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terça-feira, 13 de março de 2018

A luta das mulheres da Rússia soviética ao Brasil atual. Mudou?

por Ingrid Matuoka — publicado 08/03/2017
Graziela Schneider lança "A revolução das mulheres: emancipação feminina na Rússia soviética", com obras de onze autoras russas escritas há cem anos
Feministas russas
Feminismo, trabalho, luta de classes, família, leis, religião e política eram alguns dos assuntos abordados pelas autoras russas
“Conscientemente ou por falta de familiaridade com o assunto, os opositores e as opositoras do movimento de libertação das mulheres o imaginam como uma luta direcionada contra os homens. Quanto às suas adeptas – que têm coragem de afirmar que a questão da liberdade da mulher, assim como a de outros cidadãos, é sempre atual e que não se pode privilegiar os direitos de uma parte da população em prejuízo da outra –, os opositores declaram‐nas feministas “radicais”, achando que entenderam alguma coisa”.

O trecho acima poderia facilmente ter sido escrito por alguma feminista em 2017, não fosse a assinatura da russa Anna Andréievna Kalmánovitch ao final, com a data de 110 anos atrás. Quem o recuperou foi Graziela Schneider, pesquisadora da USP na área de Literatura e Cultura Russa.
Este e outros 40 artigos compõem a obra A revolução das mulheres: emancipação feminina na Rússia soviética (Boitempo)uma coletânea de escritos de 11 mulheres russas sobre feminismo, trabalho, luta de classes, família, leis e religião à época de uma das maiores agitações sociais e políticas da Rússia, a Revolução de 1917.
Selecionados e organizados por Graziela, os textos são em sua maior parte inéditos, e trazem uma breve biografia das autoras. A pesquisadora estuda a cultura russa há cerca de vinte anos, e dedicou os últimos três às figuras políticas femininas da Rússia e suas reivindicações.
“Infelizmente, as questões que essas mulheres discutiam há cem anos ainda são muito atuais. Quiséramos nós que fossem textos meramente históricos”, diz Graziela.
Protesto
Mulheres protestam em São Petersburgo às vésperas da Revolução de 1917
CartaCapital: Qual a importância de ter a voz dessas mulheres em primeira pessoa?
Graziela Schneider: Na segunda metade do século XIX, homens russos começam a tocar em questões ligadas ao feminino. Por mais bem intencionados que fossem, tratavam os assuntos sempre a partir de um olhar masculino.
As mulheres, por sua vez, sempre escreveram, sempre estiveram lá, mas não eram publicadas ou não eram lidas. Esse é o ponto do livro, trazer problemas que eram ou ainda são fortes, sobre questões que pertencem a nós, mulheres, dessa vez a partir de uma voz e um olhar feminino. Foi inclusive por isso que optamos por uma equipe inteiramente de mulheres para produzir o livro.
CC: Por que as russas não são tão conhecidas e estudadas no Brasil?
GS: Também estou tentando pesquisar isso. Os russos são bastante lidos de maneira geral aqui, pelo menos na tradução direta, desde o final do século XIX. O que eu poderia dizer como tentativa de explicação é que, não apenas o mercado editorial, mas outras pessoas que poderiam decidir o que seria lido são homens. Isso começou a mudar só a partir dos anos 90.
Ou será possível que não exista nenhuma “Dostoiévska”, nenhuma grande autora russa? Não, não é possível. É só porque ainda estamos muito presas a decisões masculinas. 
CC: As discussões levantadas pelas autoras no livro parecem muito atuais, como a questão da prostituição, maternidade e religião. Por que o debate mudou tão pouco mesmo cem anos depois?
GS: Selecionando o material, fiquei pensando nisso. E eu continuo, sem querer demonizar o ser masculino, achando que a ideia é a mesma: não deixam. Não somos permitidas, porque o problema não é por falta de luta, tanto no Brasil quanto em outros lugares. E aqui no país tem principalmente a ver com a falsa laicidade do Estado.
Infelizmente, as questões que essas mulheres discutiam há cem anos ainda são muito atuais. Quiséramos nós que fossem textos meramente históricos e que esses pontos já estivessem resolvidos. Quiséramos nós não falá-lo, mas a luta continua.
Ilustração
Cartaz do dia das mulheres
CC: De que forma o feminismo na Rússia mudou desde a Revolução de 1917?
GS: As mulheres conquistaram muitos direitos até a década de 30. Depois disso, deram a questão da mulher por resolvida. Ela já estava inserida no mercado de trabalho e tinha os mesmos direitos por lei que os homens. Desde então, essa questão foi menos tocada.
Hoje, diferentemente de como é no ocidente, em que a questão feminista é mais intensa, na Rússia ela é vista com outros olhos, em um aspecto quase negativo, muito associado ao socialismo.
Conversei com algumas mulheres russas e elas mostraram desconhecimento total desse material e uma espécie de desinteresse, mas depois de ler ficavam encantadas, viam a importância desses textos. Não estou concluindo que todas as russas têm esse distanciamento, mas o feminismo pode ter ficado sufocado. 
CC: Alguma ideia de por que isso aconteceu?
GS: Estou pesquisando isso, mas ainda não tenho conclusões. Mas é quase como se elas sempre tivessem sido feministas e apenas não quisessem se denominar assim.
CC: Existem algumas versões sobre a origem do 8 de março. Em suas pesquisas, o que encontrou?
GS: A pesquisadora canadense Renée Cote descobriu que o episódio do incêndio na fábrica [de Nova York, em 1911] não tem relação direta com a data 8 de março, embora seja um marco inquestionável.
O 8 de março teria mais a ver com outros dois momentos: o da Revolução de Fevereiro, que na Rússia era dia 23 de fevereiro, mas no calendário ocidental era 8 de março, e depois, em 1921, durante uma reunião na Confederação Internacional das Mulheres Comunistas, quando foi decidido adotar essa data como algo simbólico, consolidando o dia das mulheres.

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