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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012


ONU critica legislação brasileira e cobra país por mortes em abortos de risco

Entidade destacou o fato de 200 mil mulheres morrerem em cirurgias clandestinas anualmente


Jamil Chade, de O Estado de S.Paulo
GENEBRA - O governo de Dilma Rousseff foi colocado nesta sexta-feira, 17, contra a parede pelos peritos da ONU, que acusam o Executivo de falta de ação sobre a morte de 200 mil mulheres por ano por conta de abortos inseguros e pedem que o País supere suas diferenças políticas e de opinião para salvar essas vítimas.
A entidade realizou seu exame sobre a situação das mulheres no Brasil e não poupou críticas ao governo. "O que é que vocês vão fazer com esse problema político enorme que tem?", cobrou durante a plenária a perita suíça Patricia Schulz.
Para os especialistas da ONU, a criminalização do aborto está ligada à alta taxa de mortes por ano.
Pressionada domesticamente pela CNBB e parte do Congresso, a ministra da Secretaria de Políticas para a Mulher, Eleonora Menicucci, em suas cinco horas de debates em Genebra, não concedeu mais de dois minutos para tratar do assunto. Um dia antes da reunião, a nova ministra disse que não abria mão de suas convicções pessoais em relação ao aborto. Mas garantiu que apresentaria à ONU as "diretrizes do governo".
Nesta sexta-feira, ao ser pressionada pelos peritos, limitou-se a dizer que o tema não era do Palácio do Planalto. "Essa é uma questão que não diz respeito ao Executivo, mas sim ao Congresso. Há um projeto de lei em tramitação e sabemos da responsabilidade de prevenir mortes femininas e maternas ", se limitou a dizer. No início de março, a entidade publicará suas recomendações ao Brasil, a partir do que escutou.
A ministra admitiu que o aborto estava entre as cinco principais causas de mortes de mulheres no Brasil, enquanto uma representante do Ministério da Saúde indicou que existem em funcionamento 60 serviços credenciados para realizar abortos dentro da lei e que essa rede será ampliada.
A resposta não convenceu os especialistas, que apontam que a divisão na sociedade brasileira sobre como tratar do aborto não pode ser motivo para permitir que as mortes continuem ocorrendo.
Os peritos da ONU insistem que não são a favor ou contra o aborto. Mas alertam que, seja qual for a lei em vigor no Brasil, a realidade é que milhares de mulheres estão morrendo a cada ano por conta dessas práticas e o estado precisa fazer algo. "As mulheres vão abortar. Essa é a realidade", disse Magaly Arocha, uma das peritas. "O comitê da ONU não pode defender o aborto. Mas queremos que o estado garanta que mulheres possam velar por suas vidas", disse.
A tentativa de Eleonora de jogar a responsabilidade para o Congresso não foi bem recebida. "Perdão. Mas não estou entendendo. Não está claro para mim qual a posição do governo. Não está claro se o Executivo e o Congresso vão na mesma direção. O que queremos saber é a posição do estado brasileiro, que é quem está sendo avaliado ", cobrou Arocha.
Schulz foi ainda mais enfática. Ela lembrou que, em 2007, a ONU já cobrou do Brasil que a criminalização do aborto fosse revisada pelo governo. "Mas lamentavelmente não vimos progressos e os esforços fracassaram", declarou. "Essa é uma questão muito preocupante. São 200 mil mortes por ano e essa alta taxa tem uma relação direta com a criminalização do aborto", disse.
"O código penal brasileiro é muito restritivo e, mesmo em casos legais, médicos temem conduzir os procedimentos", afirmou, acusando a polícia de também maltratar vítimas de abusos sexuais.
Schulz, uma das especialistas europeias de maior renome no campo dos direitos das mulheres, também destacou que, apesar de haver a possibilidade de abortos legais no Brasil por risco de vida da mãe e por estupro, o número de casos registrados chega a apenas 3 mil por ano. "Enquanto isso, existem 1 milhão de casos ilegais e 250 mil mulheres sendo internadas por complicações", alertou. "O que é que o governo está fazendo para humanizar essa situação ?", cobrou, lembrando que a camada mais pobre das mulheres é a que mais sofre. "A classe média e rica sempre vai encontrar boas soluções", disse.
Projeto. Outra critica levantada pela ONU foi em relação ao Estatuto do Nascituro, que tramita na Câmara. "Uma mulher não pode ser apenas o barco onde o feto cresce", disse Shulz. "Não se pode dar total prioridade ao bebê e deixar de lado a saúde da mulher", declarou.
"Se o Congresso aprovar isso, lamentavelmente estaremos fazendo um tremendo retrocesso nos direitos reprodutivos", declarou Arocha.
Mais uma vez, Eleonora optou por uma resposta vaga. "O projeto do Estatuto não saiu da secretaria. Saiu do Parlamento", disse, passando a palavra para a representante do Ministério da Saúde. Para o órgão, o governo já deu sete pareceres contra o projeto de lei. Mas admite que ainda assim o Estatuto tramita no Congresso.

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