O que transforma um homem são, principalmente, duas coisas: impacto emocional e exemplos próximos
Na caixa de comentários do artigo Você já falou com seu pai sobre o que é ser homem?, uma pergunta mexeu comigo. O Gilliard perguntou:
“Aproveitando a deixa desse post, eu gostaria de saber como faço para iniciar uma conversa dessas com meu pai, atualmente moro em São Paulo e ele no interior do Estado de SP, e a imagem/estereótipo que ele tem sobre o que é ser homem é totalmente desvirtuado, na concepção dele, homem não chora (exceto em casos de luto), que agir com infantilidade e grosseria resolvem as coisas, pois é assim que um homem faz.
Já tentei de várias formas abordar, o quão esse tipo de imagem/comportamento prejudica pessoas ao redor dele (principalmente minha mãe), e ele próprio”.
Já tentei de várias formas abordar, o quão esse tipo de imagem/comportamento prejudica pessoas ao redor dele (principalmente minha mãe), e ele próprio”.
Eu, particularmente, não me sinto à vontade para falar sobre a relação de pai e filho especificamente, porque meu pai foi ausente a minha vida inteira, basicamente, e hoje não tenho contato nenhum com ele. Mas me senti à vontade para falar a partir da minha experiência como editor do PdH e das conversas que já tive com outros homens na vida.
Como um homem, nós ou alguém próximo, consegue mudar sua maneira de ser ou ver o mundo? Como ajudar alguém nesse sentido? Ou, caso quem precise seja nós mesmos, onde buscar ajuda?
Bem, o que posso dizer, de acordo com a minha posição, é que tentar mudar a pessoa não adianta nada, e na maioria das vezes, gera o efeito contrário. Ao mesmo tempo, não adianta entupir a pessoa de informação, nem de dados concretos e pesquisa. A transformação raramente acontece por conta disso.
Na minha opinião, o que transforma um homem são, principalmente, duas coisas:
1. Impacto emocional2. Exemplos próximos
Vou dar um pequeno passo atrás.
Nossa construção de masculinidade se dá, majoritariamente, por meio de signos indiretos que vamos absorvendo.
Nós olhamos como as pessoas agem ao nosso redor, os efeitos que essas ações geram e, consequentemente, medimos se aquilo se aplica a nós de alguma forma. Seja nos aproximando de um determinado ideal adquirido, seja observando benefícios propriamente ditos.
Nós ouvimos aqui e ali o que as pessoas dizem de alguns caras. Observamos como as pessoas agem ao redor de certos homens ou, ainda, como os homens "fodões" da ficção são retratados. Some-se as histórias que ouvimos de amigos e parentes e vamos imitando mais ou menos o que sentimos que cabe ou funciona. Ninguém nos dá uma aula exata sobre o que é ser homem.
Acredito que isso acaba gerando muitas fantasias sobre como nós deveríamos ser. E, sem perceber conscientemente, nos agarramos a isso com tanta força que criamos uns mecanismos beeem ardilosos para garantir que as nossas certezas estão lá, intactas.
Para que surja em nós, então, o impulso de mudar, é preciso que percebamos que algo não está funcionando. E é essa parte que acho crucial e uma das maiores dificuldades no que fazemos aqui no PdH.
Há um fascínio por perseverar naquilo que se acredita, mesmo quando todos dizem o contrário. A construção da masculinidade é repleta de ícones que exalam orgulho, vaidade e arrogância. Muitos homens sequer consideram que tem algo errado. Pelo contrário, eles acham que está tudo certo e muito bem por que eles estão sozinhos do alto do castelo, reis da própria solidão. Nesse sentido, fazer alguém admitir que algo está errado é praticamente impossível.
A pessoa precisa escolher fazer isso. Precisa ter entendido na carne que aquele comportamento traz algum prejuízo. Isso costuma vir só mais tarde na vida, quando a pessoa faz uma autoavaliação ou sofre um certo baque emocional potente, como o nascimento de um filho, o encerramento de uma relação na qual ele estava verdadeiramente envolvido, uma experiência de quase morte e por aí vai...
Nesse quesito, acho que filmes, obras de teatro, literatura e até de música são muito potentes. Quando admiramos um trabalho de arte, o que ele nos proporciona? Isso mesmo: sentir. A arte é capaz de "pular" a nossa razão e nos colocar em contato com verdades que não necessariamente precisam ser vividas para sermos capazes de entender. Apresenta para nós "informações" que ressoam lá no fundo da alma de uma tal maneira que, quando menos esperamos, nos muda.
Eu acho que o ponto do exemplo conversa muito com o ponto do impacto emocional. Não falo apenas de um exemplo distante, de uma pessoa que fica ali cagando regras. Mas de alguém que vive a verdade que acredita, do fundo do coração. Essa pessoa tem um poder de transformar os outros ao redor dela muito maior do que a gente costuma dar crédito. Um pai extremamente ferido, agressivo, grosseiro, também é capaz de ver o que existe dentro dos outros. Ele enxerga a forma como alguém ao seu redor está se sentindo, como caminha no mundo, os efeitos que gera etc.
A questão da proximidade que levantei como segundo ponto é importante nesse processo, pois cria uma certa confiança. A possibilidade de você olhar pro outro e pensar que ele tem qualidades que você quer em você também.
Eu vi um amigo, certa vez, se aproximar do pai com quem ele mal tinha contato por meio da cozinha. Ele não ia pra lá pra dar palestras sobre masculinidade tóxica e muito menos para convencer ele de que agora eles tinham que ser melhores amigos. Mas o mero ato de ter um interesse em comum foi uma porta de entrada para que começassem a construir confiança que gerou trocas cada vez mais profundas.
Assim, entre uma receita e outra, uma transformação nos dois acabou acontecendo.
Não apenas o pai se tornou um pouco mais flexível e menos agressivo, ressentido e mal humorado, mas também o filho passou a compreender o mundo do pai, sendo portanto um pouco mais compreensivo. Sem cobrar do pai que ele fosse uma figura imaculada, um herói iluminado.
Hoje, depois de todos esses anos de trabalho com homens e transformação, acho que o caminho para as mudanças acontecerem é promover mais contato humano, mais olho no olho. Mais compreensão e carinho, mesmo, e muito menos do tentar mudar os outros e mudar o mundo (especialmente se for apenas pela internet). Afinal, é muito mais fácil ouvir alguém de quem se gosta, em quem se confia.
Sei que é meio broxante para todo mundo, mas diferenças sempre vão existir. As pessoas vão acreditar em absurdos e vão discordar de nós em mil pontos. E me parece que é assim mesmo...
Claro, isso não quer dizer que a gente deva ser conivente com nenhuma injustiça. Cada coisa no seu lugar. Mas, ao mesmo tempo, venho acreditando do fundo do coração que a gente tem mesmo que aprender a amar, admirar e respeitar as pessoas com tudo que elas carregam. Seja lá o que for.
Enfim, espero que tenha contribuído.
Abraço!
P.S.: Agradeço ao próprio Gilliard, Bruno e João Pedro, que me incentivaram a transformar o que imaginei como um simples comentário em um artigo de fato.
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