Se eu tivesse que resumir o que escrevi a poucas ideias, elas seriam simples: amar vale a pena, os relacionamentos transformam nossa vida, ser parte de um casal é uma experiência importante
IVAN MARTINS
28/02/2018
Nove anos atrás, quando eu comecei a escrever esta coluna, uma amiga me mandou um e-mail (o WhatsApp ainda não existia) para dizer, ironicamente, que eu estava fazendo literatura de autoajuda. Imediatamente, telefonei para ela e agradeci.
“Você tem razão”, eu disse. “Escrever todas as semanas sobre sentimentos, com a sinceridade possível, é uma forma de autoajuda. Estou ajudando a mim mesmo”. Desde então, muitas coisas mudaram, mas não isso.
Sentar no computador todas as semanas e lutar com as palavras, tentando encontrar a melhor forma de comunicar as minhas inquietações sobre os relacionamentos, continua sendo fonte de imensa satisfação – e uma maneira segura de elaborar e entender os meus próprios sentimentos, à medida mesma em que eles se manifestam.
Fico imensamente comovido, e algo surpreso, em saber que outras pessoas se sentem tocadas pelo que eu descubro e descrevo.
Quando esta coluna começou, em 2009, eu iniciava um relacionamento. Agora, quando ela encerra seu ciclo no site da Época, vivo o começo de outro, que vai durar 100 anos. Tanta coisa aconteceu nesse período, tanta alegria e tanta dor atravessaram minha vida, e tudo – incluindo os grandes e pequenos eventos à minha volta – foi registrado nesta coluna, pela lente da subjetividade.
Se alguém, algum dia, se der ao trabalho de ler esses mais de 430 textos, vai perceber um sujeito e um universo em transformação.
No início, eu escrevia, de forma simples e direta, sobre os percalços e descobertas da minha vida afetiva. Tudo era novo e parecia interessante. Hoje, quando releio essas colunas antigas, elas me parecem as músicas do Roberto Carlos dos anos 1960: deliciosamente ingênuas. Era eu raspando a primeira camada das minhas vivências e sensações.
Com o passar do tempo, sem que eu percebesse, os temas da coluna foram mudando. Ficaram mais abstratos, às vezes sombrios, como se eu tivesse de descer mais fundo dentro de mim para encontrar coisas que merecessem ser ditas. A simplicidade foi embora, e com ela uns tantos leitores.
Mais ou menos nessa mesma época a coluna foi invadida por um tema (ou melhor, por um sentimento) que se tornou muito presente na vida dos homens e mulheres com quem eu convivo: as novas demandas femininas e a forma frequentemente conflituosa com que elas afetam o convívio e os relacionamentos com os homens.
Acho que posso me orgulhar, como autor, de ter trazido precocemente, para este espaço, não só a minha sensibilidade pessoal diante dos dramas íntimos – algo que muitos ainda consideram uma qualidade feminina – mas também a percepção de que as novas demandas feministas por respeito, liberdade e igualdade são justas, e precisam ser atendidas.
Tenho certeza de que o mundo será um lugar melhor quando nele houver mais espaço para as ideias e os sentimentos das mulheres. Eu dizia, faz uns anos, e continuo repetindo hoje, que prefiro errar a favor das mulheres do que repetir o erro de discriminá-las, como se faz no mundo há 10 mil anos, e com particular brutalidade no Brasil.
Se eu tivesse que resumir tudo o que escrevi a umas poucas ideias, elas seriam simples: amar vale a pena, os relacionamentos transformam e enriquecem nossa vida, ser parte de um casal é importante para a compreensão de nós mesmos, a liberdade do outro e a nossa própria são elementos essenciais da felicidade, os conflitos são inevitáveis, a tolerância é necessária, as separações acontecem, provocam dor e nós – sobretudo os homens – temos de aprender a lidar com a dor resignadamente, sem culpar e muito menos agredir quem deixou de nos amar. Sempre haverá um novo amor, se estivermos abertos a ele.
Há dias, entretanto, em que isso tudo me parece otimista demais, quase frívolo.
No fim de semana passado, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse que os professores do seu país deveriam dar aulas armados, para impedir as chacinas que vira e mexe cobrem de sangue as escolas americanas. No Brasil, nacionalizando a insanidade, Jair Bolsonaro, que quer ser presidente da República, disse que as donas de casa deveriam receber armas, pois assim “os malandros” não se atreveriam a bater nelas. Teríamos, lá, professores que matam, e aqui, mulheres, mães e filhas que matam.
Faz sentido escrever sobre afeto, relacionamentos e liberdade num mundo em que multidões aplaudem essas ideias malucas?
Nos últimos anos, o Brasil avançou muito nas questões de comportamento e no combate ao machismo, ao racismo e à homofobia. As mudanças tiveram efeito positivo na cabeça de milhões de pessoas e na intimidade de incontáveis casais. Agora, vivemos um momento de retrocesso. Ganham poder no Brasil – e no mundo - pessoas e grupos que gostariam de fazer o relógio andar para trás e retornar as relações pessoais, as relações sociais e as relações econômicas ao que eram no início do século XX, quando os homens brancos mandavam, as mulheres obedeciam, os gays se escondiam e os negros, os índios e os pobres que abaixassem a cabeça e calassem a boca, senão levariam bala.
Eu não quero voltar a viver num mundo assim. Acho que poucos querem. Continuarei, portanto, escrevendo sobre nossos afetos e temores, e sobre a liberdade essencial de ser, viver e sentir. Falar de amor, numa perspectiva de igualdade entre parceiros, é minha forma de fincar o pé e resistir. Se cada um de nós riscar um fósforo, quem sabe a gente faça voltar a luz.
Nos vemos por aí.
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