Em artigo, especialistas do Banco Mundial apontam que o Brasil apresenta taxas altas de casamento infantil, com quedas modestas registradas no período 2000-2015.
No ritmo atual, o país não vai conseguir eliminar essa prática até 2030, conforme previsto pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Por Paula Tavares, advogada do Banco Mundial, e Quentin Wodon, economista do Banco Mundial*
Apesar do avanço na educação das meninas, o Brasil ainda registra altas taxas de casamentos infantis. Definida como uma união formal ou informal antes dos 18 anos, a prática é considerada internacionalmente uma violação dos direitos humanos e uma forma de violência que afeta principalmente as meninas. Frequentemente, está associada à gravidez precoce, levando a que tenham o primeiro filho antes dos 18 anos de idade.
Estudos realizados pelo Banco Mundial sobre o custo econômico do casamento infantil e o custo de não educar as meninas mostram que o casamento e a gravidez precoces têm efeitos negativos profundos, que vão desde maiores riscos para a saúde, menor escolaridade, renda mais baixa na idade adulta e maior fertilidade e podem contribuir para a pobreza, menor autonomia e capacidade de decisão no lar e maiores riscos de violência doméstica.
Estudos realizados pelo Banco Mundial sobre o custo econômico do casamento infantil e o custo de não educar as meninas mostram que o casamento e a gravidez precoces têm efeitos negativos profundos, que vão desde maiores riscos para a saúde, menor escolaridade, renda mais baixa na idade adulta e maior fertilidade e podem contribuir para a pobreza, menor autonomia e capacidade de decisão no lar e maiores riscos de violência doméstica.
O impacto não é apenas nas meninas, mas também em seus filhos, suas famílias e seu país. Crianças geradas por mães muito jovens apresentam riscos mais elevados de mortalidade antes dos cinco anos e desnutrição, acarretando também possíveis consequências negativas durante a vida adulta.
Situação atual
As taxas de prevalência do casamento infantil no Brasil podem ser estimadas com dados dos dois últimos censos, de 2000 e 2010, e da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios) de 2015. Embora sejam aproximadas, visto que o país não realizou nos últimos anos os tipos de pesquisa normalmente utilizados para medir a prevalência da prática, nossas estimativas sugerem que, apesar do aumento da escolaridade das meninas entre 2000 e 2015, a prevalência de casamento infantil continua alta. Em 2015, a taxa de casamentos infantis no Brasil era de 19,7%, pouco abaixo do nível observado em 2000, de 21,9%. Os dados constam do recente estudo Casamento na infância e adolescência: A educação das meninas e a legislação brasileira, do Banco Mundial, que faz um alerta: no ritmo de progresso atual, o Brasil não conseguirá atingir a meta de acabar com o casamento infantil até 2030, conforme pactuado com base nos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável).
Fatores que levam ao casamento infantil e abandono escolar
O casamento infantil é frequentemente visto como uma questão que afeta meninas nas áreas rurais e no interior. De fato, a prevalência no Brasil é maior nessas áreas, mas também é comum nas áreas urbanas.
Pesquisas realizadas pela ONG Promundo sugerem cinco causas principais do casamento infantil: (1) o desejo de um membro da família, em função de uma gravidez indesejada, de proteger a reputação da menina ou da família e para assegurar a responsabilidade do homem de “assumir” ou cuidar da menina e do bebê potencial; (2) o desejo de controlar a sexualidade das meninas e limitar comportamentos percebidos como “de risco”, associados à vida de solteira, tais como relações sexuais sem parceiros fixos e exposição à rua; (3) o desejo das meninas e/ou membros da família de ter segurança financeira; (4) uma expressão da autonomia das meninas e um desejo de sair da casa de seus pais, pautado em uma expectativa de liberdade, ainda que dentro de um contexto limitado de oportunidades educacionais e laborais, bem como de experiências de abuso ou controle sobre a mobilidade das meninas em suas famílias de origem; (5) o desejo dos futuros maridos de se casarem com meninas mais jovens (consideradas mais atraentes e de mais fácil controle do que as mulheres adultas) e o seu poder decisório desproporcional em decisões maritais.
>h4>Leis sobre a idade mínima para o casamento
Internacionalmente, o limite etário usado na definição de “criança” (e, portanto, de casamento infantil) é 18 anos de idade, englobando infância e adolescência. Esse limite etário é usado em várias convenções, tratados e acordos internacionais e faz sentido por vários motivos.
Pesquisas sugerem que meninos e meninas menores de 18 anos geralmente são jovens demais para transições sexuais, conjugais e reprodutivas. Casar-se antes dos 18 anos também pode ter grandes impactos negativos em uma série de outros resultados para as meninas e seus filhos. Por exemplo, o casamento precoce reduz a probabilidade de conclusão do ensino médio, que em muitos países é aos 18 anos de idade. Além disso, considera-se que, com menos de 18 anos, não adquiriram a capacidade — nem a maturidade — para consentir livre e plenamente ao casamento.
No Brasil, a idade legal para o casamento é a da maioridade: 18 anos. No entanto, é permitido casar-se aos 16 anos — considerada a idade núbil — com o consentimento dos pais ou autorização judicial. Além disso, não existem sanções legais para os envolvidos em casamentos infantis e a lei não prevê explicitamente a opção de anulá-los.
Apesar disso, temos a comemorar um importante avanço em 2019. Em 12 de março, a Lei 13.811 alterou o artigo 1.520 do Código Civil brasileiro, proibindo o casamento de menores de 16 anos. Antes da reforma, o código permitia o casamento em princípio a qualquer idade em caso de gravidez ou para evitar cumprimento de pena criminal. A nova lei, no entanto, não revogou a exceção que permite casar-se aos 16 anos. O casamento nessa idade, porém, também contribui de maneira significativa para a evasão escolar das jovens adolescentes. Como visto no gráfico**, apenas pouco mais da metade das meninas no Brasil hoje concluem o ensino médio, que abarca jovens na faixa etária dos 16 aos 18 anos.
É importante notar, como mostra nossa pesquisa, que muitos países no mundo ainda permitem que as meninas se casem abaixo dos 18 anos com o consentimento dos pais ou autorização judicial. Mas, em consonância com os compromissos internacionais firmados, tem havido uma crescente tendência de fechar essas brechas na legislação. Desde 2015, países como Chade, Costa Rica, El Salvador, Equador, México, Nepal, Panamá, Trinidad e Tobago e Zimbábue eliminaram exceções na lei que antes permitiam o casamento abaixo dos 18 anos. Porém, além das brechas legais, em diversos países, muitas meninas se casam informalmente antes de atingir a idade mínima em seu país, como também ocorre no Brasil. Por esse motivo, além de eliminar as permissões legais ao casamento infantil, outras intervenções são necessárias para erradicar a prática.
Intervenções para erradicar o problema
Para erradicar o casamento infantil e a gravidez precoce, e melhorar o nível educacional das meninas, algumas condições básicas devem ser atendidas. Por exemplo, é preciso garantir a qualidade e o engajamento contínuo das crianças e adolescentes na escola, para evitar o abandono por falta de interesse.
Em algumas áreas, também pode ser necessário ampliar a infraestrutura de ensino — principalmente em regiões remotas, onde a distância para a escola seja grande. As escolas também precisam oferecer acesso a água, latrinas e instalações higiênicas, importantes para as adolescentes.
Além disso, é preciso garantir que o ensino seja acessível financeiramente, bem como reduzir os custos de oportunidade. Finalmente, são necessárias intervenções para assegurar que as meninas não sofram com assédio sexual na escola ou no caminho, e iniciativas voltadas a desenvolver habilidades cognitivas, socioemocionais e técnicas, e transformar normas sociais, para que as meninas tenham oportunidades adequadas de emprego quando terminarem o ensino médio.
Nesse sentido, têm sido recomendadas abordagens em três frentes principais: programas para fornecer conhecimentos sobre a vida e saúde reprodutiva; programas para expandir oportunidades econômicas; e programas para manter as meninas na escola ou adiar o casamento. Incentivos financeiros para meninas ou famílias voltados diretamente para adiar o casamento também podem funcionar.
*Publicada originalmente no site Nexo, em 21 de julho de 2019.
**Gráfico publicado originalmente no site Nexo, junto com o artigo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário