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domingo, 23 de junho de 2019

Homens devem se dedicar mais ao lar por igualdade salarial, diz professora de Harvard


claudia goldin brecha salarial
Claudia Goldin, durante a entrevista em Bilbao.  EL PAÍS


Nem sempre os homens ganharam mais que as mulheres na proporção que ocorre agora. Num sistema em que objetivamente se pagava por unidade produzida, não havia tanta diferença. E assim acontecia nas fábricas no começo do século XX. Entretanto, a disparidade de gênero se agrava quando muda a organização no trabalho e é preciso estar disponível por mais horas para atender ao cliente, para cumprir um prazo ou para uma viagem da empresa. “O presenteísmo [necessidade de estar de corpo presente no trabalho] piorou o problema”, afirma a professora de Harvard Claudia Goldin (Nova York, 73 anos), pioneira na análise econômica da disparidade de gênero e um nome habitual nos bolões de aposta para o Nobel. Na quarta-feira passada, a Fundação BBVA lhe entregou em Bilbao (norte da Espanha) o prêmio Fronteiras do Conhecimento por suas contribuições ao estudo da disparidade de gênero. Lá ela recebeu a reportagem do EL PAÍS. Embora miúda de tamanho, Goldin exibe logo de cara um estoicismo anglo-saxão que domina a cena. “Quero o chá como dos britânicos”, diz assim que começa, com o rosto sério.

Apesar da contenção inicial, à medida que mergulha em sua mente para articular respostas com uma precisão de cirurgiã, relaxa e sorri. Ser tantas vezes a primeira mulher em algo molda caráter. Primeira mulher professora titular no departamento de Economia da Universidade Harvard. Primeira mulher a revelar as chaves da disparidade salarial de gênero... “Isso não o descobri eu, já estava na Bíblia”, afirma sempre.
Chama a sua atenção uma diferença entre os países europeus – Espanha, França e Alemanha, por exemplo – e o seu. Nos Estados Unidos, a disparidade de gênero é um problema entre os trabalhadores com nível universitário, em parte porque não existe a restrição de um salário mínimo oficial, e talvez porque os trabalhos mais mal pagos sejam remunerados por hora. Já na Europa a disparidade se apresenta nos extremos, desenha Goldin num papel – entre os salários mais altos e entre os mais baixos, suavizando-se entre os profissionais que ganham salários intermediários. Entretanto, os dados não são dela. E a economista só se atreve a conjeturar sobre os motivos após insistentes pedidos, e com muita cautela.
“Em um mercado com sindicatos e alto desemprego, parece que na parte baixa dos salários os homens estão conseguindo os melhores trabalhos, e as mulheres, os piores”, observa. E cita o exemplo de um homem que trabalha na construção, enquanto a mulher se emprega na limpeza. “Pode ter a ver com uma maior presença dos sindicatos nos setores em que há predominância masculina”, arrisca. “Nos Estados Unidos, nesse segmento de salários baixos só há trabalhos ruins e sindicatos ruins”, lamenta, jocosa.
A que se deve a disparidade de gênero? “Não é discriminação”, alerta, em tom professoral. “Há algo mais.” Segundo suas pesquisas, a disparidade salarial não tem entre seus principais motivos o fato de as mulheres competirem menos e negociarem pouco, nem a existência de chefes machistas. Todas essas razões só têm um impacto residual. Na verdade, a disparidade salarial se ampliou quando se desenvolveu o trabalho de cunho mais administrativo, cuja organização levou a uma maior valorização do trabalhador capaz de dedicar mais horas ao emprego.
No fundo, o desenvolvimento dos departamentos de RH e políticas de pessoal estabeleceu essas bases ao premiar os homens com os melhores cargos porque eles passam mais tempo no trabalho. É o custo de que as mulheres tendam a escolher empregos com uma maior flexibilidade para poder conciliar com a vida familiar, diz ela.
“Desde os anos oitenta, há mais de 30 anos, as mulheres não se saem mal, graças à melhora da sua educação, em que inclusive superam o sexo masculino. Entretanto, aumentou o número de homens que dedicam mais horas ao trabalho, que estão disponíveis para a empresa o tempo todo. E isso fez a disparidade ficar estancada e que não se observe uma melhora”, destaca.
“Os homens estão desproporcionalmente disponíveis para fazer longas jornadas no trabalho, ao passo que as mulheres estão desproporcionalmente disponíveis para se dedicar a tarefas do lar”, afirma. E acrescenta que “é a outra face da moeda da desigualdade no casal”. Além disso, defende que “não se detectam diferenças apreciáveis de salário quando as mulheres não têm filhos ou não assumem responsabilidades no lar”.
Segundo dados de Goldin, que até o presidente Obama citou, as mulheres com formação universitária nos Estados Unidos ganhavam 8% a menos que os homens com formação equivalente. Mas é a partir da chegada dos filhos que a diferença aumenta de verdade. Aos 40 anos, a diferença sobe para 27%.
Goldin comenta ter visto estudos segundos os quais na Espanha as mulheres dedicam o dobro de horas às tarefas domésticas em comparação aos homens.
E as soluções? Quanto à equiparação das licenças-paternidade, acredita que essa medida “não é decisiva porque representa pouco tempo em uma carreira profissional inteira, e não foi assim nem na Suécia, que é um país líder em reduzir a disparidade de gênero”, destaca. Goldin não acha que a discriminação positiva ou as cotas sejam a panaceia. Em sua opinião, é preciso “ir à raiz do problema”. E isso significa que os homens “devem se implicar mais nas tarefas do lar”. Devem exigir das empresas que possam passar mais tempo com seus filhos, que não querem perder o jogo de futebol da criança.
Goldin aposta em creches com horários amplos. “Se forem poucas horas não vale a pena”, observa. Mas nem sequer isso resolve, porque afinal alguém tem que estar sempre disponível em casa. E acaba sendo a mulher.
Goldin detecta que os setores onde a disparidade é mais flagrante são as finanças, a advocacia e as corporações. Por outro lado, a diferença salarial se reduz substancialmente nas empresas tecnológicas e farmacêuticas. E o que têm estas para que seja assim? Segundo Goldin, essas companhias se organizam em grupos e podem substituir-se uns aos outros de forma que ninguém seja indispensável e, consequentemente, pode-se conciliar melhor a vida familiar com a profissional.
Poderia ocorrer que, se o homem se envolver e destinar mais horas ao lar, a disparidade salarial de gênero se transforme em uma disparidade entre os que têm família e os que não têm? “Já existe essa diferença. Quem não tem filhos apresenta a maior renda. Pois bem, a transferência da atividade doméstica da mãe para o pai aumentará a disparidade salarial por ter filhos ou a reduzirá? A resposta não é clara”, admite.

A tecnologia, uma faca de dois gumes

Goldin também é uma especialista na interação entre o emprego e a tecnologia. E descarta taxativamente que a revolução tecnológica possa prejudicar mais as mulheres por serem presença menos frequente nos cursos universitários de exatas. “Depende do uso que você faça da tecnologia”, diz com o computador no colo, do qual extrai dados com grande velocidade. Em todo caso, sua pesquisa aponta que as diferenças não se devem tanto a que as mulheres façam mais certos trabalhos do que outros. Trata-se de uma disparidade que existe majoritariamente dentro das mesmas ocupações, afirma Goldin.
Mesmo se as tecnologias puderem oferecer certa flexibilidade, também podem se transformar em “uma faca de dois gumes”, recorda. Ao serem muito mais intrusivas, podem provocar que o trabalhador esteja sempre disponível. Goldin explica ainda que a automatização e robotização dos empregos pode prejudicar mais os homens, que trabalham mais na indústria.
Para seus estudos, Goldin reuniu dados desde 1820. Sua obra intitulada Compreendendo a Disparidade de Gênero: Uma História Econômica da Mulher Norte-Americana, é considerada a base de todas as análises econômicas desta matéria.

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