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domingo, 20 de maio de 2012


Shirin Ebadi: a voz do Irã e das mulheres

Fernanda Gehrke

Foto: Greg Salibian
A voz doce não esconde a firmeza: “Estamos no terceiro milênio e nos campos de ciência e tecnologia o mundo tem realizado inúmeros progressos, mas infelizmente a civilização humana não progrediu tanto, principalmente no que diz respeito à igualdade de direitos entre homens e mulheres”.

A voz e a decisiva assertividade são da iraniana Shrin Ebadi, Prêmio Nobel da Paz de 2003, uma coragem já conhecida do público, que a aplaudiu antes mesmo de ela pegar no microfone, ao surgir no palco da Sala São Paulo na terça-feira, dia 14 de junho. Em mais uma conferência do ciclo  “Fronteiras do Pensamento”, apoiada pela TV Cultura, ela deu uma verdadeira aula sobre direitos humanos.

A palestrante destacou que em qualquer parte do mundo as mulheres estão sob discriminação e opressão, mesmo que de formas diferentes. Na Europa, nos Estados Unidos e no Canadá, Shirin pontuou que, mesmo a lei reconhecendo direitos iguais para as mulheres, estas têm deveres dobrados, em casa e na sociedade, e por tal razão não têm oportunidade de desfrutar desses direitos iguais. “Olhem o número de mulheres líderes de partidos políticos nos países europeus, veja como o número de mulheres nesses cargos é menor. A lei garante isso, mas as mulheres não conseguem desfrutar”.

Em seguida, Shirin falou sobre os países africanos, onde além das leis discriminatórias, as crenças tradicionais e tribais causam opressão da mulher. “A mutilação genital ainda existe em países como o Sudão, a Somália e a Nigéria”. Shirin também lembrou que e em muitos países africanos a educação universitária de mulheres é vista como um esforço fútil. “As mulheres, nesses países, devem somente aprender a cozinhar e a cuidar da casa”.

Nos países islâmicos, a palestrante argumentou que, de acordo com o país, o grau de severidade da discriminação da mulher é diferente e citou como exemplo a Arábia Saudita, onde, até recentemente, as mulheres nem mesmo tinham documento de identidade. “Mulheres não eram consideradas cidadãs, faz pouco tempo que isso mudou”. Hoje, as mulheres continuam privadas de muitos direitos sociais naquele país. Não podem dirigir um carro, muito menos atuar em atividades políticas e sociais.

No Bahrein, no Kuwait e no Yemen, por sua vez, as mulheres nunca têm os mesmos direitos que os homens. “A poligamia, por exemplo, é aceita e comum nestes países e o respeito pelas mulheres depende dos filhos meninos que elas têm, muitas são chamadas pelo nome do filho menino, porque na sociedade é mal visto dizer o nome de uma mulher”.

No Afeganistão, mesmo com os soldados estadunidenses ocupando o país e apesar de a constituição reservar 25% das vagas no parlamento para mulheres, a influência da cultura paternalista é tão forte que quando uma mulher do parlamento criticou o governo, os outros membros a expulsaram. “Os outros parlamentares disseram para uma mulher que fazia parte do parlamento que as mulheres lá só podem votar, não podem falar”. Somente em Cabul, conforme Shirin, as mulheres afegãs têm algum conforto. No resto do país, elas têm que ficar em casa e usar constantemente a burca. “Os talebãs não permitem que as mulheres saiam de suas casas e inclusive queimaram as escolas para meninas. Em uma delas, algumas alunas foram queimadas também”.

No Iraque, Shirin acredita que o ataque militar liderado pelos Estados Unidos aumentou o fundamentalismo.  “O fundamentalismo reduz e restringe os direitos das mulheres e, na minha opinião, após a invasão militar, isso ficou muito pior do que na época do Sadam. Além de não trazer democracia, a invasão piorou a situação dos iraquianos”, opina.

No Irã, mais de 65% dos estudantes universitários são meninas. Existe um número grande de professoras universitárias. “As mulheres do Irã têm direito a voto há 50 anos e ingressaram no parlamento como representantes na mesma época, antes da Suíça, por exemplo”, revela. “Sempre tivemos representantes mulheres no parlamento iraniano, hoje são 13 e as mulheres iranianas estão envolvidas e presentes em todas as profissões e atividades administrativas”, complementa.

Atualmente, uma mulher é ministra da saúde no Irã e duas vice-presidentes de Ahmadinejad são mulheres também. “As mulheres se impuseram aos fundamentalistas no Irã, mas infelizmente, depois da revolução de 1979, entraram em vigor leis discriminatórias contra a mulher”, afirma Shirin. “O valor da vida de uma mulher, no Irã, corresponde à metade do valor da vida de um homem e o testemunho de duas mulheres no tribunal de justiça equivale ao testemunho de um homem”.

Um homem pode se casar com quatro mulheres e se divorciar facilmente. Para uma mulher, pedir divórcio é muito difícil. “Estas leis não estão de acordo com a situação cultural das mulheres iranianas, elas não são apropriadas, não estão de acordo com a situação das mulheres no Irã”, atesta Shirin. “Se a ministra da saúde, por exemplo, quiser viajar para a Organização Mundial da Saúde e falar sobre a saúde de 175 milhões de iranianos, vai precisar de autorização do marido, porque no Irã mulheres casadas precisam de autorização por escrito dos maridos para viajar e nesse caso a cadeira do Irã na OMS poderia ficar vazia por causa de desentendimentos conjugais”.

Sobre as leis discriminatórias contra as mulheres, Shirin lembrou que muitas pessoas acreditam que a origem delas é o Islã. “Não estou de acordo com essa opinião. A situação de todas as mulheres do mundo é discriminatória, independente da religião. A mutilação genital que ainda é praticada na África, por exemplo, é comum entre cristãos e islâmicos”, argumenta, apontando em seguida outras regiões do mundo, onde o islamismo é pouco praticado, onde também existe discriminação contra as mulheres.

Na Índia, Shirin lembrou que, de acordo com a tradição, quando uma mulher se casa, a família dela dá alguns móveis para a casa do casal. “Quando são poucos móveis, é comum essa mulher ter que enfrentar protestos da família do noivo, muitas vezes ocorre espancamento e podem até mandá-la de volta para a casa do pai”. No mesmo país, em pontos remotos, a discriminação contra a mulher vai mais longe. “Mesmo legalmente proibido, quando o marido morre, queimam a mulher viva junto com o corpo do marido, porque acreditam que a mulher tem que morrer junto com ele”. Na Índia, a religião predominante é o hinduísmo.

Outro país citado por Shirin é a China, onde as taxas de aborto são muito altas quando mulheres grávidas ficam sabendo que o feto é uma menina. Por leis de controle de natalidade do país, cada casal pode ter somente um filho na China. “A estatística de abortos de meninas é tão alta que o governo chinês proibiu o uso da ultrassonografia para descobrir o sexo da criança”. Os chineses, em sua maioria, também não são islâmicos.

A discriminação das mulheres, nas palavras de Shirin, existe por toda parte. O islã, como qualquer outra religião, tem interpretações diferentes. “Uma igreja permite aborto, outra não, ambas cristãs. Na Europa, uma igreja aceita casamento de pessoas do mesmo sexo, outra não. Da mesma forma, o Islã tem interpretações diferentes”, compara.

Enquanto na Arábia Saudita as mulheres não podem dirigir, Shirin lembra que em países como Bangladesh, Paquistão e Indonésia, elas chegaram a assumir o cargo de Primeiro Ministro. Malásia, Marrocos, Argélia, Tunísia e Egito aboliram o apedrejamento, que no entanto continua sendo uma prática legal no Irã. “O povo carinhoso do Brasil protestou e se opôs, recentemente, ao apedrejamento da Sakineh”, lembrou.

A cultura paternalista e machista, para Shirin, interpreta a religião como se ela fosse contra a mulher. De acordo com ela, não são os homens os maiores responsáveis pela reprodução dessa cultura. “A cultura paternalista machista é uma cultura que não aceita a igualdade entre os seres humanos e as mulheres são vítimas, mas também portadoras e transmissoras dessa cultura”, diz. Isso porque todo homem opressor foi educado por uma mulher, que é a figura materna. “Costumo comparar essa cultura paternalista e machista com a hemofilia, doença genética onde mulheres podem ser portadoras, mas não padecem da doença, apenas transmitem para filhos meninos, que adoecem”. Da mesma forma que a hemofilia, Shirin acredita que também a cultura paternalista é transmitida da mãe para os filhos homens.

Para a luta contra a discriminação da mulher, Shirin Ebadi defende prioritariamente a educação das mães. “É preciso dar educação às mulheres, mostrar como lutar contra, combater essa cultura. A educação é o assunto mais importante para mudar essa realidade”.

Foto: Greg Salibian
Quem é Shirin Ebadi - Shirin Ebadi falou sobre sua trajetória de vida durante o evento. Contou que nasceu em uma família de classe média no Irã. O pai era professor de Direito do Comércio. “Aprendi com meus pais a crença no princípio da igualdade das pessoas”. Lembrou sobre as três Organizações Não Governamentais (ONGs) que fundou no Irã: uma que defende o direito das crianças, uma que trabalha com feridos e mutilados por minas terrestres e outra voltada aos direitos humanos, onde trabalham 20 advogados voluntários.

Foi nessa última organização que Shirin coordenou o envio de relatórios, a cada três meses, para a ONU, sobre a situação dos direitos humanos no Irã. “Essa iniciativa fez com que eu virasse um inimigo para o governo do meu país e por isso fecharam nosso escritório sem maiores explicações, em 2009 e nenhum juiz teve coragem de investigar esse fechamento”. Foi neste mesmo ano que Shirin saiu do país para participar de um evento e nunca mais voltou ao Irã. “Soube de colegas que estavam presos e de outros que se esconderam do governo, foram eles que pediram para eu não voltar”.

Ao invés de voltar ao Irã, Shirin Ebadi foi à ONU, para relatar o que acontecia lá. “Prenderam e torturaram meu marido, prenderam também a minha irmã, para tentar me calar”. Também confiscaram todo o patrimônio de Shirin no país. Mas ela não se calou e nem pretende fazê-lo. “No Irã, há uma censura muito rígida e eu tenho o dever de transmitir a voz do povo do Irã a todos os povos do mundo. Meu dever é relatar a verdade e enquanto estiver viva, vou cumprir esse dever. Sou a voz do povo do Irã. Levo o protesto deles para o mundo”.

Shirin Ebadi foi aplaudida de pé, novamente. Desta vez, por mais de 5 minutos.



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