Para especialista, é necessário ter um diálogo franco com as crianças e legitimar seus sentimentos para apoiá-las durante o luto
ANA LUIZA BASILIO
7 de Maio de 2018
Um dia, Arthur teve que se mudar de residência. Uma como outra qualquer, com janelas, portas, uma sala comprida e até um banheiro com banheira. Mas o menino percebeu que tinha algo de diferente ali.
“Antes morava em uma outra casa. Ele, sua irmã, a mãe e o pai. Mas tudo mudou, e todos mudaram e se mudaram. Bem, nem todos. Nessa nova casa, a Casa Preta, Arthur morava só com o pai e a mãe. A irmã não pôde ir. A família ficou menor. Nossa, que falta faz a irmã!”
ANA LUIZA BASILIO
7 de Maio de 2018
Um dia, Arthur teve que se mudar de residência. Uma como outra qualquer, com janelas, portas, uma sala comprida e até um banheiro com banheira. Mas o menino percebeu que tinha algo de diferente ali.
“Antes morava em uma outra casa. Ele, sua irmã, a mãe e o pai. Mas tudo mudou, e todos mudaram e se mudaram. Bem, nem todos. Nessa nova casa, a Casa Preta, Arthur morava só com o pai e a mãe. A irmã não pôde ir. A família ficou menor. Nossa, que falta faz a irmã!”
A história de Arthur, personagem principal do livro, “A Casa Preta”, se confunde com a da autora Fátima Geovanini, também psicanalista e especialista em cuidados paliativos. Por muitos anos, a pesquisadora se debruçou a conhecer a literatura infantil sobre morte e luto. Em meio ao processo, Geovanini, mãe de duas crianças, perdeu a filha 11 anos em um acidente e teve que lidar com o luto do filho de quatro anos na época.
Em entrevista ao Carta Educação, a autora conta o que a motivou a escrever o livro e dá dicas de como conduzir as crianças em situações de luto. Confira!
Carta Educação: Por que decidiu escrever o livro A Casa Preta?
Fátima Geovanini: Por dois motivos. Durante a minha pesquisa sobre luto e morte na literatura infantil encontrei títulos interessantes sobre a perda de familiares, mas poucos direcionados ao luto infantil em relação a perda de outra criança. Outra questão é que, no meu período de luto, resolvi me mudar com a minha família para uma casa temporária. Anos depois, quando já estávamos de volta à nossa primeira casa, passei com o meu filho em frente ao local temporário que moramos e ele disse: “Ih mãe, pintaram a casa preta”. A partir dessa metáfora que ele utilizou para se referir à casa, “casa preta”, entendi que ele estava externando o luto dele. Pude entender que o que ele estava expressando naquele momento era o não reconhecimento por aquela casa e conhecer mais sobre a forma das crianças elaborarem essas questões.
CE: Como o livro aborda o tema?
FG: A história começa com a chegada do Arthur e sua família em uma nova casa, para a qual a irmã não pode ir. Nessa “casa preta”, o menino começa a lidar com os monstros do luto, a saudade, a tristeza, o choro, até que ele descobre a força da palavra, como é importante compartilhar, falar dessa dor, resgatar as lembranças da irmã e conversar sobre o tempo do luto com a mãe.
CE: O que é importante considerar na condução de uma criança no processo do luto?
FG: Que a forma como a criança vai enfrentá-lo tem a ver com a forma como os adultos e familiares vão lidar também. Por isso a importância da conversa, de explicar o ocorrido, dividir a dor e legitimar a tristeza da criança. Muitos adultos ainda têm a ideia de não chorar na frente da criança para que ela não veja a sua tristeza, mas é exatamente o contrário. Se a criança não vê que outras pessoas compartilham com ela aquele sentimento, vai questionar o que ela mesma sente. A legitimação desse momento, do choro, da tristeza, é importante para atravessar o luto.
CE: Então, o caminho é o diálogo franco?
FG: Sim, porque a criança consegue elaborar a situação, não adianta enganá-la, ela precisa de informações concretas, compatíveis à sua idade. Por exemplo, vemos situações em que os adultos falam “o vovô foi viajar”, como assim ele foi viajar? É muito pior essa estratégia, porque vai trazer dúvidas. A criança precisa de informações corretas, de uma família que a dê suporte para enfrentar o luto, por isso a importância de compartilhar e praticar a escuta. Se a criança percebe algum pudor no adulto de falar sobre isso, ela também acaba se fechando e esse momento precisa ser dividido.
Os adultos, em geral, têm dificuldade de falar sobre morte e luto com a criança porque eles próprios têm dificuldade de lidar com isso. A maior prova é que muito dificilmente os pais levam crianças para um velório, por exemplo. Às vezes é importante para que a criança tenha esse concreto, também possa se despedir, participar de rituais que a ajudarão a elaborar a perda. Claro que não quer dizer que toda criança tem que ir a um velório de alguém, o ideal é perguntar a ela se ela quer ir, se era alguém importante do seu convívio e se a família está apta a dar esse suporte.
CE: E as escolas, qual o papel delas nesse processo?
FG: Elas também precisam estar preparadas para trabalhar a perda. É importante que os adultos tenham convicções para tocar no assunto sem medo, sem achar que mencioná-lo pode aumentar a dor ou a tristeza. Quando acontece a morte de algum aluno, por exemplo, é fundamental dar espaço para os demais abordarem a questão, exporem seus sentimentos, verificar com os alunos o desejo de se prestar alguma homenagem, mais uma vez reforçando a importância dos rituais. Claro, tudo isso conversado, respeitando o tempo de cada um. O que não pode é o silêncio ou a escola fingir que nada está acontecendo.
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