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sexta-feira, 23 de março de 2018

Controle da Criminalidade

05/03/2018 por Ana Paula Zomer
 Como a senhora percebe a problemática do controle informal e a criminalidade na atualidade?
                            A noção de controle social tem especial importância no desenvolvimento desse tema através de diversas áreas do conhecimento (sociologia, psicologia, direito, etc.). A saudosa Lola Aniyar de Castro, seguindo divisão comumente aceita, lembrava que há o controle formal, que corresponde ao direito e às instituições de repressão e tratamento (polícia, tribunais, prisões, instituições para menores, etc...), e o informal, ou extrapenal, representado por escola, família, religião, meios de comunicação, etc., sendo que todos esses elementos estão implicados na definição ou indicação do que é crime, de quem é o delinquente, e qual é a delinquência[1] (os chamados “processos de criminalização”). 

                             O sistema de justiça tradicional (punitivo ou retributivo) trabalha exclusivamente com a lógica sancionatória e, pelo local de extrema visibilidade que ocupa na sociedade contemporânea, contribui para resumir o controle social à punição.
                            Robert Park, já na década de 20 do século passado, percebia a importância da teoria do controle social admitir que o direito penal não é o tipo de instrumento capaz de agregar os cidadãos de uma comunidade, pois isso só ocorreria mediante a comunicação entre eles, e não por meio da atuação dos tribunais.
                            Por isso, o nosso momento histórico exige a percepção de que constitui equívoco reduzir o controle social às reações à desviação, sendo imperioso redirecionar a definição em testilha para uma compreensão mais ampla: “o conceito deve ser reconstruído em alto grau de abstração de forma que possa servir como noção central na criminologia e na sociologia criminal e da desviação. Visto como um conceito básico que focaliza a regulação do comportamento e a dialética entre mudança e ordem, será comparável a termos como ‘economia’, ‘estrutura’, ‘religião’ ou ‘afinidade’. Controle social irá contribuir na análise de todos os contextos sociais por meio da focalização em seus particulares mecanismos de controle”[2]
                            Em suma, tal reformulação, proposta por estudiosos da envergadura de Scheerer e Hess, permite definir os papéis de diferentes mecanismos e agências de controle, demarcando, especialmente, a diferença entre formas de controle reativo e controle proactive (cuja tradução aproximada que nos parece possível seria “controle pró-ativo”). Logo, na atualidade, controle social deixaria de ser concebido apenas como um conjunto de medidas e meios de reação às condutas desviantes, e passaria a ser considerado como meio de produzir coesão, conformidade social. O objetivo central das formas de controle proactive é antecipar, prever e calcular o comportamento desviante previamente, também para reduzir o recurso ao controle reativo[3].
                            Essa abertura do conceito para admissão do controle proactive cria um campo fértil para a implementação de políticas de early prevention,e para a construção da chamada “nova prevenção”.
                            Nesse particular, entendemos conveniente adicionar, uma vez mais, a leitura que Lola Aniyar de Castro fazia do controle social em nossa região (América Latina), para tentar buscar uma resposta legítima à nossa condição marginal e periférica, na esteira do pensamento de Zaffaroni[4]. A autora sugeria a reorientação democrática do controle social, abrindo a discussão para um controle social alternativo, fundado na perspectiva dos direitos humanos e na realidade marginal de nossa região, sublinhando algumas propostas, dentre as quais destacamos que “nenhuma política criminal pode ser traçada à margem ou sem integrar-se a uma política social mais ampla. Por isso a prevenção criminal não pode ser objeto de uma divisão setorial da administração pública; precisará ser o resultado coordenado de todas as instâncias governamentais e, consequentemente, do controle social formal e informal simultaneamente”[5].

Qual a corrente criminológica ideal para o combate ao atual cenário de criminalidade?
É correto admitir a análise das razões da criminalidade numa perspectiva multifatorial.
Assim, merecem destaque, na gênese do comportamento tido como socialmente desviante, fatores de ordem psicológica, biológica e sociológica.
Em tema de criminologia, várias foram as teorias, e o são ainda hoje, que, sob os mais diversos prismas, tentaram explicar a criminalidade, quer usando um paradigma etiológico (ou causal, ou ainda criminologia do fato bruto, ou tradicional ou comportamental), quer usando aquele da reação social (ou da definição, ou do controle social).
É certo que, até por volta de 1930, houve um predomínio da chamada concepção positivista da antropologia criminal, cujo precursor, como sabido, foi Cesare Lombroso (1875).
Em sua famosa obra “L’uomo delinquenti”, abordou o crime como um fato natural, equiparável ao nascimento e à morte. Foi através dele que a atenção, até então dispensada pela escola clássica de Beccaria, Carrara, Bentham e Feuerbach, ao fato criminoso em si, deslocou-se para a pessoa do “delinquente”, com as várias teorizações e explicações que deste movimento decorreram.
A partir de meados de 1920, e ainda dentro de um paradigma causal, ocorreu, máxime e principalmente nos Estados Unidos da América do Norte, aquilo que se convencionou chamar de reação sociológica da criminologia.
Passou-se, então, a promover a explicação do crime através das influências ou condições sociais facilitadoras da delinquência.
Mister que se diga, e o mandamento é absolutamente atual em sede criminológica, que nenhum fator pode, sozinho, explicar um fato criminoso. Reciprocamente, um mesmo comportamento pode ser enquadrado e explicado segundo várias teorias causais, sem que isto represente, em sí, uma contradição.
Assim, embora as correntes criminológicas pareçam as mais adequadas para explicar a criminalidade em um país como o nosso, com flagrante ausência de socialização no mais das vezes, aonde muitos sequer tem certidão de nascimento, e são formalmente insculpidos no sistema social através de um registro criminal, não há como validamente pinçar-se uma delas sem incorrer em crasso erro científico.

Como a senhora compreende a ideia de prevenção no direito penal?
Creio em programas de programas de prevenção criminal com capacidade de redução do número de infrações penais cometidas por seus potenciais autores, tais como aqueles utilizados principalmente no Canadá e nos Estados Unidos da América do Norte, que levam em conta o conhecimento, a prevalência e o desenvolvimento dos fatores de risco e de proteção na origem dos comportamentos definidos como socialmente desviantes, bem como a otimização das consequentes intervenções em pré-adolescentes.
Referidos programas partem da premissa de que nunca é cedo demais para prevenir a delinquência e, que, consequentemente, quanto antes melhor.
Também é relevante a tomada de consciência de que um certo grau de criminalidade é inevitável em uma sociedade, mas que, não obstante, desde que pequeno, pode ser assimilado e tolerado pela mesma.
Os conceitos da criminologia evidenciam aquelas que nos parecem lacunas propositivas do direito penal, bem como alternativas válidas para estes espaços, que, em termos político-criminais revelam-se infinitamente mais capazes de atingir algumas das metas propostas pela ciência penal.

Qual sua percepção do que seria a Nova Prevenção?
A ideia de prevenção da criminalidade, ou de não cometimento de delitos, põe em evidência, acima de tudo, o interesse do cidadão “padrão”, que não os comete, e que, em razão da redução dos mesmos, tem menos chance de vir a ser vítima destes.
Pergunta-se se é mais satisfatório para a vítima do delito a sanção penal imposta ao seu ofensor, ou a não ocorrência do delito e de sua conseqüente vitimização.
Evidentemente, uma pessoa minimamente razoável preferirá não ser vítima de crime a se “deliciar” com a vingança que a pena inexoravelmente constitui.
Assim, falar em prevenção criminal é visar a redução da criminalidade de maneira empírica e praticamente efetiva, através de uma política adequada, valendo-se de projetos endereçados para crianças de tenra idade e adolescentes, baseados em fatores de risco individuais (jamais de forma determinista, frise-se), familiares, comunitários e escolares, aonde são abordadas várias formas de se detectar a necessidade de prevenção em um determinado contexto e as possíveis maneiras de fazê-lo.
Não desconhecendo a necessidade de “aclimatá-los”, menciono, novamente, programas norte-americanos e canadenses, testados no contexto de escolas e comunidades durante os anos do primário e ginásio. Nas escolas, estes programas incluem gerenciamento comportamental nas salas de aula de seus destinatários, e na escola de forma geral, as habilidades gerencial e social, resolução de conflitos e previsão de violência curricular, bem como esforços na previsão de assédio violento (bullying) dos mesmos. Há também programas multicompetentes inspirados nas salas de aula, que aperfeiçoam pais e professores em suas vertentes sociais e educacionais, assim proporcionando aos alunos o desenvolvimento de habilidades daquela natureza, além de cognitivas e emocionais.
                       Políticas de prevenção precoce podem surtir efeitos positivos e evitar efeitos colaterais se as compreendermos, justamente, como uma via, ou etapa, para reformulação das práticas de controle do crime até então predominantes, buscando, assim, o balanceamento de controle a que faz menção John Braithwaite[6].    A idéia do balanceamento parte da constatação do criminólogo que tanto o deficit de controle do crime, quanto o excesso de controle (control surplus) são causas de aumento do crime em geral, o deficit contribuindo para o aumento de certos delitos e surplus contribuindo para o avanço de outros, ou seja, a tese de Braithwaite é: o desbalanceamento de controle aumenta a desviação[7]. Nesse ponto, considerando que nossa realidade empírica é de excesso de controle penal, e a esta costumam-se opor propostas que podem resultar na falta deste, acreditamos que políticas extra-penais efetivas podem ser testadas como meio de redistribuir, balancear as demandas de controle.

Qual a crítica que a senhora faz em relação à punição em detrimento da prevenção?
Forçoso convir que a repressão constitui hoje a única política criminal oferecida pelo Estado. Assim, quando discute-se prevenção da criminalidade num contexto em que prevalecem a resposta sancionatória e o mecanismo jurídico-penal como principais instrumentos de intervenção, necessariamente a atenção volta-se para as teorias da pena, as quais, de maneira sinuosa, a concebem como meio para atingir finalidades de prevenção e, principalmente, sustentam o discurso e a prática das agências judiciais encarregadas do controle do crime.
                          Nessa linha, a prevenção criminal deixa de ser um interesse público e passa a ser interesse de governo, justificando o exercício do poder punitivo como necessidade político-institucional o que, portanto, confere ao direito penal caráter marcante de manifestação de autoridade.
                             Nessa relação entre sistema de justiça e público, os tribunais passam a agir como receptores e fomentadores de expectativas que extrapolam em muito a decisão do caso concreto e o ideal de realização de justiça (algo já bastante ambicioso e que basta para assoberbar o sistema penal, como sabido), distorcendo a própria idéia de prevenção criminal ao incluí-la na pauta do exercício do poder punitivo. Esta afinidade entre prevenção do crime e poder punitivo aflora e se multiplica na atualidade ante o fenômeno descrito por Álvaro Pires como juridicização da opinião pública e do público pelo sistema penal[8].
                                                                        O fato é, em breve, que enquanto não assumirmos que pena é mera vingança estatal, castigo (se devido ou não, é outra discussão), não nos debruçaremos sobre outras alternativas efetivas de prevenção da criminalidade, negando-lhes uma chance de serem colocadas em prática, a despeito dos índices de reincidência alcançados através da imposição de penas privativas da liberdade já terem ultrapassado a casa dos 80%.......!

 Sob o prisma da nossa entrevista, como a senhora vê a intervenção federal no rio de janeiro?
                                    Num contexto social exaurido pelo medo da violência é natural que se busquem medidas de exceção, compreensível até.
                                    Malgrado, não é de intervenção federal que o Rio precisa em nosso sentir.
                                    A segurança das milhares de pessoas de bem que estão nos morros, e fora deles, virá de políticas públicas não corrompidas, e sérias, portanto; que realmente valorizem o cidadão, a escola, a comunidade, devolvendo ao povo os benefícios que seus impostos pagos deveriam lhes render.
                                    Não sou abolicionista, e enquanto não se pensa em outra alternativa, há quem realmente precise estar privado do convívio social, sempre dento do paradigma da pena como “ultima ratio”. Mas isso deverá ser feito por um serviço de inteligência protegido por uma polícia fortalecida, livre de maus profissionais, de há muito envolvidos com a criminalidade mais perversa.
Não nos iludamos imaginando que alguns marginalizados teriam ganho tanta força no cenário abordado nessa entrevista se não com o beneplácito do chamado “estado paralelo”.
Estas duas realidades estão intimamente envolvidas, num assustador pacto de poder pessoal, que a intervenção não terá o condão de desconstruir.


[1] Criminologia da Libertação. Trad. Sylvia Moretzsohn. Rio de Janeiro, Revan, 2005, p. 237.

[2] Idem, p. 103.

[3] Idem, p. 122.

[4] Em busca das penas perdidas. Trad. Vânia Romano Pedrosa e Amir Lopes da Conceição, Rio de Janeiro, Revan, 1991.
[5] Op. cit., p. 238-239.
[6] “Charles Tittle´s control balance and criminological theory”. Criminological Theories. Suzete Cote (ed.). Londre, Sage, 2002, p. 159-168.
[7] Idem, p. 161.
[8] “A racionalidade penal moderna, o público e os direitos humanos”. Novos Estudos CEBRAP, nº 68. São Paulo, CEBRAP, 2004.

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