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sábado, 6 de julho de 2019

Por que a estrutura do futebol feminino ainda é ocupada por homens no Brasil

por: Amanda Célio

A Copa do Mundo de Futebol Feminino suscitou várias questões de desigualdade de gênero no esporte e ampliou debates relevantes em busca de mudanças estruturais na modalidade. A camisa 10 da seleção brasileira, Marta, questionou sobre a diferença de patrocínios fazendo um chamado às marcas e às próximas gerações quando marcou um gol de pênalti contra a Austrália e na comemoração mostrou sua chuteira personalizada com um símbolo pela igualdade de gênero no esporte. Marta está sem patrocínio esportivo desde julho do ano passado por não entrar em acordo com os valores oferecidos pelas marcas.

A craque dos Estados Unidos, Alex Morgan, também é outra ativista que está na linha de frente desta luta. Ela e outras jogadoras da seleção americana, como Megan Rapinoe, movem ação judicial contra a Federação de Futebol do país por discriminação salarial e reivindicam também a falta de apoio da entidade e a diferença de estrutura que elas possuem em relação aos times masculinos. Mesmo as tri-campeãs mundiais (1991,1999 e 2015) tendo gerado mais receita de bilheteria do que a seleção masculina entre 2016 e 2018, por exemplo, elas ainda ganham quatro vezes a menos do que a seleção masculina (cuja melhor campanha no Mundial foi a terceira colocação na edição inaugural em 1930).

Outro importante nome no assunto é o da norueguesa Ada Hegerber, uma das melhores jogadoras de futebol do mundo e dona da primeira bola de ouro feminina dada pela revista France Football na história em 2018. Ada tem o maior salário entre as mulheres no futebol e negou participar da Copa de 2019 por não concordar como as atletas são tratadas em seu país. Ainda que em 2017 a Noruega tenha anunciado um acordo que iguale os salários das seleções masculina e feminina, Ada não se deu por satisfeita e afirmou numa entrevista que “nem tudo na vida é sobre dinheiro”, fazendo referência a outras mudanças estruturais, que incluem a participação da Federação e a evolução de seus dirigentes.

O progresso almejado por Ada se esbarra em um problema mais amplo, que começa na estrutura do futebol feminino: a falta de mulheres ocupando cargos de comando nas federações estaduais, na Confederação Brasileira de Futebol (CBF) (no caso do Brasil), na Fifa, nos quadros de arbitragem, nas diretorias dos clubes, nos departamentos médicos, enfim, em tudo que envolve futebol feminino. Esse cenário não se restringe apenas ao futebol brasileiro, sendo, em realidade, percebido na maioria dos países, embora nem todos possuem uma estrutura de futebol feminino tão predominada por homens quanto o Brasil.

Nesta Copa Feminina na França, de 24 seleções apenas nove eram treinadas por mulheres. Na seleção brasileira, por exemplo, a única técnica a comandar o Brasil em três décadas foi Emily Lima que ficou apenas 10 meses no cargo e foi demitida em 2017. Já na comissão técnica que Vadão levou para a Copa da França existia apenas uma mulher. A auxiliar Beatriz Vaz foi chamada pela CBF para atender determinação da Fifa, que exige pelo menos uma representante feminina nas comissões. Não é de se surpreender que todo o ciclo preparatório para a Copa esteve a cargo dos homens e que a presença de uma mulher na equipe técnica tenha sido apenas para cumprir uma exigência legal da Federação Internacional.

Para se ter uma ideia da falta de oportunidades para mulheres nos quadros técnicos, só em 2018 houve o primeiro registro oficial de uma treinadora na CBF, Nilmara Alves, também a única a frente de uma equipe masculina no país na época.

Outros números que explicam o problema estrutural do futebol feminino estão, também, na pouca representatividade da mulher na arbitragem. Atualmente, o quadro da CBF conta com 17 árbitras. Oito delas possuem índice para apitar a primeira divisão do futebol brasileiro; homens são 42. Para se ter uma ideia, em 2017, por exemplo, 35 homens foram escolhidos para trabalhar na série A. Nenhuma mulher foi escalada.

Em 2018, a obrigatoriedade de que cada clube da séria A do Brasileiro tivesse que manter um time de futebol feminino (adulto e de base), estabelecido no Licenciamento de Clubes da Confederação Brasileira de Futebol, fez com que novos problemas estruturais viessem à tona no debate da visibilidade do futebol feminino no Brasil. Quando faltava menos de quatro meses para iniciar o Campeonato Brasileiro, o site GloboEsporte.com produziu um Raio X do futebol feminino no Brasil e levantou que naquela época dos 20 clubes que estavam disputando a série A do Brasileiro, apenas sete tinham time de futebol feminino estruturado e cinco nem sequer existiam.

Diante desta realidade, os clubes brasileiros tendem a reaproveitar a mesma estrutura do futebol masculino, reproduzindo o problema da falta de mulheres pensando o futebol feminino, bem como a ausência de um planejamento específico para as equipes femininas. Além disso, uma pesquisa realizada pelo jornal Extra revelou que apenas 1% do orçamento dos clubes vai para as equipes femininas, outro número que explana o pouco investimento e as reduzidas chances de renovação da modalidade no Brasil. São dados como estes que evidenciam a falta de representatividade da mulher nos cargos de comando, sejam eles técnicos ou burocráticos. Eles também demonstram o sinuoso caminho a ser enfrentado pelas mulheres que vivem deste (e para este) esporte.

Assim, duas questões essenciais entram em pauta: por que não há muitas mulheres ocupando cargos diversos em clubes femininos (e masculinos); e por que é de extrema importância que mulheres trabalhem em todas as áreas do futebol feminino no Brasil?

É inegável que exista uma construção social que coloque os homens como aqueles que detêm mais força e conhecimento, e, portanto, “estão mais aptos” a desenvolver este papel de líder, mesmo em modalidades femininas. Desde a infância são eles que jogam futebol, eles que lideram os times da escola, eles que participam de todos os esportes das aulas de educação física. Por isso, nem sequer passam pela cabeça dos atuais mandatários do futebol a possibilidade e a importância de uma presença feminina nestes espaços.

Além do mais, as primeiras práticas esportivas realizadas por mulheres só ocorreram na segunda metade do século 19. Soma-se a isso que o futebol feminino só foi permitido por lei após a revogação de 79, que não “permitia a prática feminina de lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, polo, halterofilismo e beisebol”.

Essa privação histórica é fruto do cenário machista do futebol e da sociedade como um todo, e é nela que se encontram as raízes da baixa representatividade feminina em espaços que deveriam ser ocupados pelas mulheres. Porém, é com a presença delas nas áreas femininas e masculinas do futebol que serão desconstruídos os estereótipos de gênero e, principalmente, as disparidades no esporte.

Para que a luta pela equidade de jogadoras como Marta, Morgan, Rapinoe, Ada e tantas outras atletas transgridam as barreiras e rompam os duros preconceitos, é necessário voltar o olhar para a estrutura geral e entender que a mudança só começa pela representatividade.

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