A série traz semelhanças e diferenças entre o racismo nos EUA e no Brasil
BEATRIZ SANZ
BEATRIZ SANZ
São Paulo 25 MAI 2017
Em fevereiro, a Netflix foi acusada nas redes sociais dos Estados Unidos de promover racismo. O motivo da revolta dos usuários foi a série Dear White People, que trata da questão racial. Criada por Justin Simien, tem seu roteiro baseado em um filme do próprio Simien, lançado em 2014 e trata da tensão racial vivida por alunos em uma grande universidade norte-americana. A grita dos espectadores se deu antes mesmo de Dear White People entrar no ar. A alegação dos assinantes da plataforma ao assistirem o trailer da série, que está disponível no catálogo desde o dia 28 de abril, é de que ela insinuava praticar racismo reverso com pessoas brancas. Isso acabou fazendo o trailer publicado no Youtube se tornar o mais assistido na história da Netflix.
Simien, que já afirmou em entrevistas que parte do roteiro é baseado na sua própria história, agradeceu o boicote, que acabou dando mais visibilidade à série, tornando-se, involuntariamente, uma campanha de marketing gratuita. Mas o que efetivamente incomodou o público norte-americano?
Atenção, spoiler. A série trata do cotidiano de jovens universitários em uma universidade de elite. A aluna de audiovisual Samantha White possui um programa de rádio, que leva o nome da série, onde critica atitudes dos alunos brancos da instituição, como uma festa de Halloween com o tema "Blackface", uma prática considerada discriminatória por pessoas negras.
Infinitas questões históricas, políticas e sociais fazem com que a realidade de um negro norte-americano seja muito diferente da de um brasileiro. Nos EUA, por exemplo, a população negra é 12% do total de americanos, enquanto no Brasil os negros são maioria: 54% se declaram assim, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
No entanto, também é possível traçar alguns paralelos. O primeiro aparece logo de cara e são os obstáculos que um jovem negro enfrenta na universidade. Na série, um professor branco afirma que todas as pessoas são iguais e é, prontamente, confrontado pelos alunos negros. No Brasil, são constantes casos de racismo nas universidades. Muitas também não possuem em suas grades conteúdos que trabalhem a história da população negra brasileira. Veja o caso do estudante de design Leonardo Rebello, por exemplo. Ele revela seu descontentamento com a forma que a questão é - ou na verdade, deixa de ser - tratada. Ele, por exemplo, relata que não se sente representado no ambiente acadêmico. "Durante o curso de design, não se fala sobre afrobrasilidade e África... É Egito e olhe lá, bem por cima! Eu como estudante, acabo tendo dificuldades pra propor discussões sobre o que de fato é o design brasileiro". Além disso, ele lembra que o corpo docente é majoritariamente composto por pessoas brancas.
Outro ponto em comum entre a realidade americana, retratada na série, e a brasileira: a violência policial contra negros. A série retrata em mais de um episódio, cenas de cidadãos negros sendo abordados de maneira desproporcional por policiais e relembra casos como o de Philando Castile, que foi assassinado por policiais em 2016 e teve sua morte transmitida ao vivo por sua esposa, que estava sentada ao seu lado. Do outro lado do Atlântico, brasileiros vivem situações muito parecidas. Segundo o relatório Violência Letal contra as Crianças e Adolescentes do Brasil, 29 crianças e adolescentes são mortos por dia, no país. Esses dados ainda revelam que a chance de um jovem negro ser vítima de homicídio é 178% maior do que jovem branco. Além disso, os números do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias de 2014 mostravam que a população carcerária brasileira é composta de 67% de negros.
A série de ficção também mostra o problema que muitas mulheres negras têm com sua autoestima e como essa realidade está sendo modificada aos poucos através de movimentos de "empoderamento". Assim como a personagem Coco, milhares de brasileiras passaram anos de suas vidas alisando os cabelos para que eles fossem considerados bonitos. Mas a aceitação de cachos crespos soltos e livres de produtos químicos fizeram uma verdadeira revolução no mercado pode ser acompanhada nas gôndolas de supermercados e lojas especializadas em produtos de beleza, com a diversidade cada vez maior de produtos para esse público.
A última analogia é o fato de ambas as sociedades terem dificuldades em se reconhecer enquanto racistas. A série mostra a dificuldade de diálogo que os negros enfrentam quando tentam denunciar episódios de racismo para pessoas brancas. Essa situação se repete no Brasil, como aponta uma pesquisa realizada pelo NUBE (Núcleo Brasileiro de Estágios), uma empresa de estágios utilizado especialmente por universitários, como os da série. Mais de 24% dos entrevistados afirmaram que uma conversa sobre raça é "desnecessária, pois somos todos iguais", ou seja, eles acreditam que não é importante falar sobre esse tema e outros 7% disseram que a discussão sobre racismo no Brasil “está se tornando um exagero e pode trazer consequências negativas no futuro”.
El País
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