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terça-feira, 16 de maio de 2017

No Recife, construção de novo Plano de Mobilidade vai ouvir mulheres para avançar em questões de gênero

Em evento promovido pela Gênero e Número para discutir acesso da mulher à cidade, Prefeitura se compromete a ouvir demandas das mulheres, e vozes de diferentes setores problematizam o planejamento urbano atual

25/04/2017

O que é uma política de mobilidade com recorte de gênero? A pergunta esteve no centro do debate no evento “Gênero e Número no Recife: Dados e Acesso da mulher à cidade”, realizado na capital pernambucana, em abril. Duas semanas após a Secretaria de Planejamento Urbano da Prefeitura do Recife apresentar resultados da pesquisa Origem-Destino”, a Gênero e Número reuniu representantes da sociedade civil organizada, da iniciativa privada, da iniciativa pública e da academia em um evento gratuito para discutir o acesso à cidade levando em conta especificidades de gênero.

Na primeira mesa da noite (“Onde estão os dados que precisamos para debater e melhora a mobilidade nas cidades?”), estiveram a gerente de projetos do Porto Digital Cidinha Gouveia, o diretor-executivo de Planejamento da Mobilidade da Prefeitura do Recife, Sideney Schreiner, a gerente-geral de Cidadania para as Mulheres, Inamára Melo, e a mediadora Giulliana Bianconi. Além de apresentar dados do estudo que possui recorte de gênero e ouviu mais de 60 mil pessoas da capital e região metropolitana, Sideney afirmou que o Planejamento já iniciou uma conversa com a Secretaria da Mulher para que o órgão possa apoiar o novo Plano de Mobilidade que está em desenvolvimento. A novidade pode representar um avanço para o debate sobre demandas específicas trazidas pela mulheres ao poder público.

Para o diretor-executivo, os estudos feitos na pesquisa “Origem-Destino”, que incluem informações relevantes sobre como as mulheres se movimentam pela cidade para trabalhar e estudar, são “o eixo fundamental do Plano, a razão de a pesquisa ter sido desenvolvida”. Mas ele destacou que houve ainda oficinas participativas – já foram realizadas 18 até o momento, em diferentes comunidades – promovidas com o objetivo de ouvir necessidades da população em diferentes microrregiões. Nessa proposta de escuta aberta, a gerente-geral Inamára Melo afirmou que a Secretaria da Mulher também pretende mobilizar mulheres. “Queremos propor cinco encontros e intervenções com mulheres e grupos que discutem [mobilidade com recorte de gênero], para que a gente acolha contribuições para o Plano Diretor de Mobilidade, afirmou. Inamára tem a expectativa de que 2017 seja marcado por um salto neste debate.


Apesar do otimismo, ela reconhece que o planejamento urbano com perspectiva de gênero praticamente inexiste nas cidades brasileiras, já que a invisibilidade da mulher é só uma entre as muitas lacunas importantes dessa área. “Temos uma carência imensa de planejamento urbano como um todo, pois temos quase espaços de ‘não-cidades’, com a falta de calçadas, de parques, de espaços de convivência, e embora uma cidade boa para a mulher seja uma cidade boa para todo mundo é preciso a gente entender que há uma vivência dessa cidade que é totalmente diferente para as mulheres”, pontuou. Para ilustrar essa vivência, Inamára levou ao debate dados sobre violência e assédio contra a mulher: “86% das mulheres sofreram violência no espaço público, e 35% das mulheres [ouvidas pelo DataFolha, em São Paulo], disseram já ter sofrido assédio dentro do transporte público”, destacou.

Escalar soluções inovadoras
Para a gerente de projetos do Porto Digital Cidinha Gouveia, as soluções testadas no parque tecnológico em que trabalha, que alcançam toda a área do Recife Antigo, podem ajudar na formulação de políticas públicas e na identificação de soluções escaláveis para toda a cidade. Ela citou o exemplo das bicicletas compartilhadas, que teve o período-teste realizado no parque, e em seguida extrapolou a região. Cidinha levantou, em seguida, o debate sobre soluções mais simples, como os aplicativos que prestam serviço aos usuários de dispositivos móveis, auxiliando no deslocamento. “Eu, como mulher, gostaria de contar com aplicativos que me dessem mais informações sobre a cidade, sobre segurança, sinto falta de ter mais dados disponíveis sobre a cidade em um único lugar, para me orientar e me sentir mais segura nesse deslocamento.”

Acesso desigual em debate
A segunda mesa do evento (“Acesso da Mulher à Cidade”) foi marcada pelo confronto de ideias entre os debatedores, uma vez que o consultor de mobilidade Germano Travassos fez uma apresentação que desconsiderava a necessidade de se discutir a mobilidade com recorte de gênero. “A apropriação da cidade é uma questão de renda, e não uma questão de gênero”, disse. Os argumentos expostos por ele foram recebidos com indignação pela mediadora da mesa, a professora da Universidade Federal de Pernambuco Liana Cirne Lins, que fez duras críticas ao discurso do consultor, abrindo espaço para um debate que seguiu acalorado, e que contou com importantes contribuições da representante do Meu Recife, Camila Mendes, e da representante da Ong Action Aid, Ingrid Farias.

Liana frisou que os fatores renda e classe de fato são bastante relevantes, uma vez que quando se fala sobre violência contra a mulher, é importante entender que não se fala de uma mulher homogênea. “Essa mulher tem idade, tem classe, tem renda, tem cor”. A pesquisadora pontuou, no que “o debate de gênero não pode ser travado com lupa, pois estamos sempre trabalhando com um cenário político mais ampliado, onde seria necessária a articulação de todos os aspectos [ao se pensar política pública]. “Se a gente vai desenvolver uma boa ideia e deixa de olhar para um aspecto, essa boa ideia vai se perder, pois a gente precisa pensar pequenas soluções que se articulam com grandes problemas”.

Contrapondo-se ao discurso de Germano, Camila também ressaltou que, embora seja importante considerar a renda nesse debate, a perspectiva de gênero é imprescindível. “Não é preciso nenhum discurso rebuscado para justificar isso. Podemos falar sobre medo, pois quando a gente fala do acesso à cidade, falamos do medo de voltar para casa do medo de ficar em casa, a gente vive com medo. É difícil até mesmo estar nos espaços de debate, nessas conversas, pois vamos voltar pra casa, pegar ônibus”.

Usando como gancho o discurso da gerente Cidinha Gouveia, Camila afirmou que a percepção de risco não é apenas das mulheres que estão no transporte público, mas até mesmo de quem se desloca pela cidade em seus automóveis. “A classe média que anda de carro pra cima e pra baixo, ‘encapsularizada’, também sente medo, como demonstrou aqui a Cidinha quando falou do pânico pelo fato de um aplicativo poder levá-la para o meio da favela”, disse. E problematizou em seguida: favelas são espaços públicos também que devem ser ocupados, e que já são ocupados por muitas mulheres, mas que fazem isso sem qualquer qualidade dos serviços. ”

A ONG Action Aid, de acordo com a Ingrid Farias, tem buscado um espaço de diálogo constante junto a essas mulheres que se encontram em condição de vulnerabilidade maior exatamente por morar em comunidades carentes de serviço e de por parte do poder público. “O fato de a gente estar estruturado em uma sociedade patriarcal não deve ser desculpa para não vermos a não-garantia das políticas públicas, a precarização dessas políticas. A Action Aid acredita que a discussão do direito à cidade é transversal, e que por isso não adianta a gente discutir mobilidade se não discutir creche, iluminação, saúde”.

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