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quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Nova coluna do Justificando nasce em meio a um levante feminista

Por Ingrid Assunção Farias
20 de agosto de 2019

Discursos Não Pacificados, a mais nova coluna do Portal Justificando, nasce em meio a um levante feminista e pretende trazer, às terças-feiras, reflexões sobre os modelos de pacificação das sujeitas historicamente silenciadas.

primeiro texto trouxe detalhes da maior mobilização das mulheres nos últimos anos, a realização da Marcha das Margaridas, Marcha das Indígenas e agendas das mulheres na política e dos direitos sexuais e reprodutivos. Hoje quero refletir sobre reivindicar o direito à fala, além de colocar este espaço como de acolhimento de toda produção feminista, antirracista, antiproibicionista, antipunitivista, abolicionista e decolonial.   

“E o risco que assumimos aqui é o do ato de falar com todas as implicações. Exatamente porque temos sido falados, infantilizados (infans é aquele que não tem fala própria, é a criança que se fala na terceira pessoa, porque falada pelos adultos) que neste trabalho assumimos nossa própria fala. Ou seja, o lixo vai falar, e numa boa” Lelia Gonzales 
Eu sou Ingrid Assunção Farias, uma mulher nordestina, negra, periférica e mãe, que junto com as mulheres da RENFA (Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas), ousamos construir outras perspectivas de organização, reflexão e ação política. A RENFA atua há 5 anos em 14 estados brasileiros, organizando mais de 200 mulheres usuárias de drogas, com o desafio de afirmar e ter reconhecido o lugar político de fala das mulheres usuárias de drogas. Fortalecer nossa contribuição na construção de um projeto de sociedade que não perpetue uma política de drogas através do racismo, genocídio e encarceramento.

Atualmente, no Brasil e no mundo, as mulheres usuárias de drogas são catalogadas como dois sujeitos: primeiro, no papel de criminosas, perigosas, desumanizadas em nome do projeto genocida e encarcerador, ou consideradas doentes, incapazes, vulneráveis, para serem patologizadas e manicomializadas. Em ambos papéis os corpos dessas mulheres são totalmente passíveis de violência e abuso, assim como em outros contextos de guerra no mundo. A sociedade machista, racista e proibicionista nega outro papel social às mulheres usuárias de drogas, organizando essas sujeitas sociais a partir da raça e da classe. O discurso feito por Sojouner Truth na Convenção de Mulheres nos EUA em 1851, questionando se ela, uma mulher negra, não era uma mulher nos aponta que, um século depois, ainda fazemos a mesma pergunta. 

Por isso, quando negrito o conteúdo a ser debatido nesse espaço, falo sobre a agenda de um projeto político de pautas historicamente negadas até mesmo em nosso campo progressista. Queremos jogar luz em questões fundamentais para refazer nosso projeto de sociedade, descolonizar nossos conteúdos e referências. Queremos nos basear no conjunto de práticas e teorias cujo objetivo é descortinar situações de opressão diversas. Muitas são as mulheres, em especial as mulheres negras, que têm produzido e se tornado referência no campo da produção intelectual e de prática decolonial, antipunitivista, feminista, antirracista, abolicionista e antiproibicionista. Mulheres como Aqualtune, Maria Felipa, Luiza Mahín, Acotirene, Teresa de Benguela, Maria Firmina, Carolina de Jesus, Lelia Gonzalez, Sueli Carneiro, Conceição Evaristo, Djamila Ribeiro, Grada Kilomba, Dina Alves, Juliana Borges, Angela Davis, Bell Hooks, Nadja Carvalho, Flavia Medeiros, Luana Malheiros, Midiãn Noely, Joy Thamires e muitas outras. Os trabalhos e apontamentos dessas mulheres são respostas para nosso contexto tão duro.

Que a coluna Discursos Não Pacificados seja veículo para romper os silêncios, como nos ensina Conceição Evaristo. Romper os silêncios até então invioláveis das opressões, em especial as opressões veladas como oportunidades. Que possamos compreender quais nossos lugares de fala e quais as contribuições que temos responsabilidade de dar para alterar realidades cristalizadas pela colonização. É necessário colocar privilégios à disposição, ação fundamental no processo de entendendimento da urgência em alternar o lugar da fala que tem referência, que tem credibilidade, que tem poder, pois muitas são as estratégias do racismo e machismo para nos deslegitimar. 
“Ao atribuir “agressividade” à fala de uma mulher negra, você a desumaniza. É uma estratégia sexista caracterizar mulheres dessa forma… No geral, mulheres localizadas em lugares e em espaços que não são socialmente construídos para elas é que vão sentir como essa caracterização da agressividade, enquanto depreciação é, na realidade, uma ferramenta para lhes retirar a credibilidade. A raiva, nesse discurso, exerce o papel de desvalorização das potencialidades dessas mulheres porque ela vem acompanhada de uma ideia de ausência de auto-controle.” Winnie Bueno, 2017.
Somos mulheres não pacificadas, e estamos descolonizando as formas de fazer política, nos aquilombando e reescrevendo nossa história. Ao final de cada coluna, vamos compartilhar política em forma de arte, ferramenta de resistência ancestral, de luta contra o epistemicídio, como diz o rapper Diomedes Chinaski a ARTE MATA A MORTE. 

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Romper silêncios é o primeiro passo para a cura
Quanto tempo você não escuta o som da própria voz?


Por medo de incomodar, a gente cala as justiças.
Mas dá pra promover mudanças no conforto?


Assumimos, então, que trazemos narrativas de incômodo.
Queremos que nossas palavras cortem como navalha a sua indiferença.
Deixe a sua consciência intranquila, cause conflitos e tempestades


Eparrei! 
Desconforto é incômodo necessário.


O som das nossas rimas vai perturbar o teu sono.
Desestabilizar a sua calma.
E ao mesmo tempo mostrar a nós a força da quebrada.
A felicidade de se autodefinir.
Sim, vou olhar para mim
E desta vez vou gostar do que eu vejo.


E direi para mim o quanto eu sou incrível.
Vou falar, gritar e me emocionar quando enxergar Dandara em mim.
E essa voz vai ser coletiva, vai ultrapassar fronteiras, tirar a venda dos meus olhos.


Conceição Evaristo um dia disse: Nossa voz estilhaça a máscara do silêncio
Então fale, destranque, deságue
Dá medo, eu sei, mas fale


Às vezes a gente acha que o muro é muito alto
Mas pule, garota
Você não vai nem arranhar os joelhos


Poesia declamada por Djamila Ribeiro na música Manifesto do grupo de rap feminino, Rimas e Melodias.

Ingrid Assunção Farias é antiproibicionista, abolicionista, nordestina e feminista negra periférica. Coordenadora da Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas, integrante da Rede Latino Americana de Pessoas que Usam Drogas e parte do coletivo A Quilomba.

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