Encontro com o outro completa uma parte essencial de nossas vidas
Isso não implica esquecer a própria identidade
- MIRIAM SUBIRANA 12 SEP 2015
A sociedade de consumo criou o império da quantidade. Isso se transferiu para as relações. Não só os produtos caducam, algumas relações, também. Desapareceram as referências de nossas certezas e somos invadidos pela incerteza. Há quem tema estabelecer relações duradouras. Porque os vínculos são frágeis e parece que dependem somente dos benefícios que geram. São relações efêmeras, sem compromisso. Satisfazem pontualmente certas necessidades. São relações de desconhecimento mútuo e de si próprio.
Homens e mulheres se desesperam para se relacionarem, já que se sentem facilmente “descartáveis” e abandonados para lidar com os próprios recursos. Estamos ávidos por encontrar a segurança que a união nos oferece, de conhecer alguém com quem contar em momentos difíceis e de nos relacionarmos com alguém para fugir da solidão. Ao mesmo tempo, desconfiamos que a relação não vá durar. Ou que se transforme em uma jaula que limite a nossa liberdade. A ideia está carregada de atração e ameaça ao mesmo tempo.
Nesse espaço podemos sanar traumas passados e despertar a leveza e a espontaneidade do ser. Estar atento pode nos ajudar a nos dar conta do que a vida ganha no intercâmbio com os outros. O problema está em que inibimos essa centelha em razão de nossas crenças, normas interiorizadas e medos. Somos dominados pelo medo de ficarmos privados de amor, de ser abandonados. E nesse medo a espontaneidade não tem oportunidade de se manifestar, e a pessoa acaba até mesmo se convertendo em um fantoche, tentando ficar sempre bem, por medo da rejeição.
Quando dissipamos essas inibições e temores, tem lugar a ressonância, a sintonia, a harmonia, o que Piaget denomina deélan e, para Jung, é a corrente. Chamamos a indagação apreciativa denúcleo positivo. Para Schellenbaum, é a energia vital, liberada no espaço relacional do eu com o outro. Quando se dá, a pessoa sente uma força ascendente, um impulso que a leva para a frente. No entanto, essas experiências de energia vital “não modificam em nada a existência”, afirma Schellenbaum, “se não se transformarem em uma sensação vital nova e fundamental, que penetre em cada um de nossos pensamentos e ações”.
Para isso, é bom expressar o melhor de si mesmo. Lembre-se de como se sentia quando esteve em um momento vital pleno. Tente reviver isso. Nesse estado, uma pessoa é criativa e intuitiva. Barbara Fredrickson define o florescimento como sentir-se plenamente vivos, ser criativos e resilientes (capazes de nos sobrepor à diversidade), e sentir que crescemos e temos um impacto positivo em nosso entorno. Quando estamos abertos a receber, nossos impulsos criativos brotam e nosso potencial se manifesta.
Para conseguir isso, Fredrickson recomenda: ser conscientes de que a sinceridade importa em nossos intercâmbios. Encontremos e vivamos o sentido positivo com maior frequência na experiência diária. A amabilidade conta, focar-se nos demais e em como podem fazer uma diferença. Vivamos com paixão e nos permitamos brincar.
Infelizmente, carregamos feridas que nos levam a estabelecer relações nas quais, em lugar do impulso criativo e vitalidade, há controle e estancamento. Nós nos enredamos indo por caminhos nos quais o amor se torna um problema sem solução. Entramos em jogos complexos indo ao encontro da outra pessoa com a intenção de satisfazer a necessidade de um amor que parece que perdemos ou nos escapou. Jogos que nos deixam com uma insatisfação constante, frustrados, deprimidos, desesperados, sozinhos e exaustos, e nos provocam sentimentos de culpa, de inadequação e de impotência.
Cultivar emoções positivas
Faz com que nos abramos aos demais e a uma vida mais plena. Focamos no que funciona e o fazemos crescer, e nos centramos no que nos dá vida. Também é necessário saber administrar o sofrimento para que não seja devastador e não permitir que certas pessoas ou relações tóxicas contaminem nossos espaços internos. Quando isso ocorre, começamos a fazer suposições e a pensar mal, semeando desconfiança. Abre-se a porta à negatividade e ao mal-estar. Nesses casos, preste atenção para não alimentar as suposições negativas nem tirar conclusões de tudo precipitadamente. Tenha a coragem de perguntar, esclarecer e expressar o que quer. Fomente uma boa comunicação, assim evitará os mal-entendidos, as tristezas e os dramas.
Vamos ao encontro do outro com essa bagagem e com a esperança de obter sua energia e a chave para abrir-nos para a vitalidade essencial. Quando nossas expectativas não são satisfeitas, sentimos rejeição, fazemos com que se sinta culpado e, por fim, o abandonamos. Esses jogos, que Schellenbaum denomina de jogos do amor, nos encerram em um círculo vicioso que solapa nossa capacidade de dar e receber, e também a nossa autoestima. Se queremos encarnar todo nosso potencial, é importante superar recordações dolorosas, deixar de reviver feridas passadas e pisar em nossos rastros traumáticos. Ao rememorar velhas recordações determinamos como estamos, e o que criamos não nos revitaliza.
Para conseguir dar vida à nossa existência em todos os seus aspectos – mental, emocional, espiritual e corporal– é importante prestar atenção a que perguntas nos fazemos. Quando, por exemplo, eu me pergunto: sou suficientemente amado? A resposta quase sempre será “não”. Ao fazer outra pergunta incorreta acabo em respostas que podam minha capacidade de ir ao encontro do outro com espontaneidade, revivo lembranças que abrem minha ferida por não ter sido suficientemente amado e tem início, de novo, o desespero, a sensação de não ter valor e a rejeição ao outro que não me ama o bastante. E para tapar minha ferida justifico a situação com um “outra vez é a mulher ou o homem errado”.
Sugiro aplicar a indagação apreciativa na qual aprendemos a recuperar recordações de experiências vitais significativas, vivências de superação e plenitude, para nos abrir para ver e viver o que realmente desejamos. Com essa abertura estamos dispostos a viver um presente no qual possamos criar as condições para florescer nas relações. Pode-se perguntar: que aprendeu dessa situação? O que lhe proporcionou e o que você proporcionou à relação? Onde encontrou força para avançar? O que há no seu interior que o incentiva a ir para a frente? Se a situação ideal estivesse ocorrendo, o que estaria acontecendo? Como você estaria? O que faria de diferente? Não pense no que os demais deveriam fazer. O que faria você para criar as condições nas quais sua energia flua? Como sua personalidade se expressa em sua melhor forma, quando se mostra exuberante e se sente transbordando vitalidade?
Nossos processos vitais se ativam na medida em que estabelecemos relações. De todo modo, temos de prestar atenção ao modo como as mantemos, já que, na falta de amor, alguns se lançam de cabeça ao amor ao próximo pelo próprio prazer. Ajudam em virtude de sua necessidade de reconhecimento, renunciam a si mesmos e pretendem livrar-se da pressão de uma existência carente de amor próprio.
O conhecimento de si mesmo facilita o processo de superar o medo e ir ao encontro do outro de uma forma mais aberta, tolerante e relaxada. Conhecer-se implica sair da sensação de autoabandono em que a pessoa se distancia de seu próprio ser. Preocupamo-nos tanto com a opinião externa, dedicamos tanta energia a agradar aos outros, que abandonamos o cultivo do amor próprio, curativo e reparador. Na tradição judaico-cristã foi sendo criado um temor ao amor próprio para se não cair na escravidão do eu, do egocentrismo, em troca, no budismo não existe a liberação por fatores alheios, mas, sim, a autoliberação. É por meio do amor próprio e da compaixão que a pessoa se liberta da escravidão do eu.
Para que uma pessoa se conheça é necessário se dar espaços em que não tenha nada planejado, para estar disponível ao que emergir de dentro e de fora. Ver no seu interior exige um esforço de introspecção. Comunicar-se consigo mesmo é o primeiro passo para harmonizar qualquer mal-estar. Observe-se: o que se passa com você, como se sente, quem governa sua mente. Pode perguntar-se: o que acontece comigo quando não rejeito a solidão e a passividade como algo inapropriado, mas me permito um espaço para estar comigo? O que ocorreria em minha vida se me reservar algumas zonas livres de obrigações, que permitam um vazio no qual possa escutar-me e possa aflorar o que quer nascer em mim? O que seria gerado em mim se eu reservar alguns espaços em branco na minha agenda, para estar disponível? Disponível para mim e para o que quiser manifestar-se na minha vida. Permitindo-nos isso, “despertamos da hipnose social, que nos fez confundir o tecido de nossas obrigações com a vida em si mesma”, como disse o filósofo britânico Allan Watts.
Para saber mais
Livros
Cartas a uma Jovem Amiga. Jiddu Krishnamurti
Os Quatro Compromissos: Um Guia Prático para a Liberdade Pessoal. Miguel Ruiz
Positividade. Barbara Fredrickson
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