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segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Filósofa americana Judith Butler discute violência de gênero e dilemas éticos da política

12/09/2015 

Autora está no Brasil para lançar três livros e participar de seminários

Doutora em Filosofia pela Universidade de Yale e professora da Universidade da Califórnia, a americana Judith Butler ficou conhecida por contribuir para a criação da teoria queer. Formulada nos anos 1980 por uma aliança entre correntes do feminismo e dos estudos gays e lésbicos, a teoria propõe uma crítica à hegemonia heterossexual. Butler veio ao Brasil para o 2º Seminário Desfazendo o Gênero, na Universidade Federal da Bahia, e o 1º Seminário Queer: Cultura e Subversões das Identidades”, no Sesc Vila Mariana (SP). A visita coincide com o relançamento de “Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade” e com o lançamento de “Relatar a si mesmo” e “Quadros de guerra”. Os três livros contemplam os principais temas estudados por ela: gênero, ética e política.

Em seus livros que estão sendo lançados no Brasil, a senhora fala de vários tipos de violência: de gênero, ética e moral. Qual é mais nociva?
Não acho que possa dizer qual tipo de violência é mais destrutiva. Talvez seja mais importante entender o modo como essas formas de violência trabalham entre si. Claro, é urgente que continuemos a refletir sobre a agressão física dirigida a mulheres, queers e transexuais, mas também pensar sobre formas institucionais de violência, que podem incluir prisões e a polícia. Há também a violência que ocorre quando a existência de minorias é afetada. Um tipo pode levar a outro.

De acordo com “Relatar a si mesmo”, o sujeito ético transparente e racional é uma construção impossível, que nega a especificidade do que é ser humano. Como ter uma vida ética no mundo real?
Não tenho certeza se sei a real natureza do ser humano. Creio que estava apenas argumentando que somos formados pelos nossos meios, histórias sociais, convenções de poder e realidades físicas que tornam difícil nos conhecermos perfeitamente. Não devemos ter autoconhecimento perfeito para conduzir uma vida ética ou nos engajarmos politicamente. Nossa falibilidade significa que temos de assumir riscos com nossas ações sem saber sempre o que nos motiva a qualquer momento. Cometemos erros e aprendemos. E, se erramos, não só é um sinal de que somos falíveis, mas de que essa falibilidade nos aproxima dos outros, revela-nos como criaturas sociais.

Não sei se a senhora tem conhecimento das denúncias de corrupção na política brasileira. Como lidar eticamente com questões assim, que envolvem a percepção da opinião pública e as ações de instituições republicanas e midiáticas?
Não acho que, vindo de outro país, eu esteja apta a comentar a política brasileira. Sei apenas que a demanda política por responsabilizar o governo é legítima, especialmente em períodos de crise fiscal. É direito do público saber aonde vai o dinheiro do governo. Por exemplo, se são aprovadas leis que alocam fundos para a educação e esse dinheiro é desviado, então, o desvio pode ser uma forma de anular a lei. Os meios de comunicação podem pedir que se prestem contas, mas é importante que essa questão não leve à demonização da figura do político. Demonização é uma forma pobre de fazer política e só aumenta as injustiças na cena política.

Em “Quadros de guerra”, a senhora reflete sobre guerras contemporâneas. O livro saiu no início do primeiro mandato de Barack Obama, que herdou conflitos de George W. Bush e está terminando seu segundo mandato. Algo mudou?
Infelizmente, o uso de drones aumentou sob o mandato de Obama. E a vigilância sobre a população americana também. Matamos mais civis, ampliamos nossas prisões e perdemos muitas de nossas liberdades constitucionais. Embora o Partido Democrata seja melhor do que o Republicano, a profunda dinâmica do militarismo e o novo regime de “segurança” e neoliberalismo minam muitas liberdades democráticas para o povo nos EUA e no exterior.

A senhora fala de conflitos armados e do valor dado à vida nesses contextos. Considera que as guerras do tráfico em países como Colômbia e Brasil se inserem em suas teses?
Claro que muitas pessoas se manifestaram sobre a desvalorização da vida que se seguiu às guerras do narcotráfico. Muitas populações relacionadas a essa economia sofreram muita violência. Há a violência dos traficantes, mas também a da polícia e do Estado. Temos que ligar essa violência ao mercado, pensar no investimento estatal nesse mercado e considerar principalmente as vidas perdidas e abandonadas enquanto essa situação de cumplicidade continua.

O que significa o conceito de gênero como “categoria performativa”?
Ao nascermos, nos é atribuído um gênero. E, em seguida, há uma questão de como habitar ou viver esse gênero. Algumas crianças gostam ou até amam o gênero atribuído a elas; outras se resistem e até o recusam. Gênero é um processo e começa com uma situação involuntária. Fui chamada de menina e menino por algumas pessoas. No decorrer da existência, temos que desenvolver uma forma própria de viver o gênero, às vezes recusando o que nos foi atribuído. Essa é uma zona de liberdade que precisa ser afirmada. E pode ser chamada de “performatividade”.

A senhora acha que a questão do gênero pode ser absorvida em todas as culturas?
O termo gênero às vezes se traduz em outras línguas, noutras vezes não. Não acho que funcione para todas as culturas e línguas. É mais importante descobrir a linguagem e o exercício de viver o corpo, encontrar a linguagem que busca entender esse importante modo de viver. Gênero é apenas um meio de abordar a questão. Sei que há debates sobre esse termo em quase todos os países. Alguns entendem isso como importação teórica dos EUA. Outros acreditam que abre uma importante forma de pensar. Devemos deixar esse debate aberto. Talvez o gênero como categoria será de ajuda para pessoas que desejam viver suas vidas com mais liberdade e menos medo, mas talvez não seja o termo certo. Tudo depende da política da tradução cultural, e não podemos saber o resultado com antecedência.

Alessandro Giannini

Agência Patrícia Galvão

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