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terça-feira, 13 de março de 2018

As evangélicas e a justiça de gênero

por Magali do Nascimento Cunha — publicado 08/03/2018
As injustiças contra as quais as mulheres lidam atualmente são derivadas da ideologia de gênero patriarcal
Fotomovimiento
Feministas
Ato feminista em Madrid, neste 8 de março
Homens e mulheres são seres humanos dotados de diferenças biológicas. Os povos, ao longo da história da humanidade, construíram modos de vida (culturas) que determinaram papéis específicos para machos e fêmeas/homens e mulheres. Assim foi construída a cultura do patriarcado.

Nesse modo de vida, a organização coletiva é baseada no poder do homem como reprodutor da espécie, provedor da família: o patriarca – o pai, os irmãos, os tios, o marido, os filhos. Este poder é justificado pela ideia de que o homem é o ser com mais força física, mais inteligência e capacidade de liderar. A mulher teria seu próprio papel: participar da reprodução da espécie com a gestação, cuidar da sua cria e da moradia que abriga a família. Por ser considerada mais frágil, dotada de menor inteligência e baixa capacidade de liderança, a mulher é destinada a cuidar e servir.
Resultado disso é a submissão das mulheres ao poder do homem e a repressão e controle dos seus corpos. Com isso emergem a exploração sexual, a opressão do trabalho da mulher, a discriminação das mulheres que rompem com o papel de dominação, a condenação dos homens que se solidarizam com as mulheres.
Esta forma cultural é assimilada nas religiões, e entre os cristãos é fundamentada pela interpretação literalista dos escritos bíblicos. Nesta compreensão, a mulher seria responsável pela existência dos males no mundo, devendo se resumir ao cuidado com o lar e estar em silêncio nos espaços públicos destinados aos homens.
Esta ideologia de gênero continua sendo difundida pela educação formal, pelo conjunto de leis, pelos meios de comunicação, pelas religiões. Como o poder de uma ideologia é tornar as coisas naturais, homens e mulheres a reproduzem como algo “normal” e certo. E dela vêm o silenciamento, a conformação e também a violência nas suas mais diversas formas: física, psicológica, sexual, patrimonial.
Nos primórdios da Igreja Cristã, à luz das ações de Jesus de Nazaré, houve um rompimento com o patriarcado e abertura ao lugar de atuação das mulheres (várias narrativas da Bíblia mostram isto). O silenciamento das mulheres no Cristianismo se dá a partir da institucionalização do movimento cristão e o lugar delas volta a ser enfatizado como reprodutoras, domésticas, cuidadoras.
O questionamento desta lógica nas sociedades ocidentais emergiu, marcadamente, na Revolução Francesa, por meio das noções de cidadania, igualdade, liberdade, que deflagraram processos de transformação na compreensão de família, com a inserção da dimensão da afetividade.
Os movimentos feministas dos séculos 19 e 20, baseados nas descobertas da psicanálise, da filosofia e da biociência, consolidaram este processo com a desnaturalização do poder do homem sobre o corpo da mulher, com a emergência do conceito de gênero para além do feminino e do masculino, pela afirmação da sexualidade como autônoma em relação à reprodução humana. Garantiu-se mais direitos civis das mulheres ao próprio corpo, ao seu destino e à participação sociopolítica.
Cristãs identificadas com esta visão passaram então a buscar um novo olhar sobre o movimento de Jesus de Nazaré e das mulheres da Bíblia. Buscaram ocupar seu espaço nas igrejas em papéis de liderança como pastoras, bispas e leigas. Surge a teologia feminista com uma releitura da Bíblia sob a ótica das mulheres, bem como uma nova abordagem da história da Igreja e de suas teologias.
No Brasil, ganham destaque teólogas evangélicas como a luterana Romi Bencke (atual secretária-geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs/Conic), a metodista Nancy Cardoso, a batista Odja Barros, entre outras.
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Marcha de mulheres em Atenas, nesta quarta-feira 8 (Foto: Louisa Gouliamaki / AFP)
Também em nosso País, grupos como Evangélicas pela Igualdade de Gênero (EIG), liderado por Valéria Vilhena, de tradição pentecostal, se espalham em diferentes espaços, e cada vez mais mulheres de distintas faixas etárias se descobrem como sujeitos da ação libertadora de Deus e não do seu castigo.
É fato que todo este avanço tem provocado reações. Elas têm como alvo os movimentos por justiça de gênero dentro e fora das igrejas, interpretados por segmentos defensores da cultura patriarcal como inimigos a serem combatidos.
Às mulheres que rompem com a compreensão patriarcal do seu papel social é atribuída a culpa pela “destruição da família”, porque buscam mais estudo, trabalho e atuação na sociedade, liderança de processos, controle da natalidade. Com isso, lideranças reacionárias, homens e mulheres, pregam que as “as rebeldes” retornem para dentro dos lares, que se casem e vivam para agradar maridos e filhos, e evitar as “feminazis” destruidoras de famílias.
Esta reação se dá porque há avanços e transformação. Mas ainda há muito o que enfrentar. Doze mulheres são assassinadas todos os dias, em média no Brasil, e 135 sofrem estupro diariamente. Em 2017, houve aumento para 29% do número de mulheres brasileiras que sofreram violência doméstica. O rendimento médio dos brasileiros em 2015, segundo o IBGE, era de 1.808 reais, mas a média masculina era mais alta (2.012 reais), e a feminina, mais baixa (1.522 reais).
São dados alarmantes de muita injustiça ancorada na ideologia de gênero patriarcal! A leitura das mulheres cristãs que buscam justiça de gênero é que Deus não criou o patriarcado, algo contraditório com o seu amor, pois produz silenciamento, violência e morte. Pelo contrário, o Criador ama as mulheres, sua imagem e semelhança, e compartilha com elas do desejo de “vida e vida em abundância”.

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