Compradas, vendidas e abusadas no Iêmen
por Rebecca Murray, da IPS
Aden, Iêmen, 24/1/2013 – Aisha, de 21 anos, segura firme seus dois filhos enquanto conta sua história de horror. Ela cresceu em Mogadíscio, capital da Somália, onde se apaixonou e, há quatro anos, teve um filho sem ter se casado. Quando sua família a ameaçou de morte por ter destruído sua “honra”, fugiu. A jovem animou-se a fazer uma perigosa viagem com contrabandistas, pelo Oceano Índico até o Iêmen, para o que acreditava que seria uma vida melhor.
No entanto, agora Aisha e outras quatro mulheres ocupam ilegalmente uma moradia em um assentamento de Basateen, na cidade portuária de Aden. Todos os dias pede esmola, e, frequentemente, se prostituem por dois dólares. Depois dividem o pouco que ganharam com sua proxeneta. “Só quero ir para um lugar mais seguro para meus filhos. Em outro país”, suspira Aisha.
As redes internacionais de tráfico humano se expandem no Iêmen, e com a pobreza como fator crucial, as mulheres exploradas sexualmente são as vítimas mais vulneráveis. Embora o futuro de Aisha possa parecer sombrio, seu destino é melhor do que o de uma jovem etíope de 17 anos, que morreu abandonada em um hospital de Haradh, na fronteira entre Iêmen e Arábia Saudita. Comprada e vendida dentro da rede de tráfico que opera em todo o Iêmen, foi violentada e surrada reiteradamente, até que morreu. Agora está enterrada longe de seu lar e o traficante que a assassinou está livre.
“Entre 2011 e 2012 houve aumento significativo no tráfico de pessoas, bem como nos casos informados de violência e abusos cometidos contra recém-chegadas”, disse Edward Leposky, do escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). Em 2011, esta agência registrou 103 mil novas chegadas ao Iêmen. Trata-se do maior fluxo de entrada registrado desde que se começou a documentar estatísticas, há seis anos, e Leposky suspeita que em 2012 houve um aumento. Acredita-se que os números reais são muito superiores.
As mulheres que emigram, principalmente etíopes e somalianas, frequentemente fogem da pobreza e da violência reinantes em seus países de origem. Pagam centenas de dólares para chegar a pontos de trânsito em Djibuti ou Puntlandia (autoproclamado Estado autônomo da Somália), e também para serem levadas ao Iêmen em perigosas embarcações lotadas, cujos trajetos podem durar entre um e três dias. Seu objetivo é chegar aos Estados do Golfo, como a Arábia Saudita, para ali poderem trabalhar. Mas no caminho costumam ser violentadas por gangues, asfixiadas pela lotação ou jogadas ao mar por contrabandistas, além de serem feitas reféns por traficantes ao chegarem a solo iemenita.
“A maior parte do tráfico que vemos aqui é o de quem chega do Chifre da África para a Arábia Saudita”, disse Eman Mashour, integrante da equipe antitráfico da Organização Internacional para as Migrações (OIM) no Iêmen. “Existe uma rede. As mulheres podem ser severamente exploradas pelos traficantes. Elas nos contaram que ao longo do caminho mantinham relações sexuais com os contrabandistas”, afirmou a especialista.
A confirmação está nas sombrias conclusões do estudo Escolhas desesperadas, divulgado em outubro pelo Conselho Dinamarquês para os Refugiados e pela Secretaria Regional de Migrações Mistas. “As redes criminosas se estendem por Etiópia, Iêmen, Djibuti e Arábia Saudita. Parece altamente provável que esses grupos tenham contatos em outros países”, afirma o documento.
Cidadãs locais são vítimas do tráfico
Entretanto, nem todas as vítimas do tráfico sexual no Iêmen são imigrantes. Os breves casamentos entre moças iemenitas e visitantes dos Estados do Golfo (prática conhecida como turismo sexual) são o resultado da pobreza entre grandes famílias iemenitas, principalmente nas áreas rurais. “Adolescentes de 15 anos são objeto de comércio sexual em hotéis e clubes, nas localidades de Sanaa, Aden e Taiz”, diz o informe de 2012 sobre tráfico do Departamento de Estado norte-americano.
“A maioria dos turistas que buscam sexo com meninas e meninos no Iêmen procede da Arábia Saudita, e uma quantidade menor possivelmente chegue de outras nações da região. As jovens iemenitas que se casam com turistas sauditas não se dão conta da natureza temporária e exploradora destes acordos, e algumas são submetidas ao tráfico sexual ou abandonadas nas ruas da Arábia Saudita”, acrescenta o estudo.
Leila, uma vítima de outro tipo de tráfico sexual, tinha 15 anos quando finalmente conseguiu se esconder no refúgio secreto de uma mulher, em um tranquilo bairro de Sanaa. Leila, que apanhava de sua família, havia fugido de casa dois anos antes e vivia nas ruas. Logo uma mulher mais velha a recolheu e a levou para um bordel. Ali, para fazer com que ficassem, as garotas eram fotografadas mantendo relações sexuais e chantageadas, eram drogadas e obrigadas a atender clientes à noite. A mulher ficava com o dinheiro que recebiam.
Leila e a mulher que trabalhava como sua proxeneta foram presas quando a jovem estava para ser traficada para a Arábia Saudita. Leila passou dois anos na prisão por seu “crime”. Sua família a repudiou, acusando-a de destruir sua honra, e seu irmão a ameaçou de morte. Quando o pessoal da União de Mulheres Iemenitas visitou a prisão, Leila soube que existia o pequeno refúgio de mulheres, uma raridade no Iêmen, e foi um de seus primeiros casos. Com ajuda psicológica e trabalhos práticos os dias foram passando, e ficou no abrigo até que o pessoal resolveu a disputa familiar.
O Código Penal do Iêmen prevê dez anos de prisão para quem participa da compra ou venda de seres humanos. Embora reconheça a atual crise política no país, o informe do Departamento de Estado ressalta que em 2012 faltaram esforços governamentais para enfrentar o tráfico. “O governo do Iêmen não foi capaz de fornecer dados sobre a aplicação da lei para contribuir com este informe, e tampouco instituiu procedimentos formais para identificar e proteger as vítimas de tráfico ou para adotar medidas a fim de abordar o tráfico com fins de exploração sexual comercial”, diz o documento.
Nicoletta Giordano, diretora das atividades da OIM no Iêmen, alertou para a inatividade. “Há um florescente negócio de contrabando e tráfico. É um negócio internacional. Muitos países ocidentais se centram nos assuntos da pirataria, e a atenção que se deveria dedicar ao contrabando e ao tráfico ficam pelo caminho”, ressaltou. Seria de interesse para todos os países envolvidos adotar um enfoque mais integral sobre o manejo de fronteiras, para dar assistência e proteção a quem necessita e para enfrentar quem possa representar uma ameaça, acrescentou Giordano. Envolverde/IPS
* Os nomes das vítimas de tráfico sexual são fictícios.
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