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sábado, 3 de março de 2018

Guia ajuda a eliminar a linguagem sexista da propaganda



publicidade não sexista
Em 2017, a estrategista de planejamento Gabriela Rodrigues criou na Ogilvy um processo seletivo inclusivo. Nele eram divulgadas e consideradas as vagas sem olhar o nome de quem se inscreveu e sua faculdade. Além disso, entre os pré-requisitos que deveriam ser preenchidos e enviados estava a não indicação de palavras no masculino, como “candidato” ou "inscrito", por exemplo. A empreitada, iniciativa da Gabriela em pessoa, fez com que ela notasse automaticamente um, ou melhor, dois fatos: o uso da linguagem sexista no recorte publicitário e o impacto que isso pode ter no resultado do nosso dia a dia. “A observação me deu os exemplos e o incômodo me deu a vontade de criar um material para conversarmos sobre o assunto”, relatou a publicitária.
Com os insights na mão e uma ideia na cabeça, a profissional criou a “Linguagem Não Sexista Na Publicidade”, um material didático que segundo ela “não tem ambição de ser definitivo, fechado ou conclusivo sobre o tema, mas sim tem o objetivo de ser mais uma provocação, um passo na discussão e um material a ser ampliado a várias mãos”. Você pode conferí-lo aqui.
Conversamos com Gabriela sobre os motivos que a levaram a concluir o projeto, sobre o ambiente da publicidade, dificuldades factuais e sociais e projeções futuras para o segmento diante de assuntos delicados. O resultado você confere aqui abaixo.
Porque ainda é preciso este tipo de iniciativa?
Hoje, tanto no mercado publicitário quanto em diversas outras indústrias, muito tem se falado sobre temas como o machismo, por exemplo. O macro do assunto e os exemplos mais fortes de machismo eu sei que muita gente já sabe - e prefiro acreditar que estão evitando ainda mais cometer. Mas e os erros do dia a dia? Aqueles menores, mas muito frequentes, que invisibilizam e diminuem mulheres todos os dias e que ninguém nota e fala sobre? O material existe para isso, para mostrar que o erro também ocorre no dia a dia, em escalas menores que, muitas vezes, são justificadas como brincadeira, costume ou até mesmo culpa da língua portuguesa.


No material que você preparou há alguns passos a serem seguidos. De onde surgiu o insight para cada um deles?

Do dia a dia. Todos os exemplos ali são reais e foram coletados ao longo da minha carreira. A ideia é que agora conversemos sobre, troquemos experiências e, caso muitos outros exemplos surjam, a gente pense em um volume 2 do guia - feito por várias mãos.

O projeto desmistifica alguns credos como que a "lingua portuguesa é sexista por si só" e alguns outros mitos. Por que é importante para você pessoalmente e profissionalmente abordar este tema?

Eu não sou formada em Letras, mas sou em neurociência. E algo que aprendi é que a forma como agimos, vivemos e pensamos vai nos moldando continuadamente ao longo de toda a nossa vida e que, mudando a língua, podemos mudar inclusive a forma como pensamos sobre as coisas a longo prazo.
Hoje, muito do comportamento sexista é justificado como sendo culpa da língua, então é importante que as pessoas saibam que essa justificativa não é válida, porque nossa língua é cheia de possibilidades não sexistas também. O valor de compartilhar um pouco do que li e percebi é de mostrar essa verdade e tentar mudar um pouco tanto essa prática quanto, quem sabe, mudar a forma como pensamos a longo prazo. 


Qual foi a resposta do público?

Brinquei com minha namorada que se uma pessoa falasse sobre o guia e mudasse o comportamento já teria valido o esforço para colocar ele de pé. Mas o que estou vendo é que muitas pessoas estão interessadas no assunto e realmente dispostas a mudar, tanto homens quanto mulheres, que estão vindo falar comigo sobre como podem evitar erros e sobre outros exemplos que perceberam no dia a dia.


Enxerga dificuldades para implementar uma mudança? Quais?

Sim, nós passamos a vida toda falando assim, a dificuldade é que não é simplesmente mudar uma chavinha e começar a falar sem erros sexistas de linguagem. Para evitar a linguagem sexista de verdade, sem erros, é preciso insistência, prática e muita repetição até que vire um hábito.
O primeiro passo, que é o reconhecimento do erro, foi dado. Agora precisamos praticar e cobrar outras pessoas, assim conseguiremos, aos poucos, ir normalizando o comportamento.


Como as empresas/agências podem contribuir para somar neste movimento?

O primeiro passo é reconhecer que usamos a língua de forma sexista. Depois disso, as empresas e agências podem contribuir falando realmente sobre o assunto, exercitando no dia a dia, evitando e corrigindo erros. Esse material não funciona se não for exercitado.


Faz alguma projeção para o futuro da publicidade?

Aos poucos, estamos trazendo mais diversidade para as agências. Acredito que o próximo passo será ditado por essa diversidade que está chegando, da qual faço parte. Nós queremos falar sobre os problemas que vemos, sobre o que discordamos, encontrar saídas, apontar sim os erros. Pode parecer ruim para muita gente, que muitas vezes vão dizer que problematizamos demais, mas acredito que essas conversas com mais pontos de vista só aumentarão a relevância das nossas campanhas, do nosso trabalho e da nossa indústria nos próximos anos.
Para finalizar, Gabriela salienta o quanto esse material não é só direcionado para mulheres. “Na verdade, para funcionar é preciso também de muita ajuda dos homens, inclusive exercitanto a linguagem não sexista entre homens, em momentos em que as mulheres não estão presentes”, comenta Rodrigues.
Gabriela Rodrigues é estrategista de planejamento da Ogilvy. 

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