Criada nos anos 40, a personagem dos quadrinhos que virou ícone de beleza e sensualidade acaba de ganhar uma adaptação para o cinema. É a primeira vez que um longa sobre uma super-heroína é produzido por um grande estúdio – ao contrário do que aconteceu com Homem-Aranha, Batman e Super-Homem, que têm dezenas deles. Será o reflexo da luta pelo protagonismo feminino em Hollywood ou mais um reforço da imagem hipersexualizada da garota de shortinho? Marie Claire investiga o fenômeno e mostra como a figura da Mulher Maravilha evoluiu ao longo do tempo
31.05.2017 | POR FERNANDA MOURA GUIMARÃESNo filme Mulher Maravilha, que será lançado este mês nos Estados Unidos, Diana – interpretada pela israelense Gal Gadot – vê um homem pela primeira vez quando um piloto do Exército, Steve (Chris Pine), cai de avião na ilha onde mora. A garota vive em uma sociedade exclusivamente feminina e não sabe que, do outro lado do mundo, a Primeira Guerra Mundial arrasa a Europa. Ao descobrir seus superpoderes, assume o papel de heroína.
Há 76 anos, no auge da Segunda Guerra Mundial, em 1941, o desenhista William Moulton Marston apresentava a personagem ao universo HQ. Até então, não havia protagonista mulher nos quadrinhos, um universo historicamente machista. “A Mulher Maravilha foi inspirada pelas ideias que deram origem ao movimento feminista, como equidade de gênero e direitos políticos”, afirma Jill Lepore, historiadora de Harvard. Forte e independente, a figura era a favor da paz, lutava pelos proletários em greve e contra maridos dominadores. Em uma cena famosa dos quadrinhos, um namorado pergunta: “Anjo, quando é que vamos nos casar?”. Ela responde: “Apenas quando o mal e a injustiça desaparecerem da Terra”.
Girl Power
Autor de Wonder Woman Unbound: The Curious History of the World’s Most Famous Heroine, um dos livros mais populares sobre a Mulher Maravilha, o escritor Tim Hanley conta que a personagem inspirou várias gerações. A mais famosa talvez seja a feminista americana Gloria Steinem, que, em 1972, dedicou a capa inaugural da revista militante Ms. à heroína, sob o título: “Mulher Maravilha para presidente”. O editorial celebrava o ativismo da personagem. Mas, da mesma forma que teve o poder de ser exemplo para muitas mulheres, desagradou outras. Principalmente por sua representação física, com roupas justas, botas de couro de cano altíssimo, corpo curvilíneo e seios grandes. A imagem reflete muito mais um fetiche masculino do que a força e o poder de garotas de verdade. Sem contar o modelo intangível de mulher que representa, competente em todas as esferas sociais, inclusive na afetiva, onde sempre encontra um par romântico incrível. Os heróis Batman e Super-Homem também já se apaixonaram por ela. “Esta é uma crítica recorrente às super-heroínas: sempre jovens, magras e convencionalmente belas”, diz Roberta Garrett, professora de estudos culturais e gênero da University of East London. Um exemplo emblemático é a polêmica que aconteceu ano passado com a ONU. A personagem foi “nomeada” Embaixadora Honorária para o Empoderamento das Mulheres da Organização. Dois meses depois, uma petição assinada por mais de 45 mil pessoas, que alegavam que a escolha reforçava a objetificação da imagem feminina, fez com que fosse destituída do cargo.
Lynda Carter, a atriz que interpretou a personagem na série As Novas Aventuras da Mulher Maravilha, sucesso no fim dos anos 70, foi indiretamente responsável por aumentar a discussão entre feministas e entusiastas da heroína. Nunca entraram em consenso, mas começou aí uma nova obsessão em relação a ela: sua influência na moda e na beleza.
Outras heroínas na tv
Supergil
Em série exibida pela Warner Channel, Kara Zorel (Melissa Benoist), prima do Super-Homem, assume seus poderes para combater os criminosos.
Jessica Jones
Krysten Ritter vive uma heroína que abre a própria agência de detetives depois de se aposentar de seus superpoderes. Disponível na Netflix.
Ícone fashion
Muitos designers inspiraram-se em seu visual para criar itens e até coleções inteiras. Jean Paul Gaultier relança este mês um de seus perfumes mais clássicos, que leva o próprio nome, com a roupagem da Mulher Maravilha. Ano passado, a Valentino dedicou uma coleção-cápsula à heroína. Em 2011, a gigante de maquiagem M.A.C criou produtos inspirados na personagem. Apesar do apelo comercial, levou quase 80 anos até a Wonder Woman ser protagonista em Hollywood. “O problema é o machismo da indústria”, diz Tim Hanley. “Há uma crença ultrapassada de que personagens femininas não vendem. Esse longa e outros lançamentos, como Captain Marvel em 2019 (filme com uma heroína no papel principal), mostram que o mercado está mudando. Ainda bem”, finaliza. A responsabilidade de dar vida a um ícone desafiou Gal Gadot. “Me sentia como uma menina olhando para o Monte Everest tentando descobrir a melhor maneira de alcançar o topo.” Sentimento que a diretora, Patty Jenkins, também compartilha: “Há uma grande pressão e responsabilidade em fazer este filme. Espero que inspire as pessoas a serem suas heroínas e que elas se divirtam”.
O filme, aliás, é protagonizado, dirigido e produzido por mulheres. Patty Jenkins é a primeira da história a comandar uma produção de super-heróis e a segunda a dirigir um longa com orçamento de mais de US$ 100 milhões. Mulher Maravilha é um exemplo da força feminina que seu criador, William Marston, sempre defendeu. “Ela é a propaganda para o novo tipo de mulher que, acredito, deve dominar o mundo”, disse. E governá-lo foi justamente o que fez: a heroína foi eleita presidente dos Estados Unidos em uma edição dos quadrinhos de 1943 – porém apenas no ano de 3004. Esperamos que, pelo menos nas telas, o final da história seja bem diferente.