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sábado, 28 de abril de 2012



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Guinada no Supremo
Depois de dois anos de discrição na presidência do Supremo, Cezar Peluso passa o bastão hoje com o carimbo de corporativista e chutando o pau da barraca (…)
Se a gestão de Peluso foi marcada pelo corporativismo, a favor de aumentos que irritavam o Planalto e contra o alcance das investigações do CNJ, a do sucessor, Ayres Britto, corre o risco de cair no populismo, ao sabor de pressões de setores da sociedade que até fazem sentido, mas não estão acima da lei.


Ao contrário dos outros artigos que publicamos, nesse você não vai aprender qual é a lei ou como ela é interpretada. Na verdade, você aprenderá justamente o oposto: a dor de cabeça que é quando não há lei, quando ela é confusa ou quando a mesma interpretação gera resultados contraditórios.

No primeiro dia de aula na faculdade de direito, todo estudante aprende que, no Brasil, magistrado não faz lei: ele apenas as interpreta.

Isso é verdade, em princípio, mas a prática é muito mais complicada porque, às vezes, a interpretação é uma forma de fazer a lei indiretamente. Pense nisso: na cidade não há ambulância, mas o juiz determinou que a charrete da Câmara será usada para levar os pacientes para o hospital, na prática há uma ambulância. Pode não ser perfeita e pode não ter sido construída para isso, mas a forma como passaram a utiliza-la a tornou algo novo.

Óbvio que quem está usando o carro (a população) preferiria uma ambulância de verdade, mas se ninguém (o Legislativo) se deu ao trabalho de comprar ou construir uma, e as pessoas continuam precisando chegar ao hospital, o juiz acabou tentando resolver o problema com o que tinha. Ele ‘deu um jeitinho’.

Quando o Judiciário tenta ‘ajeitar’ uma norma ruim (ou suprir a falta de uma norma) para atender uma necessidade social, ele acaba ou gerando polêmica, ou abrindo a porta para futuras polêmicas.

Basta olhar dois exemplos recentes a respeito, que comentamos aqui nas últimas semanas:

Anencéfalo
Vamos deixar de lado se somos a favor ou contra o aborto ou a remoção dos anencéfalos e vamos focar apenas nas consequências da lógica jurídica utilizada:

O STF decidiu por ampla maioria (8x2) que as gestantes podem remover o feto anencéfalo porque, como ele não tem expectativa de vida, não há o que ser protegido. Ele fez isso porque o Congresso ainda não debateu o aborto de forma coerente (a lei é a mesma desde 1940). Mas, ao dar essa interpretação, ele abriu brechas para futuros problemas jurídicos. Vejamos um exemplo:

Até hoje considerávamos que nascer com vida significava sair do corpo de uma mulher e inalar. Ora, boa parte dos anencéfalos faz isso. O que eles não fazem é continuarem vivos logo em seguida.


Mas vamos deixar os anencéfalos de lado por um segundo: quando estamos falando de bebês, não importa que o recém nascido morra logo em seguida ao nascimento: no momento em que ele nasceu com vida, ele adquiriu direitos.

Imagine a seguinte situação: o pai morre enquanto a esposa estava grávida. Eles não tinham filhos antes disso e o pai deixou uma enorme herança. A esposa e os pais do morto se odeiam. Se a criança nascer com vida (mesmo que morra logo em seguida), ela adquire (junto com a mãe), a herança, e os pais do morto não recebem nada. Como ela morreu logo em seguida, sua herança (que ela herdou do pai), agora vai para sua única herdeira: a mãe. Ou seja, a mãe herda tudo (metade diretamente e metade indiretamente, através do filho que nasceu e morreu). Mas, se a criança não nascer ou nascer morta, ela nunca viveu e, por isso, nunca adquiriu qualquer direito. Logo, a herança será dividida entre a esposa e os pais do morto.

Agora imagine que esse é um anencéfalo: como devemos trata-lo? Afinal, esse é o mesmo feto que o STF decidiu que não tem expectativa de vida. Se ele nascer e respirar, terá herdado a herança? Se herdou e morreu logo em seguida, sua parte da herança vai toda para sua mãe.


Quer complicar ainda mais? Imagine que a mãe também estivesse morta (sim, é possível manter o feto até o momento do nascimento, ainda que a mãe já esteja morta): quem deve tomar a decisão sobre a remoção do anencéfalo? Não se esqueça que, agora, os pais da mãe também têm interesse porque, como avós (e sem a mãe no meio do caminho), herdarão parte da herança da criança, se ela vier a nascer com vida: eles já ficaram com a metade da herança que havia passado para sua filha e agora ficarão com a metade da metade da herança do neto que nasceu e morreu: ou seja, os pais da mãe ficarão com 75% dos bens que inicialmente pertenciam ao morto, enquanto os pais do morto ficarão apenas com 25%.

Opa, mas se, como decidido pelo STF, o feto não tem expectativa de nascer com vida, como é que ele pode ter expectativa de herdar?

Pior: se o nascimento com vida não ocorre quando ele sai do corpo materno e inala ar, quando é que ele ocorre?

E o problema pode ficar ainda pior. Pense nisso: se decidirmos que vida deve incluir a possibilidade de viver a longo prazo, como devemos tratar a pessoa em estado vegetativo sem possibilidade de recuperação mas na qual o tronco encefálico (que cuida das funções mais básicas do corpo) ainda está funcionando sem auxílio de aparelhos?

Estupro de vulnerável
Nesse mês o STJ decidiu que duas adolescentes menores de 14 anos não foram estupradas porque já se prostituíam e, logo, já tinham experiência suficiente ‘sobre os fatos da vida’. Ou seja, segundo o STJ, os ’14 anos’ estabelecidos pelo Código Penal devem ser interpretados subjetivamente (‘idade emocional de uma pessoa normal de 14 anos’) e não objetivamente (’14 anos, não importa quão matura ou imatura a pessoa seja’).

Bem, a decisão causou muita polêmica e crítica. Mas, na verdade, ela é oriunda da interpretação do STF, em 1996, em que se decidiu que “nos nossos dias não há crianças, mas moças de doze anos. Precocemente amadurecidas, a maioria delas já conta com discernimento bastante para reagir ante eventuais adversidades, ainda que não possuam escala de valores definida a ponto de vislumbrarem toda a sorte de conseqüências que lhes pode advir”.

A decisão de 1996, que também inocentou o adulto, foi muito elogiada. O caso era de uma adolescente de 12 anos que, por vontade (e iniciativa) própria, e se fazendo passar por uma pessoa mais velha, manteve relação sexual com um homem, na época com 24 anos, que desconhecia a idade real da vítima. Naquela decisão, o STF analisou os ‘14 anos’ subjetivamente (o grau de maturidade emocional/conhecimento dos ‘fatos da vida’ que a pessoa de fato tem). E foi exatamente essa a lógica empregada no caso das adolescentes prostitutas, mas que gerou resultados com aceitação social diametralmente opostos.

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