Pela primeira vez, uma partida foi paralisada no Brasil por causa de cânticos homofóbicos. Vasco se desculpa pela atitude de torcedores diante do São Paulo
São Paulo - 28 AGO 2019
BREILLER PIRES
Árbitro Anderson Daronco parou o jogo após manifestações homofóbicas. (AGÊNCIA O GLOBO) |
Neste domingo, o futebol brasileiro, pródigo em polêmicas fugazes que se repetem a cada fim semana, presenciou um fato inédito em sua história. Aos 19 minutos do segundo tempo, o árbitro Anderson Daronco interrompeu o duelo entre Vasco e São Paulo, quando parte da torcida vascaína cantava “time de viado” nas arquibancadas de São Januário para provocar os rivais. Foi a primeira vez que a arbitragem paralisou um jogo por causa de cânticos homofóbicos. Após serem notificados, jogadores e o técnico da equipe carioca, Vanderlei Luxemburgo, acenaram do campo para que os torcedores não entoassem mais os gritos ofensivos.
Daronco deu sequência à partida assim que a torcida do Vasco cessou a manifestação preconceituosa, mas relatou o fato na súmula do jogo, que pode resultar em punição ao clube cruzmaltino, como multa e até a perda de pontos no Campeonato Brasileiro. O árbitro atendeu a uma instrução do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol (STJD), divulgada na semana passada, que recomenda a paralisação de jogos em caso de cânticos homofóbicos da torcida. A orientação abrange gritos como o de “bicha”, banalizado em cobranças de tiro de meta dos goleiros, que passam a ser oficialmente considerados discriminatórios.
A mudança para uma postura menos condescendente das entidades esportivas reflete não só a criminalização da homofobia, equiparada ao crime de racismo pelo STF em junho, mas também a adequação ao protocolo da Fifa repassado em junho às confederações, que determina rigor diante de manifestações homofóbicas. Na Copa América, por exemplo, o Brasil foi novamente multado por comportamento impróprio da torcida em tiros de meta adversários na abertura contra a Bolívia. Em 2017, o Paysandu se tornou o primeiro clube brasileiro denunciado pela procuradoria do STJD por homofobia da torcida, mas acabou absolvido.
Depois da repercussão do episódio em São Januário, o time carioca divulgou nota se desculpando pela conduta de vascaínos na arquibancada. “O Club de Regatas Vasco da Gama lamenta e repudia qualquer canto de caráter homofóbico por parte de alguns de seus torcedores.” A diretoria ainda manifestou “seu pedido de desculpas a todos que, corretamente, se sentiram ofendidos por este comportamento”. Na nota, o clube, que utilizou o sistema de som do estádio para alertar torcedores sobre os cânticos homofóbicos após a interrupção do jogo, exalta sua história marcada pelo enfrentamento ao racismo, como um dos pioneiros na incorporação de jogadores negros, ressaltando que “o combate a este tipo de postura não deve ser motivado pelo receio de punição desportiva (perda de pontos), mas, sim, por uma questão de cidadania e respeito ao próximo e cumprimento da lei”.
Por fim, o comunicado do Cruzmaltino aponta que “a plateia de um estádio de futebol e a sociedade de maneira geral passam por um processo de aprendizado e conscientização necessário para que atos de preconceito fiquem no passado – um triste passado, diga-se”, em que a diretoria se compromete “em promover ações educativas neste sentido junto ao seu torcedor, certa de que encontrará em cada vascaíno um aliado no combate a qualquer tipo de discriminação. O Vasco é a casa de todos”.
Em fevereiro, o volante Fellipe Bastos, que marcou um dos gols da vitória do Vasco sobre o São Paulo, pegou três partidas de suspensão por ter proferido ofensas homofóbicas ao Fluminense durante a comemoração do título da Taça Guanabara. Na época, o clube de São Januário manifestou repúdio “a todo e qualquer tipo de preconceito”, mas preferiu discutir o caso internamente, evitando falar em punição ao jogador. No mês anterior, o goleiro vascaíno Alexsander havia sido vítima de gritos homofóbicos da torcida do Taubaté em jogo pela Copa São Paulo Júnior.
Precavendo-se de possíveis sanções devido ao comportamento de torcedores, clubes têm iniciado campanhas educativas para tentar eliminar os cânticos homofóbicos dos estádios. No sábado, o Atlético Mineiro divulgou mensagem direcionada à torcida em suas redes sociais. “Não prejudique seu time! Gritos homofóbicos vindos das arquibancadas podem levar o clube à perda de pontos. O Atlético é o time de todos, e com todos juntos, seremos mais fortes.” Em 2018, o clube foi multado em 5.000 reais pelo STJD depois de torcedores atleticanos presentes no clássico contra o Cruzeiro gritarem “Ô, cruzeirense, toma cuidado, o Bolsonaro vai matar viado”, no Mineirão.
Há cinco anos, o Corinthians lançou um manifesto pedindo à sua torcida que deixasse de entoar o grito de “bicha” para evitar punições ao clube. Porém, no mesmo ano, o Tribunal de Justiça Desportiva de São Paulo entendeu que o cântico dos torcedores não era ofensivo. Já no em 2016, um grupo de torcedores palmeirenses criaram o movimento “#eugritoporco”, sugerindo a substituição do termo “bicha” por “porco” nos tiros de meta adversários, mas o Palmeiras não se engajou de forma oficial na campanha.
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