A revolução social que eclodiu pelas ruas de Paris, e completa 50 anos este mês, marcou para sempre o papel feminino na sociedade. E espalha, até hoje, seus ideais na maneira de reivindicar nossos direitos, clamar pela igualdade entre os sexos e usar a moda como forma de manifesto
24.05.2018 - POR CAMILA LIMA
Em nenhum outro momento da história 30 dias foram tão intensos e capazes de promover tantas mudanças sociais e comportamentais quanto maio de 1968. As manifestações do período – que começaram com os protestos da classe estudantil de universidades parisienses como Sorbonne e Nanterre e culminaram com a maior greve geral da França e até hoje de toda a Europa – mudaram para sempre o curso da humanidade.
No epicentro de todas as reivindicações estavam, é claro, as mulheres. Juntas, elas saíram às ruas, enfrentaram as barricadas e a fúria dos policiais do então conservador governo do presidente Charles de Gaulle. Era preciso mostrar ao universo o descontentamento com o sistema social vigente. Inspiradas em obras de escritoras feministas como Simone de Beauvoir, reivindicavam a liberdade sexual, a igualdade no mercado de trabalho e o fim da ideia de ter como único propósito de vida o lar.
Cinquenta anos após o feito, as reinvindicações da célebre data seguem ecoando pelo planeta com a força de um tufão, e com o empurrão extra e potente das redes sociais. Um dos desdobramentos recentes mais importantes foi a Women’s March, a marcha que mobilizou em janeiro 5 milhões de pessoas só nos EUA. Unidas na luta por ideais, de certa forma, semelhantes, como a igualdade entre os gêneros, a equiparação salarial, o fim da cultura do assédio e do governo misógino do presidente Donald Trump.
Militância fashion
Grandes revoluções sempre geram mudanças comportamentais intensas, refletidas também na maneira de vestir. Se após o período de escassez da Segunda Guerra Mundial as mulheres voltaram a desejar itens cheios de feminilidade, como vestidos rodados e batons vermelhos, após maio de 1968 o anseio por mudanças no vestuário foi abrupto. Com a recém-criada pílula anticoncepcional, liberada no início da década, elas estavam dispostas a desfrutar de sua sexualidade e exibir o corpo sem grandes pudores. Também se sentiam fortalecidas para vestir looks masculinizados, já que entre os anseios estava disputar de igual para igual postos de trabalho antes restritos aos homens. “As explosivas minissaias inventadas pelo francês André Courrèges tornaram-se peças-chave, assim como a calça comprida do terninho criado por Yves Saint Laurent”, explica João Braga, professor de história da moda da Faap.
Esse comportamento continua a reverberar entre as tendências. Em seu eterno exercício de olhar para o passado para pensar o futuro, a moda contemporânea do século 21 foi até maio de 1968 para encontrar inspirações. O jeans, símbolo máximo da igualdade de gênero, tornou-se, por exemplo, o material-chave da última coleção Dior, assim como o comprimento mínimo, grande aposta da passarela. “Estou aqui para dar poder às mulheres. Para mostrar ao mundo que podemos decidir o que vestir e o que fazer para estarmos bem com nós mesmas. Não somos passivas”, disse Maria Grazia Chiuri, diretora criativa da casa, à Marie Claire Brasil. Essa coleção, entretanto, não foi a primeira a exaltar o poder feminino. As camisetas do verão 2017 – com dizeres como “We should all be feminists” [em português, “todos devemos ser feministas”, uma referência ao livro homônimo da feminista Chimamanda Ngozi] – ganharam o mundo e foram replicadas por centenas de marcas.
Na coleção Primavera-Verão 2018, outra italiana, Miuccia Prada, uma antiga entusiasta do movimento (ela própria uma militante socialista e feminista nos anos 1970), falou sobre empoderamento sem precisar escrever mensagens literais. Convidou oito artistas mulheres, do universo dos quadrinhos, para colorirem bolsas e casacos com imagens de heroínas. “Quando a sociedade descreve uma mulher que parece forte, ela é chamada de masculina. Por que isso? Ela não é masculina. Ela é só uma mulher forte”, disse ao jornal britânico The Guardian. Mesmo caminho traçou a Chanel, maison fundada por uma feminista célebre, Coco, e hoje comandada por Karl Lagerfeld. A marca seguiu o legado de sua criadora e, no desfile de Primavera-Verão 2015, colocou literalmente a boca no trombone – em uma versão, digamos assim, revisitada das manifestações dos anos 1960. Gisele Bündchen protagonizou a cena, desfilando com megafone em mãos e pedindo liberdade e igualdade para as mulheres, ao lado de uma legião de modelos. Assim como maio de 1968 ficou para sempre na história da contracultura, esse desfile fez o mesmo na trajetória da moda.
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