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sexta-feira, 6 de abril de 2012





Pesquisa liga letras misóginas ao tráfico de mulheres
Foi um duro golpe para a indústria fonográfica baiana. Desde que me lembro (e muito antes disso também) grupos de Axé emplacam, verão após verão, sucessos que nominam as mulheres de “ordinárias” em diante.  Em tempos de pirataria, a renda dessas artistas vinha, sobretudo, de festivais financiados pela União, pela Bahia ou por seus municípios. VINHA. Na semana passada, a Assembléia Legislativa baiana aprovou uma lei que proíbe que verba pública seja usada para contratar ou patrocinar artistas cujas músicas “desvalorizem, incentivem a violência ou exponham mulheres à situação de constrangimento”.
A “lei antibaixaria”, aprovada por 43 dos 52 deputados presentes à votação, foi abertamente acusada de cercear a liberdade de expressão. O deputado Elmar Nascimento (PR) afirmou que, embora ninguém seja a favor da violência contra a mulher, a “lei antibaixaria” fere o artigo 5º da Constituição Federal, que declara livre qualquer produção intelectual ou artística. Desse ponto de vista, a lei seria inconstitucional.
Sou forçada a discordar do deputado Nascimento e dos detratores da “lei antibaixaria”. Até porque nosso passado de ditadura é recente e conhecemos de perto privações de direitos civis, considero o argumento contra a lei seja descabido. Sou a favor de toda e qualquer liberdade de expressão e manifestação de quem quer que seja, mesmo daqueles com quem não concordo. Isso não me obriga, no entanto, a financiar mensagens que me prejudiquem ou desfavoreçam. As mulheres são cerca de metade dos contribuintes do Brasil. Não faz sentido forçá-las a  promover artistas que as chamem de “ordinárias”. Guardadas as devidas proporções, seria o mesmo que pedir aos judeus que tolerassem ver seu dinheiro bancando propagandas nazistas. Ou aos negros, que incentivassem financeiramente mensagens racistas. Aqueles que queiram seguir fazendo letras misóginas, estão tão livres quanto antes. Só não o farão às custas das contribuintes baianas.
A MAIOR PARTE DOS CLIENTES DE JOVENS ESCRAVIZADAS É BRASILEIRO


Para além da discussão legalista, convém falar sobre que tipo de cultura política e social músicas machistas ajudam a promover no Brasil. Para tanto, recorro a uma interessante pesquisada dirigida por Débora Aranha, presidente do Movimento Contra o Tráfico de Pessoas.


Sheila Mello e Scheila Carvalho: dançarinas do É o Tchan!
Em 2008, Débora mapeou o tráfico de crianças e adolescentes na Bahia. Acompanhou vítimas entre 12 e 18 anos, em Salvador e em Feira de Santana. Quase 90% deles eram meninas. Algumas foram aliciadas aos oito anos de idade. Todas eram exploradas sexualmente. De crianças e adolescentes risonhas, que sonhavam ser dançarinas e cantoras, elas foram transformadas em coisas, objetos a serviço do prazer alheio. Embora muito seja dito sobre turismo sexual, Débora revela que o problema é principalmente doméstico. O “cliente” dessas meninas é quase sempre um turista brasileiro. Em segundo lugar estão os próprios baianos.
Débora não tem dúvida de que a música que chama a mulher de ordinária e a cultura que permite transformar uma menina em uma escrava sexual são parte de um mesmo problema e se retroalimentam. “Na raiz do tráfico de mulheres está o machismo, a violência doméstica contra a mulher, o senso de que a mulher é inferior”, diz Débora. “Muitas meninas relatavam ter caído mais facilmente na teia do tráfico porque queriam fugir da violência do próprio pai. Uma sociedade cujos produtos culturais denigrem a mulher, facilita que crimes contra elas sejam cometidos”.
Não se trata de demonizar o axé. Ivete Sangalo, talvez o maior ícone da música baiana contemporânea, foi citada como referência pela maior parte das meninas pesquisadas por Débora. A estrela se engajou em ações contra o tráfico de pessoas e a pedofilia. O maior mérito da lei antibaixaria até agora é promover um debate sobre que produtos culturais queremos ter. Defender manifestações nacionais de qualquer ordem virou argumento definitivo. É como se a cultura fosse estática, um patrimônio imutável. Falácia. Cultura é antes de tudo uma questão de movimento e de tempo. Se queremos manter nosso arcaísmos culturais, podemos parar de nos rebelar contra o infanticídio indígena, a burka e a mutilação genital adotados por muçulmanos, a escravidão na China e a xenofobia europeia. Convém sermos coerentes.

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