remédios, mas ela não queria tomá-los. Tomou um dos três que haviam sido receitados e depois parou por conta própria. “Só que às vezes a crise volta”. Nina procurou então um psicólogo com quem se consulta de 15 em 15 dias até hoje. Ela conversou com a mãe e com a irmã sobre o assunto, mas elas não deram muita importância. “Acho que o que ocorre é que as pessoas não têm muita noção que isto precisa de tratamento”. Aconteceu a mesma coisa quando ela explicou para o chefe o que teve. “Ele não entendeu, achou que era frescura minha”.
Amanda*, de 19 anos, teve sua primeira experiência com a ansiedade crônica ainda na escola. Ela estava indo para o Ensino Médio, havia pressão para passar no Enem e para decidir qual curso faria na faculdade. “Eu comecei a perceber que eu não respondia [às pressões] de um modo saudável como as outras pessoas”. O problema não ficou só na escola, foi também para a vida pessoal de Amanda. Só que ela tinha medo de procurar ajuda por achar que ninguém a levaria a sério. Depois de quase três anos, Amanda contou para sua mãe o que estava acontecendo. Ela pediu para que a mãe mantivesse o assunto em segredo. “Meu pai acha que não existe ansiedade e depressão”. Ela queria ir a um psiquiatra, mas a mãe recomendou que fosse primeiro a um psicólogo. Amanda teve uma experiência ruim, ouviu do então profissional que ela estava exagerando, de que tudo aquilo era normal. “Eu não acho normal você não conseguir sair da cama para fazer tarefas básicas”. Ela então foi ao psiquiatra. Depois de dois anos de tratamento, Amanda recebeu alta. “Crises, eu ainda tenho, não é uma coisa que se cura, mas que diminui e com a qual você aprende a viver”.
Diego*, de 24 anos, sempre se considerou uma pessoa ansiosa. Só que na faculdade, ele começou a perceber que não estava conseguindo realizar tarefas cotidianas. Ele tentou se controlar, suspeitava de um possível diagnóstico, mas só procurou ajuda quando viu que a situação estava insuportável. Ele foi ao psicólogo, que o recomendou um psiquiatra. Seu diagnóstico era o mesmo de sua suspeita: transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Diego sentia a necessidade extrema de cumprir determinados rituais como checar inúmeras vezes se a porta estava fechada. Como consequência disso, tinha estresse excessivo, que o deixava com dor de cabeça e irritado. O remédio receitado pelo médico o ajudou a controlar o sentimento de culpa quando não cumpria uma das tarefas dos seus rituais. Ele conversou com os pais sobre o assunto, mas a mãe dele até hoje não entende. “Ela acha que isso não é um problema como diabetes, por exemplo, mas é”. Diego está em tratamento há quatro anos.
Não bastam os sintomas nem a angústia, muitas pessoas que sofrem com a ansiedade temem o rótulo que podem receber da sociedade ao ter que ir ao psiquiatra ou ao ter que tomar remédios. O preconceito ainda é uma realidade. Como os casos de ansiedade estão sendo mais discutidos, principalmente, nas redes sociais e nos meios de comunicação, as pessoas se sentem mais confortáveis para compartilhar seus sentimentos. Ninguém está isento a questões como estas, como explicaram os especialistas, por isso buscar a ajuda de um profissional qualificado é a melhor forma de enfrentar seus piores monstros.
*Nomes fictícios foram utilizados para preservar as identidades das fontes.
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