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terça-feira, 17 de abril de 2012

“Não tive desapego”
A monja Coen conta como sofreu por tentar se manter no comando de um templo zen-budista
MONJA COEN (EM DEPOIMENTO A MARGARIDA TELLES)
  
MONJA COEN SENSEI Missionária da tradição soto shu, do zen-budismo. É autora dos livros Viva zen e Sempre zen (Foto: Marcio Lanzarini/Ed. Globo)
MONJA COEN SENSEI
Missionária da tradição soto shu, do zen-budismo. 
É autora dos livros Viva zen e Sempre zen 
(Foto: Marcio Lanzarini/Ed. Globo)


"Conheci o zen-budismo quando era casada com um americano e morava na Califórnia. Apaixonei-me pela filosofia do zen-budismo e me envolvi muito com a comunidade. Depois, saí. Virei monja em Los Angeles e fui para um mosteiro feminino em Nagoia, no Japão. Passei 12 anos lá. Minha proposta era adotar o celibato, mas conheci um monge 18 anos mais novo do que eu e me casei. Ele me convenceu a voltar ao Brasil, pois dizia que era mais importante trazer o budismo para cá do que ficar num país que já é budista.
Em 1995, quando cheguei, minha ideia era comprar um sítio para a comunidade de zen-budismo. Mas o templo Busshinji, sede da nossa ordem na América do Sul, pediu que assumisse interinamente sua direção. O superior de lá tinha voltado para o Japão. Fiquei seis anos nessa função. Em 1997, presidi a Federação das Seitas Budistas. Foi um período de muitas alegrias e realizações.
*Houve um movimento de membros antigos da comunidade para trazer alguém que fosse homem, japonês e mais velho para dirigir o templo. Foram três discriminações contra mim: eu era mulher, jovem para a posição e brasileira. Fiquei triste, porque havia criado uma comunidade à minha volta com brasileiros também, não só japoneses. Quando o monge do Japão chegou, ele disse que um templo não podia ter duas cabeças e eu tinha de sair. Mas eu não queria dividir a comunidade que estava se formando. Então, briguei para ficar mais tempo.
Algumas pessoas me caluniaram para que eu saísse. Foi uma coisa muito pesada, que me entristeceu. Uma vez um jornalista escreveu que eu era bispo. Na ocasião, não me importei, mas alguém enviou a reportagem para o Japão, dizendo que eu me passava por bispo. Fui até lá. Houve uma espécie de tribunal para me julgar. Levei uma carta do jornalista que fez o texto afirmando que eu não disse que era bispo, que ele se enganou. No Japão não aceitaram. Minha superiora, que foi a essa reunião, disse: “Renuncie, não se defenda porque é muito feio o que estão fazendo. As pessoas vão receber isso de volta, não porque vamos fazer uma vingança ou lhes desejar o mal, mas porque é do darma (para os budistas, darma é a lei que determina a realidade espiritual dos seres)”.
Foi um erro ter insistido em ficar na direção do templo. A insistência fez com que eu conhecesse o lado sombrio de muita gente. Foram muitas decepções, desgastes e tristezas em alguns momentos. Demorei para me desapegar. É um equilíbrio sutil entender quando é hora de cuidar do que plantamos e quando desapegar.
Depois que saí de lá, um grupo de praticantes me seguiu, e surgiram inúmeras oportunidades de transmitir o budismo. Não há nada fixo. Não dá para segurar um cargo, uma posição. Acho que essa é a lição mais bonita. Quando você desiste de uma ideia fixa, você se abre para o Universo. Uma expressão que temos no budismo é: “Cai sete vezes, levanta oito. O chão onde você cai é o chão que lhe sustenta de pé. Não reclame da queda”. Isso é o que aprendi. Hoje enxergo a saí­da do templo como uma oportunidade para lidar com os ensinamentos de Buda. Estava muito fechada na comunidade japonesa. Graças a tudo isso, tive a chance de levar o budismo para o Brasil inteiro."

*Grifo do SOS Ação Mulher e Família

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