“O racismo é um sistema de opressão que nega oportunidades para as pessoas negras", afirma a pesquisadora na área de filosofia política no programa Entre Vistas, da TVT
por Redação RBA publicado 23/05/2018
São Paulo – Uma das principais vozes do movimento feminista negro, Djamila Ribeiro defende que já é hora de os brancos discutirem sua própria “branquitude”, como modo de conhecer e ampliar o debate racial no Brasil. “As pessoas brancas não discutem o que é ser branco no Brasil. O que é ser branco como metáfora do poder, o que significa fazer parte do grupo privilegiado”, pondera a ex-secretária-adjunta de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo do governo de Fernando Haddad (2012-2016) e pesquisadora na área de filosofia política, durante participação no programa Entre Vistas, apresentado pelo jornalista Juca Kfouri, na TVT.
“É necessário que os sujeitos brancos se pensem também dentro dessa lógica de como o lugar social dele impacta no lugar do outro, e como o lugar dele é criado através da opressão de outros grupos. Ele acha que o fato de estar em todos os espaços de poder é porque ele é genial, ou porque é um direito natural, e não que isso é construído por meio da opressão de outros grupos”, explicou Djamila. Para ela, ao não refletir sobre isto, a pessoa branca sequer entende que é uma privilegiada, acreditando que os lugares de poder na sociedade pertencem naturalmente a ela.
Djamila ponderou que as pessoas no Brasil foram criadas para serem racistas, mas não aceitam ser vistas nesta posição ou entendem que o racismo é só o xingamento do outro, no campo do indivíduo. “O racismo é um sistema de opressão que nega oportunidades para as pessoas negras. É a estrutura racista, o sistema, e não uma coisa individual. Então tem muito desconhecimento ainda sobre o que é o racismo no Brasil, muito por causa do mito da democracia racial, um mito fundante deste país e que fez muitos acreditarem que o Brasil era um país harmonioso entre as raças. Então isto aliena as pessoas.”
De acordo com a pesquisadora, a segregação racial é geográfica e cita como exemplo a Universidade de São Paulo (USP), com poucos alunos e professores negros embora seja a maior instituição de ensino superior do país. “As pessoas sequer questionam por que a maioria das mulheres como eu não está dando aula ou está como aluna; estão limpando banheiro como terceirizadas. As pessoas naturalizam estes lugares em vez de entender que foram criados como fruto da opressão”, afirmou.
Questionada por Juca Kfouri sobre as origens da situação do negro no Brasil, Djamila acredita que a explicação remete à abolição tardia da escravidão, a não inclusão dos negros no período pós-abolição e durante a industrialização do país, quando os postos de trabalho foram preferencialmente ocupados por brancos e imigrantes europeus. “A abolição da escravatura foi formal. Estão livres, mas para fazer o quê?”, disse, recordando que as mulheres negras foram então trabalhar como domésticas e os homens negros foram parar em empregos informais ou subempregos. “O Brasil não pensou na população negra dentro de um projeto de nação”, sentenciou.
Durante quase uma hora de programa, que contou também com a participação de Carmen Foro, vice-presidenta da CUT, e da cientista política Lilian Tropadi, a ex-secretária-adjunta de Direitos Humanos afirmou ter muito orgulho da sua história e dos povos dos quais descende, mas não admite as dificuldades advindas apenas por ocupar a posição de ser uma mulher negra. “No mundo branco se usufrui de privilégios que deveriam ser direito de todos”, afirmou.
A “invenção” do negro
Amiga da vereadora carioca Marielle Franco, assassinada em março, Djamila destacou que a participação de mulheres negras no parlamento do Rio de Janeiro acontece com uma mulher a cada 10 anos. Antes de Marielle Franco, apenas Benedita da Silva e Jurema Batista, ambas do PT, conseguiram se eleger. “É difícil a gente estar nestes espaços. Então quando a gente tem uma voz tão importante como ela (Marielle), é como um recado para nós, de que este ‘não é o lugar para vocês’”.
Dizendo-se ainda de luto pela morte da amiga, Djamila também ponderou que o assassinato deve estimular a continuidade da luta e das causas defendidas pela ex-vereadora do Psol, para surgir “mais Marielles no Brasil”. “O trabalho dela como parlamentar, o tipo de canal de denúncia que ela fazia sobre o que acontecia na favela era muito importante. E a gente vai continuar porque também não tem opção, até para honrar a memória dela.”
Com carreira construída no jornalismo esportivo, Juca lembrou ser historicamente recorrente no mundo do futebol o uso de expressões como “o negão que joga muito”, mas nunca a mesma referência quando o bom atleta é branco. Na opinião da ativista, tal prática é consequência do indivíduo branco não se pensar como membro da raça branca, lugar usado apenas para o negro, a mulher ou índio.
“Isto diz muito da construção colonial e da ‘invenção do negro’. Antes do processo de escravização não existe ‘o negro’, era o bantu ou o swahili, eram várias etnias diferentes. O processo de escravização cria ‘o negro’, homogeniza, como se fossem todos iguais, como se não fossem pessoas de países diferentes, culturas diferentes, e trata como se fossem iguais, uma coisa só. Então essa mentalidade colonial é ainda muito presente na sociedade brasileira, de tratar todos os negros de uma maneira muito racializada, sem pensar que o branco também é uma raça, ou de achar que todos os negros são iguais, de não enxergar o negro como indivíduo, como sujeito”, explicou Djamila Ribeiro, insistindo na importância de refletir sobre a naturalização do racismo, igualmente presente no pouco questionamento das razões pelas quais há tão poucos professores negros nas escolas.
Filha, neta e bisneta de ex-empregadas domésticas, a autora do livro O que é lugar de fala? disse que a mulher negra, de maneira geral, é impedida de estar de forma intensa nos espaços de poder, o mesmo acontecendo com a visibilidade do seu trabalho. Neste contexto, explicou ser uma estratégia participar de alguns programas da mídia hegemônica, se referindo a sua recente participação no programa Saia Justa, do canal GNT.
“As pessoas assistem tevê, querendo ou não. O fato de não termos uma mídia democratizada dificulta muito com que a gente consiga fazer estes temas serem vistos”, explicou, citando ainda a “bolha do ativismo”, onde certos assuntos que são facilmente discutidos entre os ativistas não chegam ao conhecimento da maioria da população. “Quando se fala de representação na mídia, a gente não quer estar lá só como ator, a gente quer ser também o produtor, o roteirista, mas isto ainda é muito invisível.”
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