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domingo, 6 de maio de 2018

Na natureza, as coisas são o que são, e as crianças também

Dal Marcondes  09/04/2018
por  Por Maria Helena Masquetti, do Instituto Alana – 
Da janela do escritório, olhando o céu escurecido e prestes a desaguar num temporal, comentamos, entre colegas, sobre a impotência humana diante da natureza. E pensamos então na educação das crianças e na diferença possível entre as que passam mais tempo ao ar livre e as que estudam ou brincam em ambientes restritos ou artificiais.

Enquanto a tempestade desaba, orquestrada pelos trovões estrondosos, tudo o que sabemos é que outras tempestades antes dessa, num dado momento, cessaram. Mesmo assim, apesar dos avanços na previsão do tempo, continuamos sem controle algum sobre os fenômenos naturais. Nada é tão simples e tão grandioso como a natureza. Ela é ela: surpreendente, intensa, magnífica, assustadora, amorosa, ativa, reativa, generosa, sábia, ingênua, soberana, servil. Quantos mais adjetivos lhe atribuímos, mais descrevemos a nossa própria natureza humana.
Porém, entre os demais aspectos que nos diferenciam da natureza, a maioria deles não são motivos de orgulho, uma vez que a natureza não rejeita, não discrimina, não explora, não engana, não ofende, não tortura, não compete e nem premedita a destruição de outros como acontece cada vez mais ao nosso redor e ao redor do mundo. Para melhorar, então, nossa qualidade humana, o caminho precisa ser, literalmente, o natural. Quanto mais conviverem com a natureza, mais nossas crianças serão educadas pela cartilha dela. E mais protegidas estarão da toxicidade das seduções midiáticas, da ganância comercial, dos vícios de consumo, da sede de poder e dos valores distorcidos que tanto nos desumanizam.
Se para aqueles que vivem ao relento, a realidade é excessivamente dura, nem por isso podemos considerar como privilégio a vida de tantas crianças que passam a maior parte de seu tempo em ambientes artificiais. O excesso de automatização e de confortos materiais pode, em lugar de ajudar, atrapalhar o desenvolvimento delas. Ao passar a tarde dentro de um shopping, ou mesmo dentro de casa, cercados de telas, luzes e diversões virtuais enquanto, lá fora, o temporal sacode a cidade, certamente as crianças terão uma visão mais confortável da realidade, porém, não a verdadeira. Lembrando que, ao longo de suas vidas, sempre haverá situações desconfortáveis para as quais não existirão botões de liga e desliga.
A falta de natureza tem sido tão prejudicial para o futuro da humanidade que, em seu livro A ultima criança na natureza, o escritor e jornalista Richard Louv cunhou o termo Transtorno de Déficit de Natureza para alertar o mundo sobre as consequências físicas e mentais para as crianças que crescem longe dos ambientes naturais. Mesmo que em alguns casos a medicação seja necessária para conter déficits de atenção em crianças, o fato do Brasil ter se tornado o segundo maior consumidor no mundo do medicamento para esse fim é grave.  O aumento de 75% no consumo do medicamento em dois anos* é motivo suficiente para pensarmos sobre o quanto a falta de áreas verdes para brincar, agendas escolares sobrecarregadas, olhos pregados nas telas por horas e entretenimentos em ambientes artificiais têm a ver com essa estatística.
Como as crianças aprenderão a se expressar por inteiro longe do meio natural? Como aprenderão a respeitar as diferenças se não compreenderem que sem outras crianças o jogo da vida não acontece? Como abrirão mão do egoísmo se não constatarem o quanto a natureza lhes dá de graça? Como exercitarão a empatia se não sentirem junto com o amigo a perda de sua pipa quando outra pipa a laçou?
Observar os fatos naturais ao vivo, em cores escuras ou não, ajuda as crianças a confiar na própria percepção. E as ajuda também a compreender que a realidade é algo com a qual devem aprender a lidar, e não controlar. E quando o céu se abrir num azul magnífico, depois de desabar numa tempestade, quem sabe ele ensine também a elas que as nuvens escuras fazem parte do espetáculo e que talvez não faça sentido se tomar um “comprimido” para tentar escondê-las.
*Segundo a Anvisa, a venda de medicamentos para hiperatividade subiu 75% de 2009 a 2011
(*) Maria Helena Masquetti é graduada em Psicologia e Comunicação Social, possui especialização em Psicoterapia Breve e realiza atendimento clínico em consultório desde 1993. Exerceu a função de redatora publicitária durante 12 anos e hoje é psicóloga do Alana.

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