Qualquer mudança não significará nada sem um investimento real em escolas e mesmo nos presídios
WALCYR CARRASCO
28/04/2015
É difícil escrever sobre um tema onde minha opinião não está formada. É óbvio: acho um absurdo que alguém aos 17 anos e 11 meses, caso cometa um crime, não seja penalizado. Compartilho da dor de quem perdeu alguém querido, assassinado por um menor. Que depois de um período de “reeducação” já está, provavelmente, de volta às ruas. Quando menor, estive numa situação que me faz pensar. Para ver filmes proibidos aos 18 anos, tinha uma carteirinha de estudante falsificada. Era uma contravenção, reconheço. Mas que garoto na era pré-internet não queria ver um filme proibido? (Hoje basta ter um computador.) Quando faltavam três dias para completar 18, eu me senti livre. Deixei de lado a carteirinha falsificada – sempre odiei mentir – e fui ao cinema. Já ia passando quando a mulher que recebia os ingressos vistoriou melhor meu documento. E disse:
– Espera aí, que dia é mesmo hoje?
Teimei, perguntei que diferença fazia. Inútil. Não entrei. Já namorava, já transava, já ia a manifestações contra os militares. Que diferença três dias faziam? Olhando inversamente a questão, me pergunto: qual a diferença entre alguém de 17 que já pode votar mas não é penalizado criminalmente e outra pessoa de 18? Indo mais longe: as instituições para onde são mandados, de fato, reeducam? Há muita gente bem-intencionada dentro delas. Mas e os recursos? Há violência, rivalidade entre grupos. Revoltas. Quem sai melhor de um lugar assim?
Eu me preocupo com a velha tendência nacional de usar leis para dar a impressão de que o problema está resolvido. O Estado não funciona? Criam uma lei como solução. Por exemplo: quem inventou essa história de reconhecer firma? Como havia muita falsificação, criou-se a firma reconhecida, exigida até por órgãos governamentais. Os donos de cartórios enriquecem. Um amigo tentou explicar para um empresário chinês o que é firma reconhecida. Não conseguiu.
– Se está assinado, não basta?
A firma reconhecida por si só deixou de funcionar, também havia falsificação. Agora, para algumas transações, exige-se a presença da pessoa no cartório para assinar. Uma venda de carro, por exemplo. É lei em cima de lei. Mas o que falta é vigiar, fiscalizar o cumprimento da lei.
Temo que a mudança da maioridade penal seja apenas uma espécie de “firma reconhecida”. O grande argumento é que bandidos, traficantes, usam os menores para cometer e assumir crimes. Caindo a maioridade penal, os mesmos contraventores não vão cooptar os de 15? Daqui a pouco não estaremos todos chocados com um assassinato cometido por um adolescente de 14? Não preciso ir longe: basta olhar fotos de guerras na África. Há milícias formadas inteiramente por garotos de 11, 12 anos. E todos nós, tão horrorizados com a violência de menores de 18, não sabemos da prostituição a céu aberto de meninas até de 12, 13 anos, em praias do Nordeste e até no Rio de Janeiro? Ninguém nunca viu uma foto? Mas a lei proíbe. Há o Estatuto do Menor. E daí? O país continua como uma meca do turismo sexual. Com menores.
É por isso que não tenho uma opinião firme a respeito da mudança do limite legal. A lei sozinha não basta, mas as pessoas parecem pensar que sim. Lei, só lei?
Quando eu tinha 7 anos, dei meu primeiro passo no que poderia ter sido uma grande carreira de receptador. Explico: um coleguinha de escola me vendeu um relógio pelo dinheiro de um doce. Cheguei em casa feliz, mostrei para meus pais.
– Olha o relógio que eu comprei.
– Mas esse relógio vale muito mais – disse minha mãe.
Em lágrimas, fui obrigado a levar de volta e entregar para a professora. A escola averiguou: roubado. O vendedor era ladrão, aos 7 anos, imaginem. Eu levei uma bronca, em casa. Bem, isso chama-se educar uma criança. Minha família tinha valores. Aprendi que querer tirar vantagem não é bom negócio. Qualquer mudança em relação à maioridade penal não significará nada sem um investimento real em escolas, centros de reeducação e mesmo nos presídios. Como abrigar levas de pessoas com 16 anos em cadeias dominadas por grupos criminosos?
A mudança da lei em si não significa nada. Outros países do mundo têm a maioridade penal bem abaixo. Li que na Inglaterra é aos 10 anos. E nós, vamos seguir abaixando? Do jeito que está, podem mudar o limite da maioridade penal quanto quiserem. Nada será resolvido. Mesmo que se possa criminalizar crianças no berçário, no caso de um bebê roubar uma chupetinha de outro.
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