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domingo, 21 de maio de 2017

Traição financeira: mulheres falam sobre golpes que sofreram dos companheiros

Quando duas pessoas decidem compartilhar a vida, há muito amor, mas poucas conversas sobre dinheiro. Ser enganada em relação a dívidas e investimentos pode ser tão cruel quanto uma infidelidade. Três mulheres falam sobre os golpes que sofreram e como deram a volta por cima

21.05.2017 - POR DOLORES OROSCO E MARIANA AMARO

Do fim do namoro com o advogado carioca Daniel*, 26 anos, a dermatologista paulistana Claudia*, 28, diz ter superado quase todo o ressentimento. Já não dói mais recordar as brigas, nem o fato de Daniel tê-la traído com uma amiga. Quatro anos após o rompimento, Claudia guarda uma única mágoa. Por causa de mentiras sucessivas do ex, ela perdeu R$ 80 mil.

Tanto Claudia quanto Daniel moravam com os pais no início da relação, que durou três anos. Ganhando um salário maior, a dermatologista queria alugar um apartamento para viver sozinha. “Meu ex me convenceu que aluguel era dinheiro jogado fora e que deveríamos comprar um apartamento juntos”, conta. “Achei precipitado, mas embarquei na ideia. Estava apaixonada!” O casal procurou imóveis na planta, até se decidir por um de R$ 200 mil, em São Paulo. O plano era parcelar metade da dívida na construtora e financiar a outra em um banco. Foi aí que o sonho começou a virar pesadelo.

Os boletos das parcelas chegavam e o advogado nunca pagava a parte dele. “Ele começou a economizar para montar o próprio escritório. Fui compreensiva, porque o Daniel havia sido contratado para uma grande causa e, em alguns meses, receberia R$ 100 mil. Com esse dinheiro, me prometeu que quitaria o apartamento.” No entanto, assim que obteve o pagamento, o ex comprou um carro importado, além de um relógio e ternos de grife. “O Daniel gastou quase tudo, alegando que um advogado precisa investir na autoimagem. Fiquei furiosa!”, recorda. “Passamos a ter discussões horríveis e o namoro azedou.”

Claudia seguiu pagando as parcelas, até que chegou o momento de fazer o financiamento no banco, para pagar a outra metade do imóvel. Depois de levar toda a papelada à agência, a dermatologista teve o empréstimo negado. “Daniel me escondeu que estava com o nome sujo por causa do carrão que havia comprado. Sem o financiamento do banco, perdemos o apartamento. Por contrato, a construtora só me devolveu 25% do valor pago até então”, conta. “Foi muito doloroso, não tive como per­doá-lo. Uns meses depois, descobri que ele havia tido um caso com uma amiga minha, quando ainda namorávamos. Fiquei chateada, mas foi uma dor bem menor.”

A comparação não é nem um pouco exagerada. Segundo a psicóloga Maria Alves Toledo, do grupo de pesquisa Sexualidadevida da USP, uma traição financeira pode ser bem pior do que flagrar o parceiro com uma amante. “A sensação de ter sido enganada e de ter ouvido mentiras é a mesma. Ainda mais se a quantia for alta ao ponto de causar danos ao patrimônio do casal”, explica. “A confiança fica seriamente abalada e aí, por mais que se ame, fica difícil manter o amor e o romance.” Um estudo da Universidade do Kansas, de 2012, mostrou que discussões entre marido e mulher causadas por dinheiro são mais intensas e com linguagem mais ofensiva do que por qualquer outro motivo.

Ele perdeu nossas economias em ações e penhorou minhas joias para pagar as dívidas"
Helena, 39, gerente de marketing

Donas do próprio salário
O advogado Luiz Gevaerd, especialista em pactos pré­-nupciais, diz que, para nós, mulheres, o problema é ainda mais difícil. “Até 20 anos atrás, as moças saíam da casa dos pais para casar. Por mais que cuidassem do orçamento doméstico, não tinham o controle de quanto dinheiro entrava e saía, pois era o marido quem trabalhava fora”, afirma. “Ainda hoje, é comum encontrar mulheres que não têm ideia de para onde vai o próprio salário, já que é o companheiro quem faz os investimentos.”

É o caso da gerente de marketing baiana Helena*, 39. Ela e o marido, o executivo Antonio*, tinham uma conta conjunta administrada por ele. “Um dia tive que fazer um empréstimo no banco, para pagar uma dívida da minha mãe. Não quis contar para meu marido para não preocupá-lo, seria uma quantia baixa, de R$ 5 mil, que pretendia pagar em breve.” Na agência, Helena foi impedida de fazer a operação, pois o marido já havia pego R$ 100 mil emprestados. “Achei que devia ser um engano, mas o gerente me mostrou os extratos que comprovavam a movimentação.”

Helena foi tirar satisfações com o parceiro e entrou em choque. Antonio admitiu esse e outros investimentos malsucedidos. “Ele confessou que tinha perdido dinheiro no mercado de ações e, além dos empréstimos, tinha penhorado até as minhas joias”, afirma. “Naquela noite, dormimos separados pela primeira vez em dez anos de casamento.”

O casal contratou um planejador financeiro para conseguir acertar as contas e foi para a terapia tentar dar fim à crise que tomou conta da relação. No entanto, um ano depois, se separou. “Nosso filho era pequeno e eu não consegui perdoar o fato de o Antonio ter colocado em risco o futuro da criança. Eu jamais pegaria as coisas dele escondido, como fez com minhas joias. Perdi a confiança.”

O advogado Luiz Gevaerd defende que não pode haver ingenuidade na vida financeira, por mais sólida que seja a relação. “Quando o relacionamento vai bem, as promessas são incríveis e parece errado pensar que tudo pode acabar. Mas ser prática pode evitar muita dor de cabeça no futuro”, diz. Nos pactos pré-nupciais que elabora para os clientes, o advogado sempre aconselha a separação total de bens.

Gevaerd cita como exemplo um dos documentos que ajudou a preparar para um jovem casal, que estava prestes a oficializar a união. O acordo previa que, caso a esposa deixasse a carreira para cuidar dos filhos, o marido se comprometeria a pagar uma pensão no valor do último salário dela, corrigido pela inflação durante três anos ou até que voltasse a trabalhar. “Falar sobre dinheiro com o parceiro ainda é tabu, mesmo para a nova geração de mulheres. Por mais que sejam independentes, elas são responsáveis por cuidar dos filhos em caso de separação. O marido apenas envia uma pensão e alguns ainda acham que é muito.”

D.R. financeira
Para o educador financeiro Conrado Navarro, autor de Vamos Falar de Dinheiro? (Novatec, 240 págs., R$ 45), há desatenção feminina nas contas em comum. Mas os homens também têm sua parcela de culpa. “Em geral, os maridos dificultam o acesso da mulher às finanças do casal. Principalmente quando cometem erros na administração das dívidas. Preferem esconder da parceira, pois têm vergonha de parecer fracos”, opina. Segundo Navarro, também é nocivo para o casal agir como se vivesse em uma “república estudantil”, onde cada um ganha seu salário e divide as contas igualmente, sem nenhum grande plano compartilhado. “Quando alguém ganha mais, deve contribuir proporcionalmente ou aceitar uma diminuição no padrão de vida, para não prejudicar o outro”, explica.

A jornalista econômica paulista Nathalia Arcuri, 34, dona do canal Me Poupe, no YouTube, sempre falou abertamente sobre dinheiro com seus parceiros. O hábito de colocar todos os gastos na ponta do lápis incomodava seu ex, que a chamava de “muquirana”. “A maioria das mulheres não conversa sobre dinheiro no início do romace para não parecer interesseira. Depois fica nessa posição de deixar o homem pagar por tudo porque é conveniente. Aí, quando descobre que o cara tem um investimento ‘secreto’ ou uma dívida enorme, coloca toda a culpa nele”, diz.

Cartão de crédito
A nutricionista paulista Letícia*, 41, decidiu acabar com seu casamento depois de abrir a correspondência bancária do marido e descobrir que era enganada. A traição estava justamente no fato de seu parceiro, com quem estava havia dez anos, ter aquele cartão sem que ela soubesse. “Tínhamos uma conta conjunta. Tudo o que eu ganhava depositava ali para comprar nossa casa. Tinha certeza de que ele fazia o mesmo, pois era o combinado, realizaríamos o sonho juntos”, conta Letícia. Ao confrontar o ex, a nutricionista perdeu o chão. “Ele jogou na minha cara que tinha um salário maior e que sempre havia colocado mais dinheiro que eu na poupança. Isso lhe dava o ‘direito’ de ter um cartão escondido e gastar bem mais que eu.” Letícia aprendeu com a experiência ruim – a relação terminou meses depois. Com o atual namorado, fez questão de ter uma conversa honesta sobre as despesas e os investimentos que fazem juntos, assim que a relação começou a engrenar. Foi surpreendida com o fato de ele também ter passado por um dilema financeiro. “A ex dele se recusava a dividir as contas, pois achava que era uma obrigação masculina. Então ele achou bacana que eu tocasse no assunto, para deixar tudo às claras e evitar uma decepção entre a gente.” A nutricionista aprendeu que, para começar a falar sobre dinheiro com o parceiro, basta tomar a iniciativa. Com um diálogo sincero e paciente, como deve ser sempre entre pessoas que se amam.

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