Maddy Savage
BBC
28 maio 2017
Aos 32 anos, Amanda Lundeteg dirigia sua própria empresa e seria o exemplo perfeito da suposta igualdade de gênero na Suécia.
Lundeteg tem um diploma universitário em economia empresarial, começou sua carreira na área de finanças e já integrou os conselhos de administração de três empresas.
Mas a única razão pela qual a Allbright - a ONG que ela dirige - existe é para expor as limitações profissionais que as mulheres da Suécia enfrentam.
É verdade que o país oferece licenças remuneradas a pais desde a década de 1970. Também é o mais generoso do mundo quanto ao número de dias a serem compartilhados pelo casal como os filhos: 480 (ou cerca de 1 ano e 3 meses).
Como comparativo, no Brasil, a licença maternidade é de no mínimo 120 dias (quatro meses), podendo ser estendidos a 180 (seis meses), e a licença-paternidade mudou recentemente de 5 para 20 dias (mas, para ter direito ao período ampliado, a empresa em que o pai trabalha precisa estar vinculada ao Programa Empresa Cidadã, do governo).
As creches suecas também são largamente subsidiadas pelo Estado. Mas, na visão de Lundeteg, apesar de tudo isso, a Suécia é muito menos progressista do que muitos pensam.
"Somos muito bons achando que somos muito bons. Mas se você perguntar às mulheres na Suécia como elas se sentem, vão dizer que não estão satisfeitas", argumenta Lundeteg.
Estereótipos de gênero
A Suécia, onde mais de 80% das mães trabalham, ocupa a primeira posição entre as nações industrializadas em relação à igualdade de gênero no setor público, segundo dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Mas pesquisas da Allbright mostram que, no setor privado, a igualdade entre homens e mulheres está longe de ser realidade.
Em 2016, por exemplo, mais de 80% dos gerentes das empresas suecas que tinham ações negociadas na bolsa eram homens. E nenhuma companhia que abriu o capital neste ano era presidida por mulheres.
"É possível viver com igualdade de gênero na Suécia, mas não fazemos isso por causa da tradição", diz.
"Se você é homem, a sociedade espera que você trabalhe e leve comida para casa. Tem a ver com estereótipos e privilégios e isso levará muito tempo para acabar", completa.
Trabalho parcial
Estatísticas oficiais confirmam que mulheres respondem pela maior parcela dos pedidos de licença remunerada para cuidar dos filhos.
Também são mais suscetíveis a trabalharem em tempo parcial, diferentemente dos homens.
A igualdade de salários tampouco foi atingida.
A advogada sueca Camilla Dath tem um bebê de sete meses. Ela conta que quer permanecer 11 meses fora do trabalho, o mesmo tempo planejado por seu marido.
Mas Dath ressalva que isso pode não ser factível para outros pais, especialmente se um deles ganhar mais do que o outro, ou se trabalharem em empresas com visões antiquadas.
"Tenho amigos que trabalham em importantes bancos e para eles é mais difícil sair de licença paternidade", diz.
Em relação ao número de mulheres em cargos de direção, a maior discrepância ocorre nos setores tradicionalmente "masculinos", como manufatura e tecnologia.
Mas as pesquisas da Allbright sugerem que em setores como serviços financeiros e imobiliários houve avanços "significativos" nos últimos anos.
Recentemente, a imobiliária Heba, por exemplo, subiu 100 posições no ranking da Allbright depois de substituir vários de seus diretores homens por mulheres.
No entanto, o presidente da companhia, Lennart Karlsson, diz que a mudança não se aconteceu por causa da busca por maior igualdade de gênero.
"Para mim, o mais importante era a competência, competência e atitude, não o sexo. Mas mudei de opinião. A empresa funciona melhor com essa combinação", defende.
Correlação positiva
Lundetag está convencida de que a mudança também beneficia os negócios.
E para prová-la, cita vários estudos, incluindo um do Peterson Institute for International Economics, sediado nos Estados Unidos, que encontrou uma correlação positiva entre a presença de mulheres em cargos de direção e o desempenho das empresas.
Um vínculo que parece estar muito claro para políticos suecos, que estão impulsionando o que descreveram como o "primeiro governo feminista do mundo".
Em 2015, a coalizão que governa o país promulgou uma lei que incentiva os homens a aproveitar mais o tempo com os filhos recém-nascidos: eles passaram a ter direito a 90 dias de licença remunerada - se optarem por não desfrutarem do benefício, perdem a regalia.
"O que queremos ver a longo prazo é uma participação (na educação dos filhos) igual entre pais e mães. Mas temos que ir devagar, para que as famílias se adaptem às mudanças", explica Annika Strandhall, ministra da Segurança Social.
Opiniões divididas
Mas os suecos estão divididos sobre qual deve ser o papel do Estado na promoção da igualdade de gênero.
Em janeiro, o Parlamento rejeitou um projeto de lei que previa multas a empresas com ações negociadas na bolsa que não tivessem pelo menos 40% das mulheres em seus conselhos de administração.
Em outro desdobramento, os Democratas Suecos - o partido nacionalista que está em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto - assim como os Democratas Cristãos, votaram contra os 90 dias de licença obrigatória para os pais.
Eles alegam que não cabe ao Estado decidir como as famílias devem aproveitar esse benefício.
"Há uma pressão social para que todo mundo volte ao trabalho o mais rápido possível. Se ficasse em casa, nadaria contra a corrente", explica a australiana Simone French, que mora na Suécia.
French diz que gostaria de ficar em casa até que seu filho entrasse na escola. Mas acabou se ausentando do trabalho por apenas um ano, com medo de pressões dos chefes e da família.
"Meu instinto materno me dizia para ficar com meu filho. Não queria voltar ao trabalho. Conheci algumas mulheres suecas que pensavam o mesmo", conta.
Questão cultural
No entanto, aqueles que comemoram o avanço da Suécia rumo a uma sociedade completamente igualitária argumentam que, para equilibrar as responsabilidades familiares, seria necessário uma combinação de dois fatores.
Por um lado, dar aos pais e mães oportunidades iguais de criar laços com seus filhos quando ainda são pequenos, mas também dar oportunidades às mulheres para que possam progredir na carreira.
"Você se aproxima de seu filho, estabelece uma ligação maior", diz o sueco Andreas Lundvick.
Lundvick trabalha em um importante banco sueco, mas se afastou do trabalho para cuidar de seu filho de seis meses enquanto sua mulher estuda em período integral.
Ele não acredita que a decisão possa prejudicar sua carreira.
"Me sinto sortudo. Quando falamos com pessoas de outros países e ouço sobre a situação delas, quase sempre é a mãe que fica em casa com os filhos", diz.
"É uma questão cultural", conclui.
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