A canção que ajudou França e Alemanha a fazer as pazes
Stephen Evans
BBC News, em Berlim
A reconciliação entre França e Alemanha após a Segunda Guerra Mundial foi oficializada por um tratado assinado em 1963. Muitos acreditam, no entanto, que uma canção gravada no ano seguinte foi tão importante quanto o documento para 'quebrar o gelo' entre as duas nações.
Ao longo da história, muitas canções de sucesso contribuíram para disseminar mensagens transformadoras mundo afora. Mas quantas tiveram o poder de mudar o mundo?
Há 50 anos, as vizinhas Alemanha e França ainda lutavam para superar as mágoas deixadas pela guerra.Para muitos, Goettingen, hoje praticamente desconhecida, teve esse poder.
Após invadir a França, a Alemanha tinha sido expulsa, centímetro por centímetro, cidade por cidade, com sangue. Os alemães tentavam aceitar não apenas a derrota total, como também a dura realidade dos crimes que haviam cometido.
Barbara, a Dama de Negro
Nascida Monique Serf, em Paris, em 1930, segunda filha de um vendedor de peles judeu
A família teve de se mudar várias vezes durante a ocupação alemã. Em uma ocasião, fugiram às pressas, após uma denúncia
Barbara estudou música em Paris e depois se mudou para Bruxelas, onde cantou pela primeira vez usando o nome de sua avó
Sempre vestida de negro, fez grande sucesso nas décadas de 60 e 70
Também atuava e dirigia
Fez campanhas sobre o vírus HIV
Sua morte, em 1997, teve grande repercussão na França
Vida Atribulada
Neste campo minado de ressentimento e rancor, pisou uma cantora magra e de voz macia.
Seu nome artístico era Barbara. Ela havia nascido em Paris, em 1930, de família judia, e batizada Monique Serf.
Por ser judia, tinha sofrido perseguições dos nazistas. No entanto, duas décadas após o final da guerra, Barbara viajou para a cidade de Goettingen, no coração da Alemanha, e se apaixonou.
O resultado desse caso de amor foi uma canção homenageando a cidade e seu povo, gravada primeiro em francês e depois em alemão, a língua do antigo opressor.
Na letra, ela cantava para "Herman, Peter, Helga e Hans". Quem seriam? O ouvinte se pergunta. Seus amigos? Seus amantes?
No teatro Goettingen, onde Barbara fez shows, a canção conquistou o coração da plateia alemã. Assim, a música virou sucesso.
Ruas ganharam o nome de Barbara. E a cidade a premiou com uma medalha de honra. Tudo por causa de uma canção e seu "pedido, quieto e enfático, por compreensão". Segundo os registros do prêmio, a popularidade da música "fez uma contribuição importante para a reconciliação franco-alemã".
E como diz a letra, em tradução livre:
"Mas crianças são as mesmas
Em Paris ou Goettingen
Que o tempo de sangue e ódio
Nunca retorne
Porque há pessoas que eu amo
Em Goettingen, em Goettingen".
Uma das pessoas na audiência era um estudante chamado Gerhard Schroeder.
Mais tarde, chanceler da Alemanha, ele incluiu versos da canção em um discurso marcando o 40º aniversário do tratado de reconciliação. O discurso foi feito há dez anos.
Schroeder disse: "Eu era estudante de doutorado em Goettingen quando ela veio cantar. Foi direto aos nossos corações, o início de uma maravilhosa amizade entre os nossos países",
Ouvindo a canção hoje, é fácil entender seu apelo. Continua irresistivelmente bonita, um tributo melancólico, cheio de amor e com um toque de tristeza.
Barbara tinha razões para se sentir triste. Sofreu abuso sexual por parte do pai e passou grande parte da guerra fugindo dos nazistas.
A Cantora e o General
No final da guerra, voltou para Paris e foi estudar canto e piano no Paris Conservatoire. Mas sua paixão era o cabaré e o trabalho de artistas como Edith Piaf e Jacques Brel. Sua carreira estourou no início da década de 60, com o show "Barbara chante Barbara" (Barbara canta Barbara).
Em Paris, ruas também receberam o nome de Barbara. E selos postais traziam seu rusto. Quando ela morreu, em 1997, 250 mil pessoas foram ao seu funeral.
Mas glamour e showbusiness à parte, o que ficam são as canções.
E entre elas, Goettingen.
Gravada logo após um histórico discurso, em setembro de 1962, do líder francês Charles de Gaulle na cidade alemã de Ludwigsburg - tido como um marco histórico na reconciliação entre as duas nações - a canção singela teve, muitos diriam, efeito mais transformador do que o discurso do general.
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