A mulher do século XXI entrou em guerra para defender sua identidade e seus direitos
JUAN ARIAS
2 MAR 2018
El País
A mulher do século XXI entrou em guerra para defender sua identidade e seus direitos. É o que mostra a greve convocada em 177 países para 8 de março, Dia Internacional da Mulher, contra os 60.000 feminicídios anuais, sem contar os espancamentos, os estupros, as discriminações e os abusos do poder masculino contra elas. O lema da primeira greve feminista mundial é emblemático: “Se elas pararem, o mundo para”. Como diz o escritor galego Manuel Rivas: “Não é que ainda estejamos em um Estado machista. O machismo é o sistema”. E, no entanto, as mulheres, que são maioria no planeta, estão se transformando em uma das maiores força de resistência contra a injustiça e os crimes contra a humanidade, e cada vez se unem mais em sua luta de uma ponta a outra do planeta. Se estudássemos melhor a História, poderíamos entender, por exemplo, por que em pleno século XXI, com os grandes avanços do conhecimento do ser humano, a mulher continua sem conseguir a igualdade total de direitos em relação ao homem. É verdade que a difícil caminhada da mulher na defesa de seus direitos deu passos gigantescos da antiguidade até hoje, o que desmente o verso de Jorge Manrique, poeta espanhol do século XV: “Qualquer tempo passado foi melhor”. Não, para a mulher, apesar do caminho que ainda lhe falta para se libertar do peso do machismo, o passado foi sempre pior. Hoje ela vive, com todas suas sombras, um novo renascimento.
Basta dar uma olhada nos grandes filósofos gregos e nos doutores da Igreja no passado para entender o longo caminho já percorrido pela mulher. Figuras como Platão e Aristóteles argumentavam, por exemplo, que a mulher não era mais que “um erro da natureza”, um “homem sem esperma”. Nascia-se mulher e não homem por causa de um sêmen debilitado. Segundo esses filósofos, só o homem era “um ser humano completo”. As consequências eram evidentes. Se a mulher era só um descuido da natureza, devia estar à disposição total do homem, seu dono absoluto, com direito até de vida ou morte sobre ela. As mulheres eram colocadas, efetivamente, na lista dos escravos e dos aleijados, sem direitos próprios. Os Pais da Igreja, influenciados pela filosofia greco-romana, não só endossaram a ideia da mulher como um “erro da natureza”, como foram mais longe. Figuras como São Tomás de Aquino, Santo Agostinho e Tertuliano argumentaram que se a mulher nada mais era do que um ser incompleto, uma espécie de aborto da natureza, ela não podia ser vista como “imagem de Deus”. Teria alma? Mais ainda, a mulher passou a ser o grande perigo para a virtude dos homens, a grande tentadora. São Tomás chegou a escrever na Suma Teológica: “No que diz respeito à natureza, a mulher é defeituosa e malnascida”. Também é categórico o texto de Tertuliano, um dos primeiros teólogos do cristianismo que cunhou o termo “Trindade”. Referindo-se à mulher, escreveu em De Cultu Feminarum, 1,1: “Você é a porta do demônio. É quem quebrou o selo daquela árvore proibida. É a primeira desertora da lei divina. Destruiu a imagem de Deus, o homem. Por causa de sua deserção, até o Filho de Deus teve de morrer”.
Havia mais, considerava-se que a mulher, além de tentadora do homem, tinha nascido não só como um erro da natureza, mas também com um “pensamento defeituoso”, incapaz de raciocinar, e por isso duplamente perigosa. Ainda hoje há na Igreja vestígios daquela discriminação passada da mulher, já que é a única instituição que limita seu poder. Hoje a mulher pode ocupar qualquer cargo na sociedade civil, mas ainda não pode ser sacerdotisa na Igreja Católica. Muito menos bispo ou papa. E essa visão da mulher como inferior ao homem a quem devia servir não é algo de um passado longínquo. Eu era já adulto quando, por exemplo, na Espanha, a mulher não podia ter carteira de motorista, passaporte ou conta bancária sem a permissão de seu marido. E ainda hoje, na culta e humanista Europa, todo dia mulheres perdem a vida nas mãos dos homens. Tempos passados foram sem dúvida piores para a mulher, mas ainda assim é preciso continuar lutando para que chegue uma época em que se possa falar de sua inferioridade como uma mancha escura e bárbara que um dia envergonhou a humanidade.
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