Um guia para desfrutar do papel de pais, antecipando as necessidades do bebê e se distanciando de julgamentos, falsos mitos e ideias preconcebidas
NACHO MENESES
11 MAI 2018
Quando a médica espanhola María Angustias Salmerón foi mãe pela primeira vez e ficou sozinha com a filha, de pouco lhe serviu sua ampla formação como pediatra. Ela se deu conta de que era invadida pelas mesmas dúvidas das outras mães e que muito do que havia lido não explicava coisas que tinha urgência de saber. Eram muitas as recomendações estranhas (inclusive por parte de alguns profissionais da saúde ou de pessoas que nem sequer tinham filhos) e ela descobriu a falsidade de muitos mitos que a impediam de desfrutar plenamente dessa nova pessoazinha que havia posto de pernas para o ar sua lista de prioridades. Daí surgiu o blog mimamayanoespediatra e, recentemente, o livro Criar Sin Complejos (Criar Sem Complexos, ainda sem edição em português), no qual foge de dogmas inabaláveis sobre como fazer as coisas, desmonta essas crenças e facilita encarar a criação do ponto de vista do bebê e de suas necessidades, “sem posicionamentos, sem culpabilidades e tratando de todos esses temas que muitas vezes ninguém explica”.
À medida que María foi adentrando a maternidade, viu que existiam muitas correntes e que cada uma recomendava uma coisa diferente. Mas nenhuma explicava o que é realmente um bebê, que necessidades tem e por que se comporta assim. “Quando um livro diz como você tem de agir e dá diretrizes fechadas, provavelmente se engana porque servirá a alguns pais, mas a outros, não. O modo como você faz as coisas depende muito de como é o seu bebê e de como você é, de tudo o que você viveu e de como você se comporta em outras esferas da vida. No final, há muitos caminhos corretos.” E, sobretudo, afirma, é importante que estejamos conscientes de que não somos nem seres nem pais perfeitos, que cometeremos erros e que fica tudo bem.
Cada capítulo de Criar Sem Complexos trata de uma necessidade diferente: desde ser pais ao amor incondicional, o contato com o bebê, a alimentação, o sono, deixá-los crescer, tomar conta deles... para que pais e mães aprendam a conhecer seu filho e decidam qual é a melhor maneira de atender as suas necessidades, “sem se esquecer que nós também temos as nossas. É preciso apreciar os bons momentos, que são muitos, e aprender com os maus, e a sociedade tem de permitir que s emoções negativas possam ser compartilhadas e escutadas, sem necessidade de dar conselhos como se fossem verdades absolutas nem julgar”, afirma. Cada necessidade esconde por trás um mito que existiu sempre e que é preciso banir.
A necessidade de contato do bebê. Aquilo de “não o pegue tanto no colo que ele se acostuma” faz com que muitas pessoas não demonstrem todo o afeto e o carinho que realmente sentem. Até mesmo o pessoal de alguns hospitais diz para você deixá-lo no berço, quando o que o adulto e bebê precisam é justamente do contrário. “Quando há contato pele com pele, ou outro contato íntimo, como um abraço, libera-se oxitocina, o chamado hormônio do amor. À parte suas funções biológicas (como favorecer o aleitamento materno), tem também benefícios psicológicos de regulação emocional, fomenta nos pais essa sensação de capacidade na maternidade e paternidade, favorece os laços afetivos entre pessoas e, em definitivo, o desenvolvimento de um vínculo de apego seguro.” Os primeiros três anos de vida são essenciais no desenvolvimento desse vínculo especial entre pais e filhos, mas ele irá sendo forjado ao longo da vida, e tem momentos críticos como a adolescência e como quando nos tornamos pais. “Se nossos pais nos apoiam e compreendem quando temos nosso primeiro filho, essa relação se estreitará ainda mais. Mas se nos sentimos julgados e incompreendidos, nos distanciaremos deles. Uma criança com um vínculo de apego seguro se transformará em uma criança segura, que conhece os limites, que é capaz de explorar seu entorno e que em nível efetivo é uma pessoa confiante.”
A necessidade de sono do bebê. “Se não dorme bem, dê-lhe cereais e você vai ver como dorme”; “não o deixe fazer a sesta porque se ficar mais cansado vai dormir melhor”... Mas, não, afinal o sono é um processo psicoevolutivo, um marco do desenvolvimento igual a conseguir que a criança ande. Faça o que fizer, no final vai andar; com o sono é exatamente igual. “O seu bebê sabe dormir, o que acontece é que faz isso de uma maneira totalmente diferente de um adulto, e as necessidades do bebê e dos pais acabam competindo, o que provoca o cansaço extremo que muitos de nós arrastamos”, diz Salmerón. “Quando a criança nasce, tem um ritmo ultradiano. Isto significa que em um ciclo de 24 horas ela tem microdias que, dependendo do bebê, duram hora e meia, duas ou três horas nas quais come, dorme, e você o troca.... À medida que vai crescendo ele amadurece e vai adquirindo a capacidade de ficar desperto durante o dia e adormecer à noite, que é o ritmo circadiano, o que os adultos normalmente têm. Acontece que esse processo se desenrola pouco a pouco.”
A necessidade de amor incondicional. “Não o pegue tanto que ele se acostuma”; “deixe-o chorar porque senão você vai estragá-lo...”. Nada disso é verdade. O seu bebê nasce precisando que alguém cuide dele e lhe dê carinho, e saber fazer isso em cada etapa de seu desenvolvimento vai fazer de você a referência para ele. Primeiro, desenvolvendo um apego seguro, e também praticando uma parentalidade e disciplina positivas. Trata-se de educá-los impondo limites, mas fazendo isso com carinho. E não espere poder evitar suas manhas, porque são inevitáveis, confessa Salmerón: “É um processo psicoevolutivo totalmente normal. Não fazem isso para te cansar, mas porque não sabem dar uma tradução a sua frustração. O que a parentalidade positiva ensina é como escutar o seu filho e a impor-lhe limites sem coações nem mediante a violência verbal ou física. Por exemplo: imagine que você está atrasado e o seu filho tem de guardar os brinquedos, mas não quer, o que você faz? Não os guarda e vai dar-lhe banho? Ou você os guarda? Você o repreende e fica enfezado até que ele faça isso? Há um caminho alternativo, que leva em conta os seus objetivos em longo prazo, como mostrar-lhe a importância de ajudar, de se colocar no lugar do outro, de respeitar. ‘Sei que você está muito cansado, sei que agora não tem vontade de guardar os brinquedos... Vamos fazer isso juntos. Além disso, se terminamos rápido vamos ao banho e lá faremos uma brincadeira que você gosta...’ É um estímulo. Bom, então vocês guardam os brinquedos em cinco minutos e não foi preciso brigar.” No final todos os pais gritam em algum momento com os filhos... Tudo bem, peça desculpas. Que melhor maneira de ensinar-lhe, com o seu exemplo, que todos nós nos enganamos?”
A necessidade de deixá-los crescer. O fundamental é não confundir o estímulo e a proteção com o estímulo excessivo e a superproteção, porque podem provocar o efeito contrário ao que buscamos. Estimular uma criança não é envolvê-la em uma imensidão de atividades. “Uma criança superestimulada é uma criança que não vai saber o que é ficar entediada, não vai compreender bem os tempos e sempre vai precisar ter milhões de estímulos porque aprendeu a desenvolver-se assim”, observa Salmerón. E uma criança superprotegida vai ser muito insegura porque necessita a todo momento do apoio de outro. Você pode estar perto dela no parque, mas nem sempre em cima dela, para que possa explorar o ambiente. Se precisar de ajuda, ela vai pedir; se você sempre a leva pela mão, nunca aprenderá a brincar sozinha no escorregador. Muitas vezes os pais, por esse medo de que se machuquem, as levam pela mão em todas as esferas de sua vida... Você tem que deixá-la exposta a cair, tanto em nível físico como psicológico, e poder se corrigir. Se não for assim, chegará à adolescência sem saber como enfrentar os problemas.”
A necessidade de serem alimentados. “Não lhes dê tanto o peito porque vão se acostumar.” Outro falso mito. “A amamentação cobre duas necessidades da criança: a sucção nutritiva e a não nutritiva. A criança que toma o leite materno geralmente não quer chupeta porque o peito cumpre as duas funções. No entanto, se a criança toma mamadeira usará a chupeta para a sucção não nutritiva. Na realidade, quando te dizem “não use a teta como chupeta” deveriam dizer “não use a chupeta como teta”... Como pediatra, Salmerón recomenda o aleitamento materno, mas no livro não se inclina por nenhuma opção. “Embora seja o ideal, isso não quer dizer que funcione para uma família específica. Se uma mãe não quer optar por ele, mas você insiste em recomendá-lo, para o bebê será muito mais prejudicial porque terá uma mãe que se se sente frustrada e está passando por um momento difícil”. E qualquer que seja a amamentação, lembre-se de manter o contato (pegue o bebê no colo se lhe dá a mamadeira, abrace-o, deixe que te acaricie...). E não há necessidade de despertá-lo a cada três horas se ele não pede. Também fala do processo do desmame e da importância de comer em família, além de encerrar o livro com um capítulo dedicado aos primeiros socorros e como enfrentar as doenças mais comuns.
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