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terça-feira, 17 de abril de 2018

Polícia recomenda recato na roupa, elas respondem #TellMenToRespect

Paula Cosme Pinto
17.04.2018 
Vistam-se com decência para evitarem situações de assédio e abuso sexual durante o Songkran. A recomendação foi dada pelas autoridades da Tailândia, semanas antes da celebração do chamado ano novo tailandês. Em pleno rescaldo do movimento #MeToo, foi a vez das mulheres tailandesas abandonarem a habitual submissão e deixarem um recado público ao seus líderes: não me digam como é que eu tenho e me vestir, ensinem mas é os homens a tratarem as mulheres com respeito. Sinais dos tempos?

Quem já passou pelo Songkran sabe como são aquelas dias. Há festa louca nas ruas, bisnagas que disparam por todo o lado na famosa guerra da água, gente com roupa molhada colada ao corpo, muita diversão em família, mas também muitos consumos abusivos e situações fora de controlo. Como em tantos outros eventos de rua mundo fora, o ambiente de folia tem servido de desculpa para uma série de atos abusivos, entre eles o assédio sexual. Num recente estudo tornado público pela Women and Men Progressive Movement Foundation – com sede em Banguecoque – os números não deixavam margem para dúvida quanto ao que se passa durante aqueles dias: em quase duas mil mulheres inquiridas, entre os 10 e os 40 anos, praticamente 60% revelavam ter sido alvo de situações de assédio e/ou abuso sexual durante o Songkran. Muito poucas apresentaram queixa à polícia.
Não é de estranhar que não o façam quando num comunicado oficial das autoridades tailandesas divulgado semanas antes do evento se podia ler que uma das grandes recomendações para 2018 era que as mulheres se vestissem de forma mais discreta e menos sexy de forma a evitarem problemas de cariz sexual. Basicamente, a eterna culpabilização das potenciais vítimas, como se a roupa que usam fosse responsável pelo ato abusivo de outrem. A ideia comum e banalizada de que são as potenciais vítimas que têm a obrigação de alterar os seus hábitos e castrarem a sua liberdade individual para evitar problemas, em vez de se deixar claro aos potenciais agressores que são os seus atos abusivos que não têm justificação e que, consequentemente, serão alvo de punição.
Numa sociedade tão conservadora como a tailandesa, as mulheres têm ouvido e calado ao longo de décadas perante este tipo de recomendações totalmente injustas e discriminatórias. Mas este ano não foi bem assim, e mais uma vez as redes sociais serviram de catapulta para juntar quem se sente ultrajado por tal atitude das autoridades. Para finalmente se falar em público do elefante no meio da sala de cristais.
Num post de Instagram que entretanto galgou fronteiras e chamou a atenção dos media, Cindy Sirinya Bishop, anfitriã do programa Asia’s Next Top Model, lançou o repto: “As mulheres têm o direito de vestir o que bem lhes apetecer desde que isso não seja ilegal. A agressão sexual e o assédio nunca são culpa da mulher! Digam aos homens para guardarem as mãos para eles mesmos”. A acompanhar, as hashtags #DontTellMeHowToDress e #TellMenToBehave.
A mensagem foi pulicada em jeito de desabafo, mas acabou por ser o motor de arranque para um movimento em massa nas redes sociais que juntou relatos de mulheres um pouco por todo o país. Tanto através to Instagram como do Facebook e Twitter multiplicaram-se as histórias de pessoas que foram vítimas de situações de assédio sexual durante o Songkran, com apelos claros às autoridades para inverterem a sua estratégia. Basicamente, para perceberem de uma vez por todas que o caminho não passa pela responsabilização das mulheres (as principais vítimas, como mostram estatísticas mundo fora), mas sim pelo educação dos foliões masculinos quanto a comportamentos abusivos, que é urgente que se perceba que são totalmente injustificáveis e intoleráveis.
Isto fez com que não existissem situações de assédio nas celebrações que aconteceram este fim de semana? Julgo que não. Mas será que contribuiu para pôr muita gente a pensar de forma diferente sobre um ato cuja gravidade estava a ser desvalorizada pela própria polícia? Acredito que sim. Dar voz a quem já passou por situações do género e as silenciou por medo ou vergonha, ouvir e levar em conta estes relatos na primeira pessoa e tornar pública esta discussão, juntando homens e mulheres na reflexão, ajuda certamente ao questionamento do paradigma instituído. Um paradigma que, também na Tailândia, ainda assenta numa mentalidade misógina, totalmente discriminatória. Mesmo que seja lentamente, é assim que a mudança vai acontecendo.

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