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sexta-feira, 2 de março de 2018

Por que mulheres bem-sucedidas fazem bullying com outras mulheres na firma?

O comportamento de algumas mulheres pode ser atribuído ao efeito ovelha negra, em que as pessoas são mais duras com membros do próprio grupo

OLGA KHAZAN
27/02/2018
Ilustração Bullying (Foto: Helena Cortez)
As vacas, na visão de Shannon, são de três tipos. Ela as classificou em seu blog pessoal, em uma postagem intitulada “Cuidado com a sócia do escritório de advocacia”.

A primeira era a “vaca agressiva” –  um certo tipo de mulher do alto escalão do escritório em que ela trabalhava, que nem parava para pensar antes de “atacar verbalmente qualquer um”. Quando o nome de uma dessas sócias aparecia no identificador de chamadas, Shannon me contou, “nós simplesmente entrávamos em pânico”.
A outra era a “vaca passivo-agressiva” de duas caras, cujos “e-mails sutis, semigrossos” davam a entender que “você na verdade não deveria ir embora antes das 18h30”. Essa talvez seja pior do que a vaca agressiva, porque nunca dá para saber em que pé as coisas estão.
Por fim, a “vaca desligada, indiferente”, que está tão ocupada com o trabalho e a família que não tem tempo para nada. Essa sócia não está querendo ser malvada, mas, ei, ela tinha compromissos à meia-noite quando era associada. Então você também vai ter.
“É claro que há exceções”, ela acrescentou. “Mas não são muitas.”
Seria de esperar que alguém como Shannon – ela pediu que eu usasse apenas o seu primeiro nome – prosperasse em um escritório de advocacia de alto nível. Quando se formou, em meados dos anos 2000, pela Faculdade de Direito da Universidade da Pensilvânia, depois de ajudar a editar a revista de Direito Constitucional e de estagiar com um juiz do tribunal distrital, tinha ofertas de trabalho à escolha. Ela sabia que indo para um escritório grande estava se alistando para horas de trabalho exaustivas, mas tinha um empréstimo estudantil na casa dos seis dígitos para quitar e esperava conquistar com sua personalidade extrovertida chefes e potenciais mentores.
As coisas não saíram exatamente assim. O ritmo do escritório era tão frenético quanto ela temia que fosse. Os sócios atribuíam projetos no fim do dia, ela disse, forçando às vezes os associados a virar a noite trabalhando, para depois anunciar de manhã que a tarefa, afinal, não era necessária. Quando Shannon queria ir embora cedo, às 7 da noite, precisava sair às escondidas, passar discretamente pelos elevadores e descer as escadas para escapar da chefia. Ela começou a fumar para lidar com o estresse.
Logo de início, Shannon observou uma dinâmica interessante. Apesar de sua classe na faculdade de Direito ter mais ou menos o mesmo número de homens e mulheres, o escritório tinha poucas sócias mulheres. Isso não era atípico: na época, só 17% de todos os sócios de escritórios de advocacia do país eram mulheres, e, de lá para cá, isso subiu apenas alguns pontos percentuais. No escritório dela, pelo menos, parecia que ninguém gostava muito do punhado de sócias mulheres. “Eram tidas como grossas, mandonas, não queriam ouvir desculpas”, contou Shannon.
Uma vez, ela viu uma sócia berrando com os funcionários de um ponto de táxi porque os carros não estavam chegando rápido o suficiente. Uma outra elogiava Shannon pessoalmente para depois mandar um associado sênior dizer que ela estava trabalhando muito devagar. Um dia, Shannon mandou um e-mail para uma sócia – da categoria passivo-agressiva – dizendo: “Segue anexa uma lista revisada dos problemas e documentos que precisamos do cliente. Avise-me caso eu tenha deixado alguma coisa de fora”.
“Este é outro exemplo de falta de confiança da sua parte”, a sócia respondeu, segundo Shannon. “O modo de se expressar ‘caso eu tenha’ denota mais falta de confiança com relação a sua lista estar completa do que ser solícita com minhas ideias.”
Shannon admite que pode ser um pouco sensível, mas ela não era a única. “Quase todas as meninas choravam alguma hora”, afirmou. Alguns dos sócios podiam ser secos, ela disse, mas outros eram gentis. Quase todas as sócias, por outro lado, eram muito duronas.
No entanto, o comportamento das mulheres em cargos altos fazia sentido para ela. Elas se dedicavam ao trabalho como escravas, trabalhando com frequência até as 9 ou 10 da noite. Tornar-se sócia significava não ter filhos ou contratar babás dia e noite para tomar conta deles. “Há uma hostilidade entre as mulheres que chegaram lá,” disse ela. “É algo como ‘eu abri mão. Você também vai ter de fazer isso’.”
Depois de 16 meses, Shannon decidiu que não aguentava mais. Mudou para um escritório com horários mais suaves e depois se afastou temporariamente para ficar com os filhos pequenos. Ela diz que, agora, se fosse voltar para um escritório grande, ficaria em dúvida quanto a trabalhar para uma mulher. “Mulheres dão a impressão de podar mulheres.”
A afronta contra as sócias me surpreendeu, já que normalmente as pessoas não atacam abertamente grupos historicamente marginalizados. Quando fui atrás de outras mulheres para perguntar se tinham tido experiências parecidas, algumas ficaram horrorizadas com a pergunta. Mas, depois, diziam coisas como “Bem, uma vez…”. E despejavam histórias de sabotagem feminina. Conforme fui avançando em minhas dezenas de entrevistas, comecei a me sentir como um padre a quem as mulheres estavam confessando seus pecados contra o feminismo.
As histórias delas formavam um padrão de malvadeza cruel. Serena Palumbo, outra advogada, contou-me que uma vez foi para casa, na Itália, renovar o visto e quando voltou descobriu que uma colega de trabalho tinha dito ao chefe “que meu desempenho era medíocre e eu não tinha foco”. Katrin Park, diretora de comunicações, contou-me que uma ex-gerente reagiu a uma infração leve gritando: “Como eu posso trabalhar, com você sendo tão incompetente?”. Uma amiga minha, que eu vou chamar de Catherine, tinha uma chefe que assumiu um tom avassaladoramente ríspido depois de apenas alguns meses no emprego em uma organização sem fins lucrativos. “Esse é um perfeito exemplo de como você avança correndo sem pensar, sem nenhuma consideração com nada do que eu estou dizendo”, a mulher escreveu num e-mail antes de explodir com Catherine em maiúsculas. Muitas mulheres me disseram que homens também tinham puxado o tapete delas, mas por algum motivo era diferente – pior – quando acontecia pelas mãos de uma mulher, uma suposta aliada. 
Outras mulheres que entrevistei admitiram ter ficado tentadas a sentar na cadeira Aeron de uma colega. Em um happy hour de networking de mulheres, eu conheci Abigail, uma jovem controladora financeira em uma empresa de consultoria que uma vez se viu ressentida com uma colega de trabalho que tinha se afastado por seis semanas em licença- maternidade. “Eu me considero muito pró-mulheres e feminista”, disse Abigail. No entanto, ela confessou, “se não tivesse me dado conta da minha reação, eu poderia ter ido para um lado do tipo: ‘Talvez nós devêssemos achar um jeito de mandá-la embora’”.
É claro que estes são só alguns episódios. Também ouvi histórias positivas sobre colegas de trabalho, inclusive de mulheres de destaque em áreas como política externa e jornalismo, que descreveram como outras mulheres tinham sido suas mentoras ou agido como grupos de apoio extraoficiais. E mais: pesquisas indicam que mulheres, por certos parâmetros, na verdade são melhores administradoras do que homens.
Ainda assim, seja ou não justo, muitas mulheres parecem compartilhar o temor de Shannon de que membros do seu gênero tendem a podar umas às outras. Grandes pesquisas do Pew e do Gallup, assim como muitos estudos acadêmicos, mostram que quando as mulheres têm uma preferência quanto ao gênero da chefia e de colegas, essa preferência é em maior parte por homens. Em 2009, um estudo publicado no periódico Gender in Managementrevelou, por exemplo, que embora mulheres acreditem que outras mulheres possam ser boas administradoras, “as funcionárias na verdade não queriam trabalhar para elas”. Quanto mais tempo a mulher estivesse na força de trabalho, menor a probabilidade de ela querer uma chefe mulher.
Ilustração Bullying (Foto: Fabiane Langona)
Em 2011, Kim Elsesser, professora da Universidade da Califórnia em Los Angeles (Ucla), analisou as respostas de mais de 60 mil pessoas e descobriu que mulheres – mesmo as que eram elas mesmas gerentes – tendiam a querer um homem mais do que uma mulher como chefe. Os participantes explicaram que chefes mulheres são “emotivas”, “traiçoeiras” ou “malvadas”. Homens também preferiam chefes homens, mas por uma margem menor do que as mulheres participantes.
Em uma pesquisa menor, com secretários e secretárias de 142 escritórios de advocacia, em sua maioria mulheres, s ninguém disse preferir trabalhar para uma sócia e só 3% manifestaram gostar de responder a uma sócia. Quase metade não tinha preferência. “Eu evito trabalhar com mulheres porque elas são muito chatas!”, uma mulher disse. Em outro estudo, mulheres que respondiam a uma chefe mulher tinham mais sintomas de tensão, como problemas para dormir e dores de cabeça, do que as que trabalhavam para um homem.
Algumas pessoas acham esses estudos literalmente inacreditáveis. E realmente é difícil acreditar que mulheres tenham um preconceito tão acirrado contra membros do próprio gênero. Talvez em parte por ser um tópico tão espinhoso, esse fenômeno tende a ser descartado – não há nada aí – ou rejeitado como inevitável – mulheres são inerentemente traiçoeiras. Na verdade, psicólogos tentam explicar isso há décadas – e o resumo de suas descobertas indica que as mulheres não são as vilãs da história.
Eu não estava procurando um comportamento malvado quando entrei em um restaurante chique na Avenida Pensilvânia, em Washington, a capital dos Estados Unidos, uma noite no ano passado, mas ele veio ao meu encontro. Eu estava lá para uma pequena reunião de mulheres executivas. Algumas delas torceram o nariz quando me apresentei como jornalista, então, quando abordei um grupinho, comecei dizendo que não precisavam ser entrevistadas se não quisessem. 
Nisso, uma loira de meia-idade com uma jaqueta de oncinha me olhou e disse: “Quando você vai a seu psiquiatra, você diz ‘Ninguém gosta de mim! Ninguém quer falar comigo?’”.
Eu pisquei, incrédula, e então perguntei se alguma vez ela tinha sofrido resistência por causa do estilo de comunicação.
A mulher, Susan, disse que sua brusquidão era na verdade uma vantagem na firma de serviços financeiros em que ela trabalhava como consultora, um ambiente estilo “Mad Men”, ela descreveu. “Eu tenho um jeito diferente de me comunicar, mais parecido com o de um homem”, ela disse. “Pratiquei muitos esportes, eu espero que a gente dê uns trancos e continue amigos no fim do jogo. Os homens gostam de mim.”
O ambiente masculino, porém, não é lá muito convidativo para as outras mulheres do escritório. A maioria dos consultores financeiros é homem, mas a maioria dos assistentes é mulher – uma situação que Susan definiu como um “viveiro de coisas nocivas”. “Há uma quantidade de espaço finito que essas mulheres conseguem”, ela disse. “Elas estão em sua pequena prisão e estão todas devorando umas às outras.”
Os pesquisadores têm teorias rivais sobre por que mulheres às vezes se veem presas e atacando umas às outras.
Joyce Benenson, psicóloga do Emmanuel College, em Boston, acha que as mulheres estão predestinadas pela evolução a não colaborar com mulheres com as quais não tenham relação. Sua pesquisa sugere que mulheres e meninas estão menos dispostas do que homens e meninos a colaborar com indivíduos do mesmo gênero em posição inferior; elas têm maior probabilidade de acabar com amizades do mesmo gênero; e estão mais dispostas a excluir socialmente umas às outras. Ela aponta um padrão parecido em macacos. Chimpanzés machos tratam uns aos outros mais do que as fêmeas e frequentemente trabalham juntos para caçar ou fiscalizar fronteiras. Chimpanzés fêmeas têm uma probabilidade muito menor de formar coalizões e foram até vistas se intrometendo entre uma fêmea rival e seu par nos espasmos da cópula.
Benenson acredita que mulheres sabotam as outras porque sempre tiveram de competir por pares e recursos para os filhos. Ajudar outra mulher poderia dar a ela uma vantagem no aquecido mercado do namoro neandertal ou poderia dar às crianças dela uma vantagem sobre as suas. Então você a menospreza com frieza. Mulheres “podem se juntar por aí sorrindo e rindo, com conversas educadas, íntimas e até afetuosas, ao mesmo tempo destruindo as carreiras umas das outras”, me disse Benenson. “O contraste é perturbador.”
Se Benenson estiver certa, mulheres teriam de lutar com muita força para consertar sua dinâmica venenosa, já que ela estaria gravada biologicamente. Mas muitos outros pesquisadores acham que mulheres não estão programadas para se comportar assim. Em vez disso, defendem, a malvadeza é subproduto do ambiente de trabalho moderno.
Ilustração Bullying (Foto: Rebeca Catarina)
No fim dos anos 1980, Robin Ely, então aluna de pós-graduação na Escola de Administração de Yale, resolveu tentar compreender por que as interações entre mulheres nos escritórios às vezes acabam se tornando tóxicas. “O meu relacionamento mais difícil no trabalho tinha sido com uma mulher”, Ely me contou, “mas mulheres tinham também me dado um apoio dos mais surpreendentes”. Ela não comprou nenhum dos estereótipos dominantes sobre as mulheres – de que elas são mães-terra afetuosas ou manipuladoras traiçoeiras. Em vez disso, sua hipótese era simplesmente a de que “mulheres, como todos os seres humanos, reagem à situação em que estão”.
Para testar essa ideia, Ely conseguiu acesso a um diretório de escritórios de advocacia e selecionou alguns dominados por homens, em que não mais do que 5% dos sócios fossem mulheres, e alguns outros em que mulheres tinham uma representação um pouco melhor nos altos escalões. Ela então perguntou às advogadas dos dois tipos de escritório como elas se sentiam em relação às colegas mulheres.
Não importa onde estivessem, as advogadas aguentavam um ambiente de trabalho penoso. Mas, nos escritórios predominantemente masculinos, a competição entre as mulheres era “aguda, inquietante e pessoal”, disse Ely. Comparando com os escritórios em que o gênero feminino tinha uma representação melhor, mulheres em ambientes dominados por homens pensavam menos nas outras e ofereciam um apoio fraco, se é que ofereciam algum. Sócias mulheres, nesses escritórios, eram “quase universalmente maltratadas”, disse ela. Uma advogada jovem descreveu sua chefe como “uma vaca manipuladora sem nenhum talento”.
Ilustração Bullying (Foto: Rebeca Prado)
Talvez a conclusão mais duradora seja esta: mulheres em escritórios dominados por homens acreditavam que apenas algumas delas poderiam chegar aos escalões mais altos e que estavam competindo entre si por esses postos. Ely, que agora é professora de negócios em Harvard, tinha tocado em uma dinâmica conhecida como tokenismo: a prática de contratar um número meramente simbólico de membros de minorias. Quando parece haver poucas oportunidades para mulheres, a pesquisa mostra, elas começam a ver seu gênero como um impedimento, evitam juntar forças e, às vezes, se viram umas contra as outras. 
Pense na “garota cool” que, por acaso, observa: “Todos os meus amigos são homens”, como se isso tivesse acontecido naturalmente. Ou na mulher extremamente bem-sucedida que guarda as avaliações mais duras para as colegas mulheres, enquanto os homens do escritório ganham conversas sobre esportes e tapinhas nas costas. Mulheres como Susan, a consultora financeira que eu conheci em Washington, “se dão melhor com homens”, como ela disse, porque compensa se dar bem com quem quer que esteja no topo.
Por volta da mesma época em que Ely deu andamento a seu estudo sobre o tokenismo, a psicóloga holandesa Naomi Ellemers trabalhava como professora-assistente em Amsterdã e tentava entender a ausência quase total de mulheres nos postos mais altos da academia. As mulheres eram apenas 4% de todos os professores titulares na Holanda. Ellemers achava que talvez homens com preconceito estivessem impedindo que mulheres avançassem.
Ellemers elaborou uma lista com todas as professoras universitárias do país e mandou para elas (e também para uma amostra de professores homens) uma pesquisa sobre seu relacionamento com colegas. Suas descobertas sugeriam que as mulheres eram na verdade parte do problema. As professoras se descreviam como tão “agressivas” e “dominantes” quanto os homens, achavam que as colegas não as apoiavam e não queriam trabalhar com outras mulheres.
Onze anos depois, Ellemers fez uma pesquisa com alunos de doutorado e membros do corpo docente de universidades em Amsterdã e na Itália e chegou a resultados semelhantes. Embora mulheres e homens mais no início da carreira fossem igualmente dedicados a seu trabalho, as professoras mulheres achavam que as mulheres mais jovens eram menos dedicadas. Ellemers chamou essas mulheres em posições mais altas – que lidavam com discriminação enfatizando quanto eram diferentes das outras mulheres – de “abelhas-rainhas”, renovando um termo cunhado nos anos 1970 por pesquisadores da Universidade de Michigan.
Depois que esses estudos foram publicados, Ellemers ficou desconsolada ao ler reportagens alardeando-os como prova de que as mulheres eram perversas por natureza. “Alguns jornalistas ficam muito felizes ao produzir manchetes de que mulheres são traiçoeiras umas com as outras”, me disse pesarosa. Ela pensou em abandonar essa linha de pesquisa, mas uma aluna dela, Belle Derks, convenceu-a a continuar sondando.
Com alguns outros colegas, Ellemers e Derks deram andamento a um pequeno estudo, em 2011, para o qual pediram a 63 policiais holandesas – que são superadas de longe, em número, por seus colegas homens – que relembrassem alguma vez em que tivessem sofrido com sexismo no trabalho. A atividade levou muitas das policiais a enfatizar que não eram como as outras mulheres e a minimizar a prevalência do sexismo. Em outras palavras, pensar em como era ruim ser mulher fez com que certas policiais não quisessem ser vistas como mulheres. E não era uma coisa que só mulheres faziam: em outro pequeno estudo, quando Derks e outros pesquisadores pediram que imigrantes do Suriname na Holanda relembrassem um caso de discriminação contra seu grupo, muitos expressaram uma opinião que inferiorizava os outros e se comportaram mais segundo o estereótipo holandês.  
Com isso, Ellemers e Derks acreditaram ter detectado as condições em que abelhas-rainhas surgem: quando mulheres são um grupo marginalizado no ambiente de trabalho, fazem grandes sacrifícios pela carreira ou já estão predispostas a mostrar pouca “identificação com o gênero”– camaradagem com outras mulheres. (Pense na frase da ex-chefe do Yahoo Marissa Mayer sobre um de seus empregos anteriores: “Eu na verdade não sou uma mulher no Google, eu sou uma geek no Google”.) Mulheres assim, disse Ellemers, “aprenderam do modo mais difícil que o caminho para ter sucesso no ambiente de trabalho é garantir que as pessoas percebam que elas não são como as outras mulheres. Não é uma coisa dessas mulheres. É o modo como aprenderam a sobreviver na organização”. 
Ilustração Bullying (Foto: Rebeca Prado)
Vale observar que algumas das descobertas de Ellemers e Derks não são muito robustas. Mas outros pesquisadores, depois disso, publicaram trabalhos que ecoam o delas. Michelle Duguid, professora de administração na Universidade Cornell, explora uma coisa chamada “ameaça do favoritismo”, ou a preocupação das mulheres de que vão parecer tendenciosas se ajudarem umas às outras. Em um artigo, Duguid mostrou que mulheres “token” que tinham ajudado outras mulheres no passado evitavam fazê-lo de novo quando tinham a oportunidade. Em um estudo separado, ela descobriu que mulheres token em ambientes de “alto prestígio” relutavam mais em recrutar candidatas mulheres para se juntar a sua equipe do que as que trabalhavam em ambientes de menor prestígio ou que tinham mais colegas mulheres. 
Até mulheres sensatas, feministas, podem às vezes exibir elementos de comportamento de abelha-rainha, e elas não precisam estar em cargos altos. O maior problema de que ouvi falar é o conhecido como “ameaça competitiva”, quando uma mulher teme que uma mulher recém-chegada a ofusque. Ela pode tentar sabotar a rival preventivamente – como aconteceu com uma entrevistada por mim, cuja amiga do trabalho espalhou rumores de que ela era promíscua e mal preparada. Ela pode também atacar a rival com comentários degradantes, como aconteceu com sete de cada dez participantes de uma pesquisa de 2016 com mulheres que trabalhavam no setor de tecnologia. “Eu tinha duas colegas que deram a entender que eu deveria tentar ser ‘menos bonita’ para ser levada a sério”, escreveu uma participante. “Uma sugeriu cirurgia de redução de mama.”
Há cerca de 15 anos, Margarita Rozenfeld, que agora é coach de liderança em Washington, viu-se trabalhando para uma abelha-rainha. A chefe de Rozenfeld tinha só 30 e poucos anos, mas suas roupas e seu comportamento faziam com que parecesse muito mais velha. Ela tinha expectativas altas com todo mundo da equipe, incluindo Rozenfeld, e resmungava quando os subordinados não exibiam a mesma ambição implacável que ela tinha.
Um dia, a caminho do trabalho, Rozenfeld tropeçou nos degraus do estacionamento e torceu o tornozelo. Ele foi inchando com o passar do dia, e ela ficou com medo que piorasse. Como não estava especialmente atarefada, bateu na porta da chefe e perguntou se podia sair mais cedo para ir ao médico. A chefe pediu que Rozenfeld entrasse e fechasse a porta.
“Sabe, eu tinha altas expectativas quanto a você”, Rozenfeld recorda que ela disse. A chefe perguntou “por que você acha que pode ir embora” quando “acontece esse tipo de coisa?”.
“Mas eu estou sentindo que não vou conseguir andar”, disse Rozenfeld.
“Eu vou te dizer uma coisa sobre a minha carreira e como eu estou onde estou”, a chefe continuou. “Você sabe quantas vezes eu trabalhei com homens que basicamente me assediaram sexualmente? Você sabe que aquele homem ali perdeu a formatura do ensino médio do filho porque estava trabalhando em uma proposta? E você torce o tornozelo e acha que tudo bem ir embora?”
Quando as lágrimas brotaram nos seus olhos, Rozenfeld se deu conta de que nunca seria o tipo de funcionária que a chefe queria. Seis meses depois, ela foi embora.
Para complicar mais ainda isso tudo, bem, a malvadeza está nos olhos de quem a vê, e o termo abelha-rainha às vezes é aplicado a mulheres que estão apenas tentando fazer seu trabalho. Pode-se chamar isso de administrando e sendo mulher: muitos estudos mostram que as pessoas – homens e mulheres igualmente – não toleram nem uma ponta de dureza vinda de uma mulher, mesmo ela estando no comando.
O sinal mais evidente de dois pesos e duas medidas é que mulheres não podem alcançar cargos importantes se não se defenderem e impuserem respeito. Mas elas também são maltratadas se não agirem como membros da equipe, animadas e autodepreciativas, sempre dando o crédito para os outros. Laurie Rudman, psicóloga social da Universidade Rutgers, disse que a “garota-propaganda” dessa situação é Hillary Clinton, que, segundo as pesquisas, tinha uma popularidade maior quando estava no cargo do que quando estava disputando o cargo. Escrevendo para o Boston Globe no verão passado, a ex-governadora de Vermont Madeleine May Kunin observou como os limites para o comportamento de Donald Trump eram muito mais baixos do que para Clinton: “Meninos são meninos, mas mulheres precisam ser deusas”.
Rudman testemunhou essa tendência pela primeira vez quando era aluna da pós-graduação na Universidade de Minnesota, onde participou de um comitê para preencher uma vaga de professor em aberto. As candidatas promoviam seu histórico dizendo coisas como “Tenho a sorte de ter tido tal e tal como mentor”, contou Rudman. Um candidato, por sua vez, foi entrando, cruzou os braços e declarou: “Vou mudar a cara da psicologia em cinco anos”. O comitê escolheu o homem.
“É muito difícil para mulheres postular poder”, disse Rudman. “Se você estica o pescoço e diz ‘eu quero ser levada em consideração para essa promoção’, alguém vai acelerar a motosserra por trás.”

Depois que Rudman terminou o doutorado, ela começou a pesquisar por que mulheres não podem sair impunes quando se comportam como os homens. O trabalho dela explica por que chefes homens podem ser francos, enquanto mulheres ficam presas, tentando disfarçar, para abrandar uma crítica. Em um de seus experimentos, mulheres que davam um retorno honesto agradavam menos e eram consideradas menos empregáveis do que homens igualmente sinceros. Outros acadêmicos argumentam que os funcionários simplesmente não respeitam chefes mulheres tanto quanto respeitam chefes homens – o que leva chefes a tratar pior seus funcionários, o que faz os funcionários pensarem mal de chefes, e assim por diante. 
Rudman descobriu que o fato de mulheres desprezarem outras mulheres pode ser explicado por algo chamado de “justificativa do sistema”, conceito psicológico em que grupos oprimidos há muito tempo, lutando para compreender um mundo injusto, internalizam estereótipos negativos. Mulheres simplesmente não têm o mesmo status que homens na vida social. Então, quando as pessoas pensam “Com quem eu quero trabalhar?”, elas inconscientemente saltam para o padrão historicamente respeitado: o homem. Algumas mulheres olham ao redor, veem algumas mulheres comandando coisas e supõem que deve haver alguma coisa de errado com o gênero em si. 
O comportamento de algumas mulheres pode ser atribuído ao efeito ovelha negra, em que as pessoas são mais duras com membros do próprio grupo
Quando as mulheres saem mesmo da linha e são mais agressivas, às vezes são outras mulheres quem as atacam por isso. Em uma série de estudos, Rudman pediu aos participantes que escolhessem companheiros de equipe para uma rodada de Jeopardy – programa americano de TV de perguntas e respostas – computadorizado. Podiam escolher entre homens e mulheres inseguros e confiantes. Foi oferecido um prêmio em dinheiro, assim convinha que os participantes escolhessem alguém competente. Mas, embora os competidores confiantes de ambos os sexos fossem vistos como mais capazes do que os inseguros, as mulheres participantes, ainda assim, ficavam divididas entre a mulher insegura e a confiante.
Rudman diz que, em geral, as pesquisas mostram que homens têm mais preconceito contra mulheres no trabalho do que as próprias mulheres. Mas, neste caso pelo menos, os participantes homens não hesitaram em escolher a mulher confiante em vez da insegura e não mostraram preferência entre a mulher confiante e o homem confiante. Por outro lado, nenhuma participante mulher preferiu a mulher confiante ao homem confiante. “Eu não podia acreditar!”, exclamou Rudman, deixando escapar um longo “Uaaaaaau”.   
Ela viu isso como um sinal do que os psicólogos chamam de efeito ovelha negra, em que as pessoas são mais duras com membros do seu próprio grupo que quebram as regras do que com os que se desviam em outras tribos. Quando Rudman me disse isso, eu fiz uma ciranda mental das várias vezes em minha vida em que um homem tinha pisado totalmente na bola em um projeto de equipe e eu o havia desculpado por ser um professor meio maluco ou um tratante audaz que não podia ser incomodado com detalhes tediosos. Ele era o Peter Pan travesso da minha eficiente Wendy: “Vou dar um jeito nisso, seu malandro!”. Se uma mulher se comportasse assim, porém, o mais provável seria esboçar uma dúzia de e-mails, que nunca seriam enviados, perguntando qual era o problema dela. 

Alguns escritores e pesquisadores defendem que as verdadeiras abelhas-rainhas são extremamente raras e que o conceito foi cooptado por misóginos para mostrar quanto supostamente as mulheres são horríveis. Até mesmo Carol Tavris, uma das psicólogas sociais responsáveis por cunhar o termo abelha-rainha, é citada rejeitando o conceito. “Eu o odeio”, disse ela em 2013.
Em 1974, Tavris publicou um artigo no Psychology Today em que ela e dois colegas, Graham Staines e Toby Epstein Jayaratne, escreveram: “Há um grupo de mulheres antifeministas que exemplifica o que nós chamamos de síndrome da abelha-rainha… A verdadeira abelha-
rainha chegou lá ao ‘mundo dos homens’ do trabalho, ao mesmo tempo administrando uma casa e uma família com a mão esquerda. ‘Se eu consigo sem todo um movimento para me ajudar’, segue sua atitude, ‘todas essas outras mulheres também podem’.”
Quando liguei para a casa dela em Los Angeles, Tavris disse que sua teoria tinha sido mal interpretada, transformada em bordão para atacar mulheres. Se as mulheres, afinal, são seus próprios piores inimigos, por que as pessoas deveriam fazer pressão para o avanço delas no ambiente de trabalho? Ela se arrepende de ter dado “um nome que pegou” para um padrão de comportamento complexo e ter ajudado a lançar o “abelha-rainhismo” como “uma coisa” que persistiu apesar de todos os ganhos conseguidos pelas mulheres que trabalham desde os anos 1970. Depois de publicar esse estudo, ela passou a examinar outros tópicos da psicologia.
Eu posso entender que Tavris queira se afastar dessa pesquisa – quem quer alimentar ainda mais os trolls sexistas da internet? E dada a complexidade do fenômeno da abelha-rainha, é impossível determinar sua prevalência. No entanto, abelhas-rainhas são claramente reais, e ignorar o problema não vai fazer com que desapareça. Talvez, entendendo suas causas, nós possamos finalmente começar a enfrentá-lo.
O ponto-chave a ser lembrado, segundo Naomi Ellemers e outros pesquisadores, é que o comportamento de abelha-rainha surge em determinadas circunstâncias – como quando uma mulher acredita que o caminho para o sucesso é estreito, e se ela mesma mal consegue se espremer para percorrê-lo nem pensar em tentar levar outras com ela.
Da primeira vez em que eu mandei um e-mail para Tavris pedindo uma entrevista, ela respondeu: “Seu pedido me deixa triste”. Mas quando descrevi as experiências das mulheres que tinha entrevistado, ela reconheceu que, em alguns contextos, mulheres realmente às vezes fazem bullying umas com as outras – exatamente como membros de outros grupos que sofrem discriminação fariam.

No fim da nossa conversa, Tavris elogiou a pesquisa de Ellemers. Como nós nos comportamos no trabalho depende de “quanto nos sentimos seguras no trabalho”, disse ela. “Nosso trabalho nos dá chance de prosperar? Ou estamos nos sentindo frustradas a cada passo?”
Curiosa para saber o que gurus de carreira têm a dizer sobre como lidar com abelhas-rainhas, fui fazer um passeio por alguns dos livros de conselhos sobre avanço profissional mais vendidos, voltados para mulheres. O que encontrei foi esclarecedor, mas não como eu esperava. 
Por exemplo, a versão “revista e atualizada”, de 2014, do livro Mulheres ousadas chegam mais longe, publicado originalmente em 2004, observa que mulheres “muitas vezes acabam fazendo montanhas a partir de um montinho de terra, para desespero dos colegas homens”. As autoras do livro de 2006 Mulheres no comando: como liderar sem descer do salto contam uma longa história sobre o sofrimento de uma mulher com uma chefe malvada e depois simplesmente escrevem que se você (a chefe) sente que é malvada, você deveria participar de um curso de controle da raiva. Problema resolvido.
Em Nos negóciosjogue como homem, vença como mulher, Gail Evans, ex-vice-presidente da CNN, recomenda evitar tensões no ambiente de trabalho não fazendo nenhum contato com colegas fora do escritório. Se alguma emoção, de algum modo, emergir durante as horas de trabalho, a verdadeira garota executiva engole. “Se você não conseguir evitar ficar brava com uma mulher que trabalha com você”, escreve Evans, “pelo bem do resto de nós guarde para você mesma.”
Mesmo quando o local de trabalho se torna difícil, advogados trabalhistas me disseram, as mulheres são menos propensas a processar por discriminação de gênero se seu algoz for outra mulher, já que as pessoas tendem a supor que mulheres cuidam umas das outras. Um advogado me disse que é por isso que empresas muitas vezes indicam membros de “classes protegidas”, como minorias e mulheres, para atuar em recursos humanos. Ter alguém de um desses grupos lidando com uma demissão torna mais difícil processar por demissão ilegal.
Apesar de tudo, a resposta não pode ser simplesmente se render às abelhas-rainha, como algumas mulheres entrevistadas sugeriram. Mesmo que depois você vá embora, só empurrará sua chefe horrível para a próxima subordinada. Em outro happy hour de networking de mulheres, conheci uma mulher chamada Marie, que, ao perguntar se ela já havia entrado em conflito com uma chefe mulher, começou a rir como quem sabia exatamente do que eu estava falando. Em um emprego anterior como analista no setor de defesa, Marie tinha dois chefes, um homem e uma mulher. Ela foi incumbida de cobrir o Haiti quando o país foi atingido pelo terremoto de 2010, forçando-a a trabalhar por longas horas difíceis. O gerente homem a elogiava, mas a mulher fez dela um alvo. Quando Marie esqueceu de colocar aspas em um relatório, a mulher a denunciou por plágio e acabou colocando-a para fora. A conclusão de Marie: “Você não deve ofuscar a chefe”.
Enfermeiras podem ter uma solução melhor. O bullying feminino abunda na profissão, mas um grupo de enfermeiras apareceu com uma ideia em que hospitais teriam incentivos financeiros para eliminar brigas internas. Segundo esse plano, os níveis de bullying seriam medidos, tornados públicos e contabilizados nos pagamentos que hospitais recebem do governo federal para prover atendimento de qualidade.
Maior apoio para mães que trabalham também ajudaria. Pela minha apuração, parece que, apesar de essas iniciativas serem importantes, ter uma chefia que as apoie é tão importante quanto. Uma mulher com quem falei, por exemplo, podia tecnicamente trabalhar em casa quando os filhos estavam doentes, mas sua gerente, uma mulher mais velha, sempre fazia com que ela se sentisse mal com isso, contrariando assim o objetivo da iniciativa. 
Empregadores poderiam também se esforçar mais para mostrar a mulheres talentosas que elas são valorizadas, já que mulheres que se sentem otimistas quanto a sua carreira têm menos predisposição a destruir a de outras. “Precisamos mudar a nossa sociedade de modo que se torne a norma para as mulheres verem outras mulheres sendo bem-sucedidas em todo tipo de atividade”, disse Laurie Rudman. De fato, setores que são novos, e portanto não têm papéis sociais arraigados, tendem a ser o local onde esse tipo de mudança acontece.
No fim da nossa conversa, Rudman enfatizou como era importante para mulheres bem-sucedidas olhar para seu sucesso como um feito delas em vez de ficar dando o crédito a mentores e à sorte, mesmo que isso tenha um preço. Estereótipos sobre como líderes mulheres devem se comportar, disse Rudman, só vão mudar quando um número suficiente de nós os tiver derrotado. Eu me senti como se estivesse conversando com a tia feminista moderna que eu nunca tive.
“Você alguma vez sentiu resistência a seu sucesso?”, ela me perguntou.
“Ocasionalmente”, eu disse, pensando no punhado de vezes em que as pessoas tinham imaginado, com uma ponta de crítica, como eu tinha conseguido uma ou outra vitória na carreira.

“E o que você fez?”, ela perguntou.

“Disse que tinha sido sorte”, respondi, “ou inventei alguma justificativa”.

“Aaaaah!”, ela gritou. “Está vendo? Está vendo? Então, você acha que mulheres precisam repensar essa estratégia? Mulheres não deveriam talvez começar a ser mais firmes em sua confiança?”

Eu admiti que era uma boa ideia, mas “alguma coisa me impede de agir de forma mais confiante, mesmo isso sendo bom para as mulheres em geral”.

“Seria bom para as mulheres como um todo”, disse Rudman. “Mas mulheres individuais terão de ser abatidas antes. Você não quer ser uma delas. E eu não a culpo.”

Alguém precisa ser a primeira, porém se comportar com segurança, arriscar o azedume de nossas colegas como resultado e não se ressentir com elas. Mas seria muito melhor se pudéssemos fazer isso como uma colmeia. 

Reportagem originalmente publicada na revista americana The Atlantic.
Ilustração Bullying (Foto: Lu Cafaggi)

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