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terça-feira, 30 de maio de 2017

Aplicação da teoria da justiça de John Rawls para prevenção da criminalidade

Segundo John Rawls, o modelo de Justiça ideal é aquele proveniente de um acordo social entre os cidadãos. Saiba um pouco mais sobre sua Teoria da Justiça e como ela poderia ser aplicada no atual cenário de criminalidade brasileiro.
RESUMO: Analisa-se a possibilidade de a Teoria da Justiça, conforme proposta por John Rawls constituir-se como meio para prevenção da criminalidade. A teoria da justiça como equidade de John Rawls busca alternativas para melhor distribuição de bens e riquezas na sociedade. Em contrapartida, uma das maiores causas de ocorrência da criminalidade são fatores relacionados à desigualdade social. Por conseguinte, verifica-se que havendo a diminuição das desigualdades sociais, decorre a possibilidade da redução da criminalidade e, para que isto ocorra, é feita uma interação com as importantes reflexões apresentadas por John Rawls, principalmente quanto ao dever das instituições sociais em garantir os direitos básicos de igualdade e liberdade de cada indivíduo integrante da sociedade, de modo a não haver desarmonias nos interesse sociais. Esse diálogo entre a teoria da justiça com o ideal de prevenção da criminalidade leva a construção de uma relação eficaz com a finalidade comum de alcançar justiça através da realização dos direitos fundamentais.

INTRODUÇÃO

O presente estudo busca verificar a contribuição da teoria da justiça de John Rawls para a prevenção da criminalidade.
A importância do tema reside especialmente no fato de que é possível justificar a prevenção da criminalidade na ideia de justiça concebida por John Rawls, apresentada como uma resposta a diversas questões de ordem social que levam à pratica de crimes.
À vista disso, a justificativa da pesquisa realizada ocorre por ser o ideal de justiça o objetivo mais importante da organização social. E diante das gritantes desigualdades que assolam as sociedades, a necessidade de justiça se agiganta. As injustiças são responsáveis pelas instabilidades sociais, políticas, econômica e culturais, causando situações caóticas, como o progresso da criminalidade.
Assim, inicialmente explicam-se as causas que originam a criminalidade. No entanto, entendendo que questões criminais são demasiadamente complexas, todas capazes de gerar ampla discussão, uma vez que envolve diversas teorias motivacionais do crime, seguido de questões relativas a efetividade punitiva do Estado, proporcionalidade e necessidade da pena e sistema carcerário ineficientes,  as observações apontadas nessa parte inicial e no decorrer do trabalho se limita a aplicação da teoria da justiça apenas as causas relacionadas aos fatores sociais que podem desencadear o crime.  
Acredita-se que compreender as causas e trabalhá-las em sua origem, está se enfrentando a raiz da questão, atingindo indiretamente e definitivamente o objeto principal.
Em seguida é feita uma análise da teoria da justiça de John Rawls, apresentando suas principais convicções, com destaque para aquelas que contribuem significativamente ao trabalho.
Previamente salienta-se que a ideia de justiça é estruturada em John Rawls com base na liberdade individual e na igualdade ideal sendo decisiva para a implementação e a avaliação da justiça nas sociedades contemporâneas. 
E por esse motivo, se estabelece uma relação entre a teoria apresentada e as formas de prevenção da criminalidade, pois a teoria produz todo o embasamento, ou melhor, apresenta todos os princípios e valores necessários para resolver as adversidades produzidas pela sociedade, incluindo aquelas relacionados ao crime.
Desta forma, tem o Estado, elementos consistentes e equilibrados para desenvolver políticas públicas capazes de resolver os distúrbios enfrentados pelo meio social.
O objetivo deste esboço, portanto, é trazer uma reflexão inicial esperançosa, baseada em uma interação de estudos pertinentes das áreas de criminologia, filosofia e sociologia, sem o intuito de esgotar o tema, uma vez que possui conteúdo complexo, que pode levar a diferentes conclusões e buscando provocar, com honestidade, um desconforto proposital com relação à matéria, para que se possa pensar em utilizar-se dos melhores meios para alcançar a justiça material.

1 CAUSAS QUE ORIGINAM A CRIMINALIDADE

Observando a correlação de certas condições da vida social do homem com a perpetração do crime, infere-se que a criminalidade está vinculada a diversos aspectos, sendo os fatores sociais uma das causas que com maior freqüência são relacionadas aos motivos determinantes do crime.
No entanto, compete esclarecer que há diversas teorias para explicar o que gera a criminalidade.
Existem, por exemplo, linhas de pesquisa que buscam a causa do crime no indivíduo que o comete, seja do ponto de vista biológico, como as características físicas do criminoso, transmissão genética entre familiares do condenado e culpa da má nutrição pelo comportamento delituoso, bem como aquelas que procuram as causas do crime na psique do criminoso (VERGARA, 2016).
Apesar dessas teorias, há um consenso de que o meio em que o indivíduo vive é a resposta para o crime, indicando Penteado Filho (2012, p.174) que “a vertente sociológica da criminalidade alcança níveis de influência altíssimos na gênese delitiva.”
Portanto, as causas da criminalidade são formadas por fatores internos e externos. Todavia, serão abordados aqui apenas os fatores externos ou sociais delimitados ainda a aqueles mais citados, mais conhecidos pela sociedade.
São diversos os fatores externos ou sociais apontados como impulsionadores do crime como a pobreza, miséria, desemprego e subemprego, fome, falta de educação, deterioração da estrutura familiar, falta de formação moral, más companhias, etc (FARIAS JUNIOR, 2001, p. 58-59).
Pobreza e desigualdade social é há tempos considerada com uma patologia social e diversos são os estudos demonstrando como essa questão está na base do desvio social. Conforme expôs Álvaro Mayrink da Costa (1982, p. 478) “no enfoque sociológico, se a pobreza não é causa direta do crime, grande parte dos delitos vivenciados possuem inteira relação com as condições de pobreza existentes.”
As estatísticas criminais também demonstram haver uma proximidade entre pobreza e criminalidade. As causas da pobreza, como má distribuição de renda e desordem social, somente funcionam para inflar o sentimento de exclusão, revolta social e consequentemente, a criminalidade (PENTEADO FILHO, 2012)
Não obstante, importa ressaltar que o crime também é praticado por aqueles abastados, porém, as motivações destes não estão ligadas às injustiças individuais sofridas.
Além da pobreza, temos a fome como causa determinante de muitos delitos, como o furto famélico, impulsionado pela falta de alimentos. É o que demonstra, por exemplo, um julgado do Tribunal de Justiça de Rondônia:
APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO QUALIFICADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. SUBTRAÇÃO DE 06 (SEIS) SACOLINHAS DE AMENDOIM. ESTADO DE NECESSIDADE. HIPÓTESE DE FURTO FAMÉLICO. RECONHECIMENTO. ABSOLVIÇÃO. Inaplicável o princípio da insignificância na hipótese de furto qualificado, ante o maior grau de reprovabilidade da conduta. Impõe-se o reconhecimento do estado de necessidade do agente que subtrai 06 (seis) sacolinhas de amendoim de estabelecimento comercial, quando demonstrado, pelas circunstâncias e prova dos autos, que praticou o fato para mitigar a fome, que a subtração foi de coisa capaz de diretamente contornar a emergência, que não teve condições de evitar o comportamento lesivo, bem como diante da insuficiência dos recursos. (TJ-RO - APL: 00042714420158220000 RO 0004271-44.2015.822.0000, Relator: Desembargadora Ivanira Feitosa Borges, Data de Julgamento: 10/09/2015, 1ª Câmara Criminal, Data de Publicação: Processo publicado no Diário Oficial em 17/09/2015.) Grifos nossos
Outro fator relevante é a falta de educação ou sua baixa qualidade. Sabe-se que educação é um dos principais mecanismos de inclusão social, e a sua ausência ou insuficiência favorece o desvio para o mundo da criminalidade. É indiscutível a afirmação de que quanto pior os índices de educação, maior as taxas de criminalidade. Nessa perspectiva,
A educação e o ensino são fatores inibitórios de criminalidade. No entanto, sua carência ou defeitos podem contribuir para estabelecer um senso moral distorcido na primeira infância. Assim, a educação informal (família, sociedade) e a formal (escola) assumem relevância indisfarçável na modelagem da personalidade humana. (PENTEADO FILHO, 2012, p. 179)
Essas principais causas sociais da criminalidade apresentadas estão evidentes nos levantamentos feitos das características sociais dos presos nos sistemas penitenciários brasileiros e no perfil dos menores infratores que cumprem medidas socioeducativas.
Pelo último relatório do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), relativo a dezembro de 2014, apontou-se que os presos do sistema penitenciário brasileiro são majoritariamente jovens, negros, pobres e de baixa escolaridade. Os negros totalizam uma média aproximada de 67% dos presos e de acordo com os dados apresentados, oito em cada dez pessoas presas estudaram, no máximo, até o ensino fundamental.
O mesmo documento indica a natureza dos crimes pelos quais estavam presos, atingindo 27% dos detentos que respondiam ou foram condenados por crime de tráfico de drogas, 21% por roubo, 11% por furto e 14% por homicídio.
Além disso, um relatório sobre adolescentes em conflito com a lei, publicado em 2015 pelo Instituto de Pesquisa Econômica aplicada (IPEA), mostrou que o fenômeno contemporâneo do ato infracional juvenil está associado não a pobreza ou a miséria em si, mas, sobretudo, a desigualdade social e a dificuldade no acesso as políticas sociais de proteção implementadas pelo Estado.
De acordo com este levantamento, os menores infratores cumprindo medida socioeducativa de privação de liberdade são compostos por 95% do sexo masculino, 60% negros, 66% vivem em famílias extremamente pobres e 51% não frequentam escola. As principais infrações cometidas são roubo (40%) e tráfico de drogas (23,5%).
Interessante ressaltar ainda as perdas geradas pela criminalidade. Rodrigo Vergara (2016) apresenta um cálculo feito pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento que estima uma perda de 10% do PIB nacional para o crime, que dá em torno de 10 milhões de reais por ano. Em suas palavras,
O total das perdas causadas pela criminalidade é incalculável – como medir o valor de uma vida para os familiares de uma vítima de assassinato? –, mas, de um ponto de vista puramente monetário, um cálculo feito pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) dá uma idéia do impacto financeiro do crime no Brasil. Segundo essa estimativa, que leva em conta prejuízos materiais, tratamentos médicos e horas de trabalho perdidas, o crime rouba cerca de 10% do PIB nacional, o que dá mais de 100 bilhões de reais por ano. 
Com base na análise apresentada, fica claro que as desigualdades sociais ocasionadas pela miséria, pela falta de educação de qualidade, pelas diferenças de raça e ausência de políticas públicas estão diretamente associadas a criminalidade. 
Percebe-se, com isso, que não basta combater a criminalidade somente após o cometimento da infração através da ressocialização e recuperação do deliquente, mas é necessário erradicar as causas criminológicas, aquelas que motivam a incidência no crime (FARIAS JÚNIOR, 2001, p. 48).
Penteado Filho (2012, p. 137) entende que, para alcançar o verdadeiro objetivo do Estado de Direito, que é a manutenção da paz e da harmonia social, mostra-se incontestável adotar medidas que atinjam indiretamente o delito, asseverando que:
Em regra, as medidas indiretas visam as causas do crime, sem atingi-lo de imediato. O crime só seria alcançado porque, cessada a causa, cessam os efeitos (sublata causa tolitur efectus). Trata-se de excelente ação profilática, que demanda um campo de atuação intenso e extenso, buscando todas as causas possíveis da criminalidade, próximas ou remotas, genéricas ou específicas.
Assim, nota-se a importância das ações preventivas por parte do Estado para garantir a redução da criminalidade, embora ainda sejam pouco utilizadas, pois há um apelo excessivo para as medidas repressivas, para as ações diretas, que aparentam solucionar as questões criminais, mas apenas conseguem remediar o problema, o que não é o mais desejado nesses casos.
Todavia, reforça-se que a redução das desigualdades sociais não acabaria com a criminalidade por si só, uma vez que diversos fatores contribuem para o crime e não apenas as questões sociais, mas acredita-se, desde já, que aumentando o bem estar geral, priorizando a igualdade e a liberdade dos indivíduos, cria-se uma grande probabilidade de reduzir a pratica de crimes, desencadeando ademais, uma sucessão de reações favoráveis para a sociedade. 

2 TEORIA DA JUSTIÇA DE JOHN RAWLS

A justiça sempre foi tema de debate na sociedade. Grandes filósofos de diversas épocas buscaram a conceituação de justiça e várias foram as teorias para tentar explicá-la, sendo sempre associada à ideia de equidade.
A importância da justiça se dá primordialmente no fato de ser um elemento de equilíbrio entre os interesses individuais e o bem estar comum.
No entanto, os principais obstáculos ao desenvolvimento humano e social, intensificado pelo processo de globalização, são as desigualdades do mundo contemporâneo. E através dessas evoluções sociais, vinculou-se o justo à equidade econômica.
Em vista disso, num cenário em que cada vez mais se discute a desigualdade social e a necessidade de distribuição de renda equitativa, o filósofo norte-americano John Rawls apresenta uma nova visão de justiça, preocupado em buscar alternativas para uma melhor distribuição de bens e riquezas na sociedade.
Considerado como grande pensador social do século XX e sendo um autentico sucessor da matriz ideológica de Hobbes, Rousseau e Locke, cuja obra de maior importância, denominada “Uma Teoria da Justiça” criada em 1971 recebeu notável influência dos pensamentos de Kant, na tentativa de reformular o conceito de justo. 
Através da Teoria da justiça, Rawls busca esclarecer o contrato social, como devendo ser um consenso original visando inicialmente estruturar a sociedade com princípios de justiça para manter a segurança e a plena liberdade individual.
Contudo, pensar em justiça e dá-la um conceito absoluto é uma tentativa fracassada, uma vez que a mesma carrega em si um caráter eminentemente ideológico. Chaïm Perelman (1996, p.03) adverte que não existe uma única concepção de justiça, sua noção pode variar no tempo e no espaço, comportando modificações de acordo com os valores sociais em que esta inserida.
Mas pode se extrair da noção de justiça, um núcleo intangível, com certo consenso em algumas convicções sobre o tema.  Rawls, na construção da sua teoria de justiça apresenta a ideia de justo a um mínimo inviolável para viabilizar a convivência harmônica em sociedade.  Nesse sentido, expõe que os direitos fundamentais do ser humano estão assegurados pela justiça:
Cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem mesmo o bem-estar da sociedade como um todo pode ignorar. Por essa razão, a justiça nega que a perda da liberdade de alguns se justifique por um bem maior partilhado por outros. Não permite que os sacrifícios impostos a uns poucos tenham menos valor que o total maior das vantagens desfrutadas por muitos. Portanto numa sociedade justa as liberdades da cidadania igual são consideradas invioláveis; os direitos assegurados pela justiça não estão sujeitos a negociação política ou ao calculo de interesses sociais. A única coisa que nos permite aceitar uma teoria errônea e a falta de uma teoria melhor; de forma análoga, uma injustiça é tolerável somente quando é necessária para evitar uma injustiça ainda maior. Sendo virtudes primeiras das atividades humanas, a verdade e a justiça são indisponíveis. (RAWLS, 2000, p. 4)
Dessa forma, apesar de o conceito de justiça ser variável, há um núcleo fundamental a seguir, que hoje pode ser identificado com os direitos fundamentais assegurados a todo ser humano.
Segundo John Rawls, o modelo de justiça ideal é aquele proveniente de um acordo social entre os cidadãos. Em seu estudo teórico, os indivíduos, reunidos em uma situação inicial, chamada por ele de “posição original”, ignoram todas as circunstâncias anteriores a essa situação hipotética, inclusive seus dotes naturais e status social, para a partir de então, estabelecer os princípios justos a reger a vida social.
Esse estado de desprezar heranças sociais e acasos naturais é concebido como “véu da ignorância”, necessário para não favorecer e nem prejudicar ninguém, colocando todas as pessoas em um patamar semelhante, sem condições de definir algum direito que privilegie sua condição particular.
Somente dessa forma seria possível definir parâmetros de justiça, que dada por uma negociação e acordos equitativos, estabelece uma condição inicial de igualdade, no qual, juntamente com a liberdade, são considerados por John Rawls como valores invioláveis para definir quais os princípios necessários para uma sociedade justa.
Esse é a pensamento principal da obra de Rawls, apresentando a justiça como uma ideia de equidade, afirmando que:
Todos os valores sociais - liberdade e oportunidade, renda e riqueza, e as bases sociais da auto-estima - devem ser distribuídos igualitariamente a não ser que uma distribuição desigual de um ou de todos esses valores traga vantagens para todos. (2000, p.66)
Bittar e Almeida (2005, p. 389), analisando a obra do John Rawls, afirmam que se trata de uma verdadeira teoria da justiça como equidade, com a peculiaridade da mesma se dar no momento inicial em que se definem as premissas com as quais se conceberão as estruturas institucionais da sociedade. E ainda,
O que motiva a formação da teoria da justiça como equidade não é uma atenção especial pelo indivíduo e seu poder de ação voluntária e ética, fundada no hábito, mas uma preocupação com o coletivo, com o público, com o institucional; aqui estão os elementos para a compreensão da exata dimensão da abrangência da teoria de Rawls. (Idem ibdem, p. 403)
Intente frisar, no entanto, que Rawls entende não haver injustiça na existência de uns mais ricos do que outros, desde que todos concomitantemente melhorem a própria situação.
Esse aspecto se ajusta perfeitamente ao ideal capitalista, que é inevitável nas sociedades modernas, tendo na democracia a importante condição de ordem social e mútuo desenvolvimento.
Com efeito, a justiça como equidade seria definida por uma sociedade de cooperação onde todos os indivíduos aceitam e conhecem os princípios de justiça, dado que, as instituições aplicam os mesmos, de modo a gerar reciprocidade entre todos os membros da sociedade.
Ademais, Rawls defende que a justiça é a virtude primeira das instituições sociais, de modo que, as leis e as instituições que não forem justas, por mais eficazes que sejam, devem ser reformuladas e abolidas (RAWLS, 2000, p. 3-4).
Neste âmbito, o papel das instituições sociais é garantir o equilíbrio entre os direitos e deveres básicos a cada indivíduo integrante da sociedade, para que não exista desarmonia nos interesses sociais. Nessa medida:
[...] pensar a justiça com John Rawls é pensar em refletir acerca do justo e do injusto das instituições. Qual seria a melhor forma de administrar a justiça de todos senão por meio das instituições sociais? Não se quer tratar do fenômeno na esfera da ética de cada indivíduo, da ação humana individualmente tomada, das concepções plúrimas que se possam produzir sobre a justiça, o que não deixa de ser considerado relevante; quer-se, pelo contrário, disseminar a ideia de que a justiça das instituições é que beneficia ou prejudica a comunidade que a elas se encontra vinculada. Uma sociedade organizada é definida exatamente em função da organização de suas instituições, sabendo-se que estas podem ou não realizar os anseios de justiça do povo ao qual se dirigem. (BITTAR E ALMEIDA, 2005, p. 390-391)
Essa questão, de como os direitos e deveres são distribuídos na sociedade é o cerne da teoria apresentada, é o que importa para a justiça social.
Prosseguindo, conforme explanado, a igualdade e a liberdade são vistas como valores fundamentais dos ideais de justiça. John Rawls apresenta-os, dessa forma, em dois princípios, definidos com a seguinte condição:
Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para as outras.
Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos. (RAWLS, 2000, p.64)
Através do primeiro princípio que trata das liberdades pode se depreender que, para que exista a justiça, é necessária a garantia de acesso aos direitos fundamentais a todos, sendo alguns dos mais importantes, os direitos políticos, direito a propriedade privada, proteção contra a prisão e detenção arbitrárias, liberdade de consciência e pensamento, dentre outras.
Já o segundo princípio assevera que as desigualdades sociais e econômicas devem trazer o maior benefício para os menos favorecidos e vincular a todos, condições de igualdade de oportunidades.  Ainda,
[...] o segundo principio se aplica a distribuição de renda e riqueza e ao escopo das organizações que fazem uso de diferenças de autoridade e de responsabilidade. Apesar de a distribuição de riqueza e renda não precisar ser igual, ela deve ser vantajosa para todos e, ao mesmo tempo, as posições de autoridade e responsabilidade devem ser acessíveis a todos. Aplicamos o segundo principio mantendo as posições abertas, e depois, dentro desse limite, organizando as desigualdades econômicas e sociais de modo que todos se beneficiem. (RAWLS, 2000, p. 65)
Importante frisar que estes princípios devem ser aplicados em uma ordem, de modo que o primeiro seja prioritário ao segundo, o que significa dizer que não se justifica violar o principio da liberdade em prol de obter maiores vantagens sociais e econômicas. Somente é possível aceitar a limitação a uma liberdade básica em prol de outra liberdade (RAWLS, 2000, p.64).
Registra-se que para Rawls somente através desses princípios os indivíduos conseguiram chegar a um acordo e alcançar uma sociedade ordenada:
[...] uma sociedade e bem-ordenada não apenas quando esta planejada para promover o bem de seus membros mas quando e também efetivamente regulada por uma concepção publica de justiça. Isto é, trata-se de uma sociedade na qual (1) todos aceitam e sabem que os outros aceitam os mesmos princípios de justiça, e (2) as instituições sociais básicas geralmente satisfazem, e geralmente se sabe que satisfazem, esses princípios. (RAWLS, 2000, p.5)
Nessa linha de raciocínio, Bittar e Almeida (2005, p.395) comentam que
São esses princípios os reguladores de toda atividade institucional que vise distribuir direitos e deveres, benefícios e ônus. O primeiro princípio define as liberdades, enquanto o segundo princípio regula a aplicação do primeiro, corrigindo as desigualdades. Sendo impossível erradicar a desigualdade entre as pessoas, o sistema institucional deve prever mecanismos suficientes para o equilíbrio das deficiências e desigualdades, de modo que estes se voltem em benefício da própria sociedade.
A missão desses dois princípios, portanto, é fazer com que todos participem da melhor forma possível das estruturas sociais, facilitando a manutenção da organização da sociedade. Se a estrutura cooperativa da sociedade é justa e possui meios para se manter, é possível afirmar que há espaço para realizações pessoais, sempre pensando em melhorar a condição do outro e respeitar as condições impostas pelo pacto para a preservação de todos (BITTAR E ALMEIDA, 2005, p. 398).
Destaca-se, ainda, que aliado ao compromisso das instituições sociais em manter as condições de igualdade e liberdade, está o encargo dos indivíduos que pactuaram o acordo original em ter um senso de justiça, para a partir dos princípios já estabelecidos, definir outros conceitos morais, mantendo e fortificando a estabilidade organizacional da sociedade.
Rawls (2000, p. 156) explica que, quando as partes reconhecem os princípios acordados e tem uma certificação pública entre eles desse fato, presume-se que essa condição assegura a integridade do acordo feito na posição original, uma vez que se sabe não sê-lo em vão, estarão comprometidos em garantir o respeito a esses princípios através de sua capacidade para um senso de justiça. Nestes termos:
Uma característica importante de uma concepção da justiça e que ela deve gerar a sua própria sustentação. Seus princípios devem ser tais que, quando são incorporados na estrutura básica da sociedade, os homens tendem a adquirir o senso de justiça correspondente e desenvolver um desejo de agir de acordo com esses princípios. (RAWLS, 2000, p.148)
Desse modo, agir de acordo com os princípios, reconhecendo com o tempo que a estrutura básica da sociedade os satisfazem, gera nas pessoas sujeitas a essas ordenações a tendência em desenvolver um desejo de agir de acordo com os mesmos (Idem ibdem, p. 192).
Percebe-se, assim, a importância dos indivíduos terem esse senso de justiça, de modo a gerar um beneficio a todos através dessa cooperação social. E isso garante a aceitação do sistema, pois está sendo favorável as pessoas, que tendem a defender e apoiar qualquer coisa que assegure o seu próprio bem.
Essa teoria da justiça desenvolvida por Rawls teve também como objetivo formular uma alternativa a teoria utilitarista que dominou o pensamento político anglo-saxão. Para Rawls (2000, p. XIV), o utilitarismo não era capaz de suprir o fundamento das instituições da democracia constitucional, pois existem demandas individuais que não podem ser ignoradas, em razão de não ser justo passar por cima de certas exigências individuais em prol da felicidade da maioria.
Tal pensamento coaduna-se com as suas demais observações, na medida em que os seres humanos são detentores de direitos individuais fundamentais invioláveis, que devem ser observados primordialmente na distribuição da justiça social.
Desta forma, feita essas considerações sobre a teoria da justiça de John Rawls, evidencia-se que, mesmo em sociedades democráticas, poucas conseguiram ou buscam almejar as ideias disseminadas na obra analisada, seja por interesses opostos ou por falta de persistência, dado ser um trabalho intenso e em longo prazo.
Independente das dificuldades na aplicação prática, trata-se de uma teoria em potencial que traz medidas essenciais para as sociedades contemporâneas e como se verá por fim, tem idoneidade suficiente para solucionar diversos problemas sociais, como a questão da criminalidade que inquieta governantes e governados nesse meio.  

RECONHECIMENTO DA EXPRESSIVA INFLUÊNCIA DA TEORIA DA JUSTIÇA PARA A PREVENÇÃO DA CRIMINALIDADE

A criminalidade é um dos maiores problemas enfrentados pelo Estado. Muito se busca encontrar formas de diminuí-la, uma vez que eliminá-la é um pensamento extremamente utópico, até mesmo porque existem fatores dos quais o Estado não tem controle.
Mas quanto ao papel do Estado, delimitando-o nesse estudo as ações preventivas relacionadas a fatores sociais, tendo em vista que são diversas as ações possíveis capazes de contribuir para uma melhoria de todo o sistema penal já existente, entende-se ser seu encargo prezar pelas condições ideais de justiça, de modo a reduzir as taxas de violência.
Como se sabe, muitas sociedades modernas são construídas através de ideologias essencialmente econômicas, e por esse motivo, acredita-se que a explicação para o comportamento criminal deve ser investigada na falência da sociedade em suprir todos os membros com bens adequados e essenciais.
Por certo, não é apenas a redução das desigualdades sociais que irá extirpar a criminalidade, mas considera-se que sua redução contribuirá extraordinariamente para o atenuamento dos crimes, pois deve se ter em mente que reduzir as desigualdades sociais é melhorar a qualidade de vida das pessoas, o que afeta diversos setores da vida de cada indivíduo. Por esse ângulo, afirma Penteado Filho (2012, p.138) que
[...] da mesma forma que o meio pode levar o homem à criminalidade, também pode ser um fator estimulante de alteração comportamental, até para aqueles indivíduos com carga genético-biológica favorável ao crime. Nesse aspecto, a urbanização das cidades, a desfavelização, o fomento de empregos e reciclagem profissional, a educação pública, gratuita e acessível a todos etc. podem claramente imbuir o indivíduo de boas ações e oportunidades.
Contudo, Greco (2009, p. 144) manifesta que
[...] entendemos ser possível reduzir, e não eliminar, a criminalidade tida como aparente a partir do momento em que o Estado assumir a sua função social, diminuindo o abismo econômico existente entre as classes sociais. No que diz respeito à criminalidade não aparente, praticada, como regra, pelas camadas sociais mais altas, a questão em jogo é de caráter moral, não tendo o Estado condições para impor tais atributos às pessoas que não pensam no seu próximo, não se preocupam com as cenas veiculadas pelos meios de comunicação de massa, que anunciam crianças morrendo de fome, idosos padecendo em filas de hospitais em busca de atendimento; enfim, cidadãos destituídos de dignidade porque o Estado retirou aquilo que lhes restava.
Através dessa exposição, que também relata a questão da criminalidade não aparente, ou seja, aquela que não está relacionada a fatores sociais e sim a aspectos morais e éticos, é possível aplicar a teoria da justiça de John Rawls em duas vertentes:
Primeiro, quando se tratar de crimes cujos fatores estão ligados as desigualdades sociais, devem as instituições sociais, ou seja, o Estado, prezar pela aplicação dos princípios da liberdade e da igualdade propostos por Rawls, uma vez que são as instituições que exercem o papel principal na busca pela justiça, conforme leciona este grande filósofo.
Quanto aos casos em que a criminalidade é motivada por caráter imoral, que não está associada à ideia de desigualdade social, seria possível aplicar a teoria de Rawls baseada na consciência do acordo social pactuado por cada cidadão, no qual se estabelece o senso de justiça derivado dos princípios básicos do contrato original para formular novos conceitos morais que busque o bem estar de todos.
Se cada indivíduo atuar no meio social de acordo com o senso de justiça, não haverá criminalidade praticada com razões imorais, pois antes de agir, estará preocupado com o próximo, com o bem comum e consequentemente o inibirá do crime. Isso decorre do pacto acordado, que tende a estabilizar as ordenações justas, pois todos estão acordados dessa maneira. Nesse sentido:
Observamos que, numa sociedade bem-ordenada, o conhecimento público de que os cidadãos geralmente tem um senso de justiça efetivo constitui um valor social muito grande, que tende a estabilizar as ordenações sociais justas. (RAWLS, 2000, p. 372)
No entanto, trata-se mais de uma vontade de cada indivíduo em se adaptar a ideia de justiça social e as regras de moral e ética, uma vez que o Estado não tem condições de impor tais atributos às pessoas que não possuem senso de justiça.  
Merecido destaque deve ser dada a influência da teoria da justiça para combater as desigualdades sociais através das políticas públicas a serem implementadas pelas instituições sociais.
Como afirma Amartya Sen (2011, p.34), assim como John Rawls, a justiça deve ser argumentada racionalmente, buscando meios efetivos e racionais para a solução dos problemas que atingem a sociedade, asseverando que pensar de modo contrário é estar fadado a cometer injustiças. De forma a evitar tal infortúnio, exemplifica que
Quando deparamos, por exemplo, com uma alastrada fome coletiva, parece natural protestar em vez de raciocinar de forma elaborada sobre a justiça e a injustiça. Contudo, uma calamidade seria um caso de injustiça apenas se pudesse ter sido evitada, em especial se aqueles que poderiam ter agido para tentar evitá-la deixaram de fazê-lo. Qualquer que seja o raciocínio argumentativo, ele só pode intervir partindo da observação de uma tragédia e chegando ao diagnóstico da injustiça. Além disso, casos de injustiça podem ser muito mais complexos e sutis que a estimação de uma calamidade observável. Poderia haver diferentes argumentos sugerindo diversas conclusões, e as avaliações sobre injustiças podem não ser nada óbvias. (SEN, 2011, p. 34)
Chama a atenção nessa citação, a proposta de que uma calamidade só é um caso de injustiça se pudesse ter sido evitada, se enquadrando exatamente no tema proposto, dado que as desigualdades sociais podem ser evitadas e só existem porque o Estado é omisso na sua solução.
Com base nessa percepção, fica claro que o melhor caminho para a redução e prevenção da criminalidade se encontra no Estado reconhecer que as desigualdades sociais são causas originarias do crime e combatê-las através de políticas publicas específicas, capazes de efetivamente proporcionar a justa liberdade e igualdade de direitos de modo que as pessoas sintam possuir um mínimo de dignidade no meio em que vive.  
Aderindo a essa diretriz, o Escritório das Nações Unidas sobre Droga e Crime publicou um Manual de diretrizes de prevenção à criminalidade como forma de apoio aos países na articulação de padrões e normas aplicáveis tanto na prevenção da criminalidade como da justiça criminal. Abordando o importante papel dos Governos na prevenção da criminalidade, o manual aponta caminhos para essa atuação, nos seguintes termos:
[...] já que os factores que facilitam o aumento ou a diminuição do crime e a violência se encontram estreitamente ligados a muitos dos aspectos sociais, económicos e ambientais, os escalões de governo não podem confiar unicamente num sistema de lei e justiça criminal para garantir a segurança dos cidadãos. As parcerias multissectoriais entre os ministérios, tais como as responsáveis pela habitação, saúde, educação e emprego, recreação, serviços sociais e o meio-ambiente, assim como o sector da polícia e a justiça, podem fazer uma diferença significativa nos níveis de crime, através de estabelecerem estratégias de dinâmica proactiva em vez de reactiva, de modo a impedir o crime e a vitimização. (UNODC, 2010, p. 19)
Veja-se que a orientação está voltada para a prevenção do crime em conjunto com a sua repressão, de modo que um conjunto de medidas possam garantir a eficácia das políticas públicas nesse âmbito.
Por fim, é possível verificar que segundo indicações presentes no citado manual, o investimento em programas de prevenção tem melhor custo-benefício, apresentando custos mais baixos a longo prazo do que intervenções ao nível da justiça criminal.
Dessa forma, se nota que a teoria da justiça formulada por John Rawls possui expressiva relevância para a prevenção da criminalidade, umas vez que traz subsídios que inclusive vem sendo aplicados suavemente nas sociedades. O importante é reconhecer que a redução das desigualdades sociais tem condições de proporcionar uma convivência pacifica e harmoniosa e trabalhar as políticas públicas pautadas nos princípios da liberdade e igualdade propostas por Rawls para que alcancem esse ideal.

CONCLUSÃO

Analisar a teoria da justiça de John Rawls e fazer uma reflexão compartilhada com a criminalidade, através de seus principais ensinamentos é uma iniciativa inaugural de demonstrar os benefícios mútuos para alcançar o fim comum da sociedade.
Rawls é o pensador contemporâneo que mais influencia as discussões sobre justiça, e mesmo sendo difícil conceber uma teoria que seja amplamente aceita, ele logrou encontrar soluções que abarcam os grandes problemas sociais, definindo o que é justo ou não.
Apesar de serem ideias de árdua aplicação prática, causam a sensação de que existe um meio, um recurso para modificar as condições sociais atuais, principalmente quanto ao tema exposto.
Nos dias atuais, a preocupação com a criminalidade atinge todas as camadas sociais, que vem sofrendo com os intentos diários contra os direitos e liberdades daqueles que desconhecem as causas da violência.  
Dessa forma, buscar através das políticas públicas, de ações afirmativas, diminuir as desigualdades sociais é uma solução aparentemente efetiva e pregada por várias ideologias políticas e socioeconômicas, principalmente por apresentar o melhor custo beneficio a longo prazo.

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