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sábado, 19 de setembro de 2015

“Na Arábia Saudita você necessita de um homem”

A aventura das mulheres europeias que trabalham num dos países mais misóginos do mundo


Muçulmanas rezam diante da Grande Mesquita de Meca, em 2009 / MAHMUD HAMS (AFP)
“Neste país você necessita de um homem”, resume Vega Gutiérrez, uma das engenheiras espanholas que trabalham na construção do metrô de Riad. “Este país” é a Arábia Saudita, onde as mulheres são proibidas de dirigir e não podem estudar, viajar ou submeter-se a uma intervenção médica sem a permissão do homem que detenha sua tutela, e ainda devem ocultar seus corpos sob túnicas negras chamadas abayas. Mas nem essas restrições, nem a má imagem do Reino do Deserto desanimaram essas pioneiras frente a um desafio profissional tão importante para elas quanto para seus anfitriões.
Gutiérrez se refere aos problemas de mobilidade, como não poder pegar um carro para visitar outros pontos da obra, fazer a compra semanal ou chegar a um restaurante. Essa engenheira de estradas de Salamanca é a responsável pela linha 5 e representante de uma das três construtoras do consórcio internacional liderado pela espanhola FCC. Com a experiência de 15 meses em Riad, ela admite que tem sorte por seu marido trabalhar no mesmo projeto. Isso lhe dá maior independência fora do ambiente de trabalho.
“O motorista se tornou minha sombra”, comenta, por sua vez, Berta Tapia, chefa do departamento de Topografia da mesma linha, cujos marido e filhos ficaram em Barcelona. “Mas o problema não é só de mobilidade; se você não tem marido, não pode se relacionar socialmente com outros homens e colegas de trabalho”, acrescenta.
As dificuldades são às vezes sutis e, para mulheres acostumadas a liderar equipes, tornam-se difíceis de suportar. Contam que os colegas sauditas resistem a se dirigirem a elas e, quando o fazem, não as olham diretamente. “Não têm o costume porque eles [mulheres e homens] não se falam entre si, mas pouco a pouco estão se habituando. E você também aprende a não dar a mão se eles não oferecerem as deles primeiro”, observa Almudena Álvarez, engenheira de estradas que dirige o departamento de projetos. “Em sua mentalidade, nós não existimos. Eles ainda estão aprendendo.”
Isso tudo supera o anedótico. Também afeta a organização do trabalho. “Não há a liberdade que temos em outros países de convocar uma reunião, mas isso se pode resolver, fazendo o pedido por meio de um colega, por exemplo”, reconhece Gutiérrez. “É preciso adotar uma atitude diferente. Isso seria o fim do mundo em Madri, mas aqui tenho consciência do lugar em que estou.”
Elas não foram pegas de surpresa. Sabiam que vinham ao país mais conservador e misógino do Oriente Médio. Já previam que as condições seriam difíceis, mas a oportunidade profissional falou mais alto. “É um projeto muito ambicioso, e na Espanha atualmente não há muitas obras de engenharia civil”, concordam.
Mais complicado é dar ordens ou repreender alguém quando seu trabalho não está à altura do esperado. “Há um fator cultural”, admite Álvarez. Essa nativa da cidade espanhola de Vigo, que chegou há 10 meses, vinda do Panamá, já tinha notado a necessidade de ter mais delicadeza ao fazer as críticas. “Os espanhóis são muito diretos, e isso é mal interpretado”, afirma. “Quando cheguei, não podia sair para a obra, mas eu preciso vê-la para fazer meu trabalho”, recorda Tapia, a topógrafa. “Não fico fisicamente atrás da máquina [o teodolito ou estação total, com que são feitas as medições], embora de vez em quando me esconda atrás da tuneladora para conseguir uma vista com discrição”, confidencia antes de lembrar, divertindo-se, que no primeiro dia rasgou a abayaporque se enganchou na máquina.
Entretanto, elas estão convencidas de que os sauditas não se revoltam com as ocidentais, contanto que andem cobertas e sejam discretas. “Nós provocamos mais curiosidade do que outra coisa”, afirma Vega.
Elas também notam certo esforço para entender o fenômeno de mulheres presentes a uma obra. Na Arábia Saudita, elas nem sequer podem estudar engenharia. Umas poucas corajosas estudaram fora, mas ou trabalham na Aramco (a companhia nacional de petróleo) ou em tarefas de escritório. Só em 2005 foi aberta a primeira faculdade de arquitetura numa universidade feminina.
Essa segregação absoluta defendida pelos sauditas mais puritanos também cria oportunidades para as estrangeiras. É o caso de Sandra Yagüez, jovem topógrafa de outra empresa de engenharia que está reformando e ampliando um campus universitário. “Durante o período das obras, as mulheres, que serão as usuárias, não podem se comunicar com os homens que estão trabalhando; por isso, quem cuida desse trabalho sou eu”, explica.
“É uma contradição: não deixam entrar mulheres, mas precisam delas”, constata Yagüez, que teve que se casar antes de instalar-se em Riad para poder morar com seu até então namorado. Na obra ela tem um escritório separado de seus colegas e de início alguns desviavam do caminho quando ela se aproximava. “Eu trabalho na sombra”, admite. Mas isso não lhe tira o entusiasmo. “Pintaram um retrato tão feio antes de eu vir que, estando aqui, nem parece tanto”, ressalta.
A mesma impressão tiveram suas colegas da FCC. “No fim, usar aabaya é um mal menor; é como um uniforme”, conclui Álvarez.

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