Uma revisão de estudos sobre a delinquência juvenil aponta a importância de não impor penas excessivas para um comportamento antissocial que é temporário, especialmente entre os meninos
DANIEL MEDIAVILLA
DANIEL MEDIAVILLA
Entre os 9 e os 12 anos, começa uma revolução no corpo humano. O cérebro se transforma, enchendo-se de novas conexões que transformam as crianças em seres capazes de pensamento abstrato e com uma capacidade de raciocínio e argumentação entre fascinante e temível. Com essas novas habilidades, elas começam a explorar sua individualidade, a reconhecer seus sentimentos e a regular suas emoções.
A adolescência é a etapa da vida com maior potencial, mas também apresenta muitos riscos, especialmente para os meninos. Se durante a infância as causas de morte mais frequentes são comuns para meninos e meninas, com as infecções respiratórias e as diarreias à frente, a situação muda a partir dos 10 anos. Depois dessa idade, para as garotas os perigos continuam sendo os mesmos, mas as principais ameaças para os meninos são os acidentes de trânsito e o afogamento. Mais adiante, a partir dos 15, as complicações da gravidez e o suicídio se tornam a principal causa de morte feminina, e os acidentes de carro e a violência interpessoal lideram o ranking da mortalidade masculina. De qualquer forma, a mortalidade de meninos é sempre muito maior.
Essa inclinação para a vida perigosa tem consequências, às vezes para toda a vida. Os homens são os responsáveis pela maioria dos crimes cometidos. Uma fração deles, entre 30% e 40% dos condenados por delitos não relacionados a drogas, concentram grande parte das infrações. Delinquir é raro na idade adulta, mas normal durante a adolescência. Conforme recorda a pesquisadora Terrie Moffitt, da Universidade Duke, em um artigo que acaba de publicar na revista Nature Human Behaviour, mais de 90% dos adolescentes homens comete atos ilegais. Esse comportamento antissocial, entretanto, quase sempre se corrige com o tempo.
A idade do crime começa entre os 8 e os 14 anos, alcança seu auge entre os 15 e os 19 e termina progressivamente entre os 20 e os 29. Nessa etapa, conta Moffitt, misturam-se dois tipos de jovens delinquentes. Uma maioria que só o será durante a adolescência, e uma minoria que continuará na vida bandida por muitos anos. Um dos estudos mais recentes sobre este último grupo, que estudou a trajetória criminal de indivíduos com um grande número de condenações até os 51 anos, mostrava que, além de começar a delinquir mais cedo, eles compartilhavam uma infância marcada por abusos e pela falta de atenção dos pais e cuidadores. Além disso, estes delinquentes crônicos costumam cometer uma maior variedade de delitos e de maior gravidade.
A idade do crime começaria entre os 8 e os 14 anos, alcançaria seu auge entre os 15 e os 19, e termina progressivamente entre os 20 e os 29
O artigo, que revisa o conhecimento acumulado sobre a matéria desde 1993, busca identificar também quem são esses poucos adolescentes que não violam a lei. Tratando-se de uma atividade tão normal nos grupos de meninos desta idade, Moffitt sugere que os que passam a adolescência sem delinquir são alguns dos menos aceitos em seu entorno. Em estudos como o Dunedin, esses adolescentes descreviam a si mesmos como excessivamente controlados e carentes de confiança social, e tiveram suas primeiras experiências sexuais mais tarde que a média. Moffitt propõe que muitos desses adolescentes podem ser parcialmente excluídos durante essa idade, mas acabam tendo mais sucesso na vida. Neste sentido, a pesquisadora considera que, embora fosse desejável eliminar a delinquência também nessa etapa da vida, duvida que seja possível. “Os adolescentes são muito mais motivados e inteligentes que nós, os adultos”, afirma.
Esse tipo de conhecimento poderia ter aplicação prática, por exemplo, na hora de identificar os diferentes tipos de delinquentes juvenis. Seria preciso “distinguir os poucos que provêm de entornos desfavoráveis e têm mau prognóstico dos muitos que vêm de entornos normais e têm bom prognóstico”, afirma o artigo. Depois, os autores propõem aplicar o sistema de Justiça formal a uns poucos adolescentes de maior risco, e outro tipo de enfoque não punitivo para a maioria, evitando medidas que poderiam transformar em delinquentes crônicos os jovens que abandonariam o comportamento antissocial de forma natural. Para os primeiros, seria necessário identificá-los a partir de uma idade muito precoce para aplicar intervenções desde antes de ir à escola.
“Se compararmos homens com mulheres, há uma grande diferença na prevalência delitiva”
“Na maioria dos casos, os jovens vão deixar de delinquir de uma forma natural pelo amadurecimento cerebral que acontece entre os 18 e os 22 anos, ajudados pela inserção na vida adulta, pela universidade, por um trabalho ou por um relacionamento afetivo, muitos interesses que atraem o jovem e são incompatíveis com uma vida de infração”, diz Santiago Redondo, professor de criminologia e psicologia da Universidade de Barcelona. “Em alguns casos, quando se aplicam medidas muito duras, esse afastamento [do crime] se paralisa, e esses jovens podem ver sua delinquência prolongada”, acrescenta.
Em sua revisão, Moffitt não se ocupa do comportamento antissocial das adolescentes, muito mais incomum. “A situação no caso das garotas é diferente. Segundo a pesquisa, pouquíssimas meninas chegam a virar delinquentes em longo prazo, menos de 1%. Além disso, o comportamento antissocial das garotas é mais influenciado pela idade com que alcançam a puberdade e pelos namorados”, continua. “Se compararmos homens com mulheres, há uma grande diferença na prevalência delitiva”, concorda Redondo. “Na delinquência adulta na Espanha, mas também internacionalmente, a prevalência é que há 10 homens que cometem um crime para cada mulher adulta que o faz”, prossegue. “No caso dos jovens, por cada garota que participa de infrações não tão graves, cinco meninos o fazem. No caso das garotas é mais difícil de saber o que acontece, porque, como há menor prevalência, há menos dados”, conclui.
Segundo Redondo, “as razões na diferença da participação delitiva são muito variadas, desde elementos socioculturais que podem favorecer uma maior agressividade nos homens, além de elementos psicobiológicos, como a forma de reagir às ameaças ambientais. A probabilidade de reação agressiva de um homem é muito superior, e isso tem a ver com a estrutura neuropsicológica, em parte por ter estado mais exposto à testosterona durante as últimas semanas de gestação”. Além disso, há fatores de oportunidade, que são maiores para os homens do que para as mulheres. Na adolescência, os rapazes se inclinam a explorar mais o ambiente do bairro, os grupos de meninos fazem maiores deslocamentos, expondo-se a circunstâncias que se podem se complicar”, afirma. “Muitas vezes se delinque por estar exposto a uma oportunidade”, salienta.
O trabalho de pesquisadores como Moffitt e Redondo busca compreender as origens do comportamento antissocial e, embora reconheçam que isso nem sempre é possível, aspiram a influir na criação de uma justiça melhor para a sociedade e para indivíduos que podem ver sua existência truncada por decisões errôneas difíceis de separar de uma etapa de sua vida.
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