Nossa educação sexual foi inexistente, mas o desejo de romper com a tradição à qual nossas mães foram submetidas fez com que algumas de nós buscássemos maneiras de ser livres
ELVIRA LINDO 25 SEP 2015
Uma aula de educação sexual em um colégio de Barcelona. / CARLES RIBAS |
A intimidade das mulheres continua sendo um mistério. Abordei isso na semana passada, quando escrevi sobre a desconhecida sexualidade das mulheres acima dos 60 anos. Pena que os artigos não tratem do que sua autora pretende, mas do que o leitor prefere, porque o affair do Nobel peruano com uma socialite acabou ofuscando o resto das minhas considerações e, em nossa tendência teimosa (marca da Espanha) de transformar tudo em um plebiscito, uns se mostram a favor e outros são contra a dita relação. Mas o que eu pretendia, sem conseguir, era refletir sobre os mal-entendidos que sempre rondam o assunto da sexualidade feminina: se a mulher é mais velha, madura ou idosa, se considera aposentada do jogo amoroso, e se a mulher é muito jovem, nessa época em que deveria contar com mais armas para ter relações satisfatórias, evitar a gravidez indesejada ou infecções que ponham sua saúde em risco, um percentual alarmante de meninas mantêm relações de qualquer forma e não sabem ou não podem ou não querem pedir ajuda em seus primeiros passos.
Nesse assunto, nós mulheres com experiência ou com experiências, deveríamos romper um tabu para o qual continuamos contribuindo. Principalmente nós, que fomos adolescentes nos 1970 e jovens nos 1980, que rompemos com o protocolo de iniciação habitual na geração de nossas mães, que ainda valorizavam a celebração do matrimônio com o hímen intacto, esse hímen que agora algumas descerebradas pagam pela reconstrução. Deveríamos saber porque, se as meninas liberadas (como se dizia à época) quiseram romper com o mito da virgindade e buscamos informação por nossa conta, fomos ao ginecologista escondidas, escolhemos o método anticonceptivo e tratamos de não ficarmos grávidas, ainda que a sombra do aborto estivesse muito presente naquela juventude, por que, pergunto, não contribuímos para que se avance mais nesse aspecto; por que nesses tempos que se fala de sexo tão abertamente na televisão, convertendo a intimidade em algo impudico, e tantos personagens se empenham em nos contar suas façanhas sexuais, por que continua a existir uma porcentagem considerável de adolescentes que ignoram quase tudo que deveriam saber antes de se envolverem com um homem. Falo no feminino não porque sejam elas as únicas que devem se informar, em absoluto, mas é óbvio que as consequências não desejadas costumam cair sobre os ombros delas, e também é habitual que as meninas renunciem a sua parte de prazer em favor de seu companheiro. Ainda que o aspecto dedicado ao prazer em si não tenha sido o objetivo do estudo da Bayer que analisou o conhecimento que nossas jovens têm dos métodos anticonceptivos, não existe verdadeira educação sexual se não se contempla a essência de se encontrar intimamente com alguém: desfrutar ou, melhor ainda, desfrutar muito.
Não faria mal que nós que já podemos olhar para trás com ironia, e tendo perdoado todos os erros cometidos, contássemos como foi nosso início, onde, com qual idade, quem nos ajudou com alguma informação e se soubemos alguma coisa através de nossos pais. Meu pai foi pedagogo por um dia e me contou algo sobre a abelha rainha e os zangãos. Ainda estou tentando assimilar. Na realidade eu sabia de sobra sobre o que estava se referindo e me senti envergonhada, quase tão incomodada quanto como fui ao cinema com ele ver 1900 e nos vimos contemplando juntos a cena em que uma prostitua faz sexo com Robert De Niro e Gérard Depardieu. Nossa educação sexual foi inexistente, mas o desejo de dar um salto geracional e romper com a tradição à qual nossas mães foram submetidas fez com que algumas meninas buscassem a maneira de ser livres.
O futuro nem sempre traz progresso; se a educação não funciona condenamos as meninas a retroceder. Pode ser alguém de aparência tão atrativa e rompedora como Amy Winehouse, admirar seu talento e descobrir logo que nas letras que ela mesmo compôs há uma entrega cega à vontade masculina, à satisfação dos desejos dos homens, a uma desvalorização voluntária e orgulhosa, que nos leva de volta aos tempos de uma Billie Holiday, que foi destruída pelo racismo e as drogas, mas também pelos homens que amou, e que atuaram mais como cafajestes do que como companheiros. É provável que a educação sexual seja uma das matérias mais difíceis de ensinar, mas também não se pode abandonar tudo à experiência, porque não podemos permitir que as meninas continuem acreditando na marcha à ré, em que não podem ficar grávidas se estão menstruadas, em que não há mais do que dois métodos anticonceptivos, ou em que o fundamental é fazer com que seu menino tenha um orgasmo. Porque depois vem a imagem da menina sozinha, desolada, que não sabe como sair da confusão em que se envolveu.
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