03/09/2015 por Damásio Evangelista de Jesus
A Lei n. 13.142, de 6 de julho de 2015, além de criar novos tipos do crime de homicídio (Código Penal, art. 121), acrescentou ao delito de lesão corporal (art. 129) mais um parágrafo, o de n. 12, descrevendo uma causa de aumento de pena (art. 2o), e ampliou, pelo art. 3º, o rol de crimes hediondos no inciso I–A do art. 1o , I, da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990:
Art. 1o São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, consumados ou tentados:
I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, incisos I, II, III, IV, V, VI e VII);
“I-A – lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2o) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição.”
O CP, algumas vezes, após definir o crime em sua forma típica fundamental, acrescenta-lhe um resultado que aumenta abstratamente a pena. São os crimes qualificados pelo resultado, punidos, em regra, a título de preterdolo ou preterintenção.
Crime preterdoloso, espécie de crime qualificado pelo resultado, é aquele em que a conduta produz uma lesão jurídica mais grave que a pretendida pelo sujeito. O agente quer um minus e causa um majus, de maneira que se conjugam dolo na conduta inicial e culpa no resultado final. Nele não é suficiente nexo de causalidade objetiva entre o comportamento (que integra o primum delictum) e o evento posterior. Assim, a mera imputatio facti, relação objetiva entre a conduta inicial e o evento (art. 13 do CP), embora necessária, não satisfaz a tipicidade do fato, exigindo-se a imputatio juris (relação de causalidade normativa). É preciso que ocorra um liame normativo (culposo) entre o sujeito que realiza o primum delictum e o resultado qualificador. Este só é imputado ao sujeito quando previsível (culpa).
As figuras descritas no § 2º do art. 129 do CP são, em regra, crimes preterdolosos, nos quais se pune a lesão corporal inicial (caput) a título de dolo e os resultados qualificadores a título de culpa.
Assim, são preterdolosos os seguintes delitos de lesões corporais de natureza gravíssima, observando que essa qualificação é doutrinária e não da lei: I — incapacidade permanente para o trabalho; II — enfermidade incurável; III — perda ou inutilização de membro, sentido ou função; IV — deformidade permanente; V — aborto.
A lesão corporal seguida de morte, definida no § 3º, também constitui crime preterintencional: a lesão corporal é punida a título de dolo; a morte, a título de culpa.
Essas formas qualificadas pelo resultado são regidas pelo art. 19 do CP, que dispõe:
“AGRAVAÇÃO PELO RESULTADO
Pelo resultado que agrava especialmente a pena só responde o agente que o houver causado pelo menos culposamente.”
A norma indica a existência de hipóteses nas quais o resultado qualificador admite dolo. Na vida prática, quando isso ocorre, não se fala em crimes preterdolosos, mas em delitos qualificados pelo resultado, ou, como menciona onomen juris do referido art. 19, agravados pelo resultado. Daí podermos estabelecer quatro princípios:
1º – Regra: os fatos dos incisos I a V do art. 129, §§ 2º e 3º são preterdolosos, admitindo culpa em relação aos resultados.
Ex.: o autor, agredindo dolosamente um policial militar, no exercício da função, ofende sua integridade corporal e, em face disso, causa, culposamente, perda de membro (art. 129, § 2º, III): responde por lesão corporal gravíssima a título de preterdolo.
2º - Exceções: em determinados casos, nas lesões corporais gravíssimas (art. 129, § 2º, I, II, III e IV), os resultados qualificadores admitem dolo no consequente, sem que, ocorra outro delito.
Ex.: o sujeito, agredindo dolosamente um carcereiro, no exercício da função, causa lesão corporal e, em consequência, ainda com dolo, resulta incapacidade permanente para o trabalho (art. 129, § 2º, I). Responde por lesão corporal gravíssima. Não há outro crime. O tipo não é preterdoloso e sim doloso em relação à lesão inicial e também quanto ao resultado qualificador. Há um crime qualificado pelo resultado, mas não preterintencional.
3º - se o autor, causando lesão, agir também com dolo quanto ao aborto (art. 129, § 2º, V), responde por crime de aborto doloso (art. 125 do CP) e não por lesão corporal qualificada pelo aborto.
O legislador, no art. 1o, I–A, da Lei n.8.072/90, com redação da Lei n. 13.142/2015, mencionou dois novos casos de crimes hediondos:
1o - lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (CP, art. 129, § 2º) e
2o - lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3º).
Nota-se que no primeiro tipo, o da lesão corporal gravíssima, esta deve ser dolosa; no tocante à morte, porém, não se repete o advérbio. A expressão “dolosa” se refere à lesão inicial ou à natureza gravíssima do resultado?
Se a norma indicou crimes preterdolosos, era dispensável inserir o dolo em relação à lesão, uma vez que nos crimes qualificados pelo resultado preterintencionais o primeiro comportamento é doloso.
Que significa, então, a expressão “lesão corporal dolosa de natureza gravíssima”? (sublinhado meu).
Creio que o legislador empregou gratuitamente a expressão “dolosa”. Não acredito que ele, useiro e vezeiro na elaboração de leis cheias de erros, tenha construído uma exceção. Vejo que no CP, no art. 129, § 2º, temos o nomen juris “lesão corporal de natureza grave”, dispensando o “dolosa”. Na lesão corporal gravíssima a ofensa inicial é dolosa, não sendo necessário que o dolo seja indicado. Todos sabem disso, até os alunos do primeiro termo de nossas faculdades de direito. Se o termo “dolosa” se refere à lesão inicial, é prescindível e ingênuo. Trata-se de um pequeno erro da lei, que peca pelo excesso. Estudei a possibilidade de a expressão “dolosa” ser atribuída ao resultado “gravíssimo, mas desisti, pois seria incrível que o legislador tivesse exposto tão terrível problemática.
Penso que, no caso da lesão corporal gravíssima (art. 129, § 2º), o crime pode ser, conforme o caso:
Qualificado pelo resultado: quando este é doloso, remanescendo o mesmo delito;
Preterdoloso: quando o resultado é culposo.
Tendo o sujeito, por exemplo, agido com dolo no tocante ao aborto (art. 129, § 2º, V) haverá outro delito, o de aborto doloso (CP, art. 125) e não lesão corporal qualificada pelo resultado aborto. E o aborto doloso não é crime hediondo.
Se o agente, causando lesão corporal dolosa, agiu com dolo no tocante à morte, há crime de homicídio doloso e não lesão corporal seguida de morte. Para que haja crime preterintencional é necessário, segundo os termos do referido art. 129, § 3º, “que as circunstâncias evidenciem que o sujeito não quis o resultado morte nem assumiu o risco de produzi-lo.” Dito sob outro aspecto, é indispensável que não tenha agido com dolo direto ou eventual quanto à morte.
Assim, no art. 1o, I–A, da Lei n. 8.072/90, o texto cuida, no primeiro caso, de crimes qualificados pelo resultado doloso ou culposo (este, preterdoloso), salvo a questão do aborto. Trata, no segundo, de crime preterdoloso, misto de “primum delictum” (lesão corporal) e resultado qualificador culposo (morte).
Observo que são tipificados como hediondos os delitos “consumados ou tentados” previstos no CP (art. 1º, caput, parte final, da Lei n. 8.072/90; sublinhado meu). Se a norma realmente quis mencionar como crimes preterdolosos os de lesões corporais gravíssimas (salvo o caso do aborto doloso) e seguidas de morte, de ver-se que esses delitos não admitem a figura da tentativa, pois o resultado qualificador é culposo. Explico: conjugando a redação do caput, parte final, do art. 1º da Lei n. 8.072/90 e o novo inciso I-A da mesma lei, com redação da Lei n. 13.142/2015, verifico que se o legislador pretendeu disciplinar, nos §§ 2º e 3º do art. 129 do CP, crimes preterdolosos (salvo a referida exceção), acabou por citar como novos delitos hediondos fatos atípicos, quais sejam, tentativa de lesão corporal de natureza gravíssima culposa e tentativa de lesão corporal seguida de morte culposa, pois essas infrações não admitem a forma tentada.
O legislador não imagina o tamanho da confusão causada. A não ser que a Lei n. 13.142/2015, louvável sob o aspecto da proteção da função policial, seja aplicada sem cuidar dos assuntos aqui expostos.
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