03.09.2015
Autoria Marina Estarque
Filha de operário, Moara Correa Sabóia relata as dificuldades pelas quais passou para entrar no curso de Engenharia Civil da UFMG e se tornar a primeira mulher negra a chegar à vice-presidência da UNE desde a ditadura.
Quando Moara era menina, fugia do próprio reflexo. Enquanto as amigas se revezavam frente aos espelhos no banheiro da escola, Moara lavava as mãos de cabeça baixa. "Aquela arrumadinha no cabelo não fazia sentido para mim. Achava que não ia ficar bonita nunca. Passei um ano sem me olhar no espelho", conta.
Com muito esforço, os tempos de cabeça baixa passaram. Moara Correa Sabóia, de 25 anos, é a primeira mulher negra a chegar à vice-presidência da União Nacional dos Estudantes (UNE) desde a ditadura. É também aluna cotista e uma das poucas negras no curso de Engenharia Civil da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Para chegar até lá, Moara teve primeiro que fortalecer a sua identidade dentro dos movimentos feministas, negros e operários, onde milita desde os 15 anos.
"Essa coisa de se valorizar, se sentir bonita, foi um processo muito importante e libertador. Parece fútil, mas não é. Mudou a minha relação com o mundo. Se você não se sente bem consigo mesma, não consegue andar de cabeça erguida", afirma.
Apesar de ser filha de militantes – seus pais faziam parte de movimentos operários católicos e de bairro – Moara passou a maior parte da vida alisando o cabelo. O pai, eletricista envolvido com a luta negra, achava um absurdo. A mãe, inspetora escolar, também era contra. Mas não adiantava: Moara recorria a químicas para "abaixar" as madeixas.
"Meu cabelo precisou cair muito até eu decidir me assumir e mantê-lo natural", diz. Foi um dos primeiros passos na recuperação da autoestima, abalada pela consciência precoce das desigualdades sociais e raciais.
"Como meus pais eram ativistas, desde os seis anos eu sabia que o racismo existia e que eu era diferente", conta.
Engenheira, filha de peão
Moradora de Contagem, cidade na região metropolitana de Belo Horizonte, Moara sempre estudou em escolas públicas. No ensino médio, já de olho na faculdade, fez um processo de seleção e conseguiu bolsa em um cursinho.
Pouco antes de entrar para a universidade, entretanto, seus pais ficaram desempregados. "Foi muito perrengue. Teve um impacto grande na minha vida, até mesmo na decisão do curso. Achei que a Engenharia Civil me daria mais garantias."
A influência do pai, que trabalhava na construção, também contribuiu para a escolha. Os dois irmãos de Moara seguiram o mesmo caminho. "Meus pais não fizeram universidade. Para o meu pai, que era peão, ver os filhos virarem engenheiros é muito simbólico."
"Chorava de cansaço"
Estudante bolsista do Programa Universidade para Todos (Prouni) e cotista, Moara disse que teve dificuldade em se adaptar ao ambiente universitário. Segundo ela, que estudou primeiro na PUC até passar para a UFMG, sua realidade era muito distante da dos outros alunos.
"Tive muita dificuldade de interação e de me reconhecer naquele espaço. Eu estava lá porque tinha uma bolsa, enquanto as outras pessoas pagavam. Depois, na federal, o ambiente era ainda mais elitista e machista."
Para se sustentar durante a faculdade, Moara foi professora de percussão em um projeto social em Contagem. Saia às sete da manhã e só voltava para casa perto da meia noite. Trabalhava de segunda a sábado e, no domingo, tinha que preparar as aulas de música da semana seguinte.
"No começo, eu chorava de cansaço. Eu só queria dormir, mais nada. Enchia a cara de guaraná em pó nas semanas de prova. Aí você começa a se comparar com os outros. Por que é tudo tão difícil na minha vida?", lembra.
Fazer um estágio também não foi fácil. Segundo Moara, mesmo com o mercado da construção civil aquecido, ela era uma das únicas da turma que não conseguia uma vaga. "Eu passava na fase do currículo, mas não ia além das entrevistas."
Reconhecimento
Na universidade, Moara se aproximou dos movimentos estudantis, que antes via com reservas. Para ela, eram espaços de disputa de poder entre alunos da classe média branca. "Eu tinha preconceito. Mas, com as cotas e a popularização das universidades, a UNE também mudou."
Com uma rápida ascensão no movimento estudantil, Moara foi eleita vice-presidente em apenas dois anos. Mas foi só após a eleição que percebeu o significado da sua vitória.
"Eu ocupar esse espaço na mesa diretora não foi natural, foi fruto de muita conquista", diz ela, reafirmando o papel dos movimentos sociais. "Se eu estou na universidade, não é só por ter sido estudiosa. Lógico que eu batalhei, mas alguém antes de mim lutou para haver cotas e bolsas, para que eu tivesse essa oportunidade. É uma construção coletiva, e saber disso me dá forças."
Ao ser eleita e receber os abraços chorosos dos estudantes e militantes negros, teve consciência também da importância daquela representatividade alcançada. "Como você vai achar que pode ser engenheiro se não conhece um engenheiro negro? Isso tem um impacto grande na identidade das pessoas."
Para ela, ocupar um lugar de liderança significa também assumir uma responsabilidade com as próximas gerações: "Tenho que lutar para que a vida deles não seja tão difícil quanto a minha."
DW
Filha de operário, Moara Correa Sabóia relata as dificuldades pelas quais passou para entrar no curso de Engenharia Civil da UFMG e se tornar a primeira mulher negra a chegar à vice-presidência da UNE desde a ditadura.
Quando Moara era menina, fugia do próprio reflexo. Enquanto as amigas se revezavam frente aos espelhos no banheiro da escola, Moara lavava as mãos de cabeça baixa. "Aquela arrumadinha no cabelo não fazia sentido para mim. Achava que não ia ficar bonita nunca. Passei um ano sem me olhar no espelho", conta.
Com muito esforço, os tempos de cabeça baixa passaram. Moara Correa Sabóia, de 25 anos, é a primeira mulher negra a chegar à vice-presidência da União Nacional dos Estudantes (UNE) desde a ditadura. É também aluna cotista e uma das poucas negras no curso de Engenharia Civil da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Para chegar até lá, Moara teve primeiro que fortalecer a sua identidade dentro dos movimentos feministas, negros e operários, onde milita desde os 15 anos.
"Essa coisa de se valorizar, se sentir bonita, foi um processo muito importante e libertador. Parece fútil, mas não é. Mudou a minha relação com o mundo. Se você não se sente bem consigo mesma, não consegue andar de cabeça erguida", afirma.
Apesar de ser filha de militantes – seus pais faziam parte de movimentos operários católicos e de bairro – Moara passou a maior parte da vida alisando o cabelo. O pai, eletricista envolvido com a luta negra, achava um absurdo. A mãe, inspetora escolar, também era contra. Mas não adiantava: Moara recorria a químicas para "abaixar" as madeixas.
"Meu cabelo precisou cair muito até eu decidir me assumir e mantê-lo natural", diz. Foi um dos primeiros passos na recuperação da autoestima, abalada pela consciência precoce das desigualdades sociais e raciais.
"Como meus pais eram ativistas, desde os seis anos eu sabia que o racismo existia e que eu era diferente", conta.
Engenheira, filha de peão
Moradora de Contagem, cidade na região metropolitana de Belo Horizonte, Moara sempre estudou em escolas públicas. No ensino médio, já de olho na faculdade, fez um processo de seleção e conseguiu bolsa em um cursinho.
Pouco antes de entrar para a universidade, entretanto, seus pais ficaram desempregados. "Foi muito perrengue. Teve um impacto grande na minha vida, até mesmo na decisão do curso. Achei que a Engenharia Civil me daria mais garantias."
A influência do pai, que trabalhava na construção, também contribuiu para a escolha. Os dois irmãos de Moara seguiram o mesmo caminho. "Meus pais não fizeram universidade. Para o meu pai, que era peão, ver os filhos virarem engenheiros é muito simbólico."
"Chorava de cansaço"
Estudante bolsista do Programa Universidade para Todos (Prouni) e cotista, Moara disse que teve dificuldade em se adaptar ao ambiente universitário. Segundo ela, que estudou primeiro na PUC até passar para a UFMG, sua realidade era muito distante da dos outros alunos.
"Tive muita dificuldade de interação e de me reconhecer naquele espaço. Eu estava lá porque tinha uma bolsa, enquanto as outras pessoas pagavam. Depois, na federal, o ambiente era ainda mais elitista e machista."
Para se sustentar durante a faculdade, Moara foi professora de percussão em um projeto social em Contagem. Saia às sete da manhã e só voltava para casa perto da meia noite. Trabalhava de segunda a sábado e, no domingo, tinha que preparar as aulas de música da semana seguinte.
"No começo, eu chorava de cansaço. Eu só queria dormir, mais nada. Enchia a cara de guaraná em pó nas semanas de prova. Aí você começa a se comparar com os outros. Por que é tudo tão difícil na minha vida?", lembra.
Fazer um estágio também não foi fácil. Segundo Moara, mesmo com o mercado da construção civil aquecido, ela era uma das únicas da turma que não conseguia uma vaga. "Eu passava na fase do currículo, mas não ia além das entrevistas."
Reconhecimento
Na universidade, Moara se aproximou dos movimentos estudantis, que antes via com reservas. Para ela, eram espaços de disputa de poder entre alunos da classe média branca. "Eu tinha preconceito. Mas, com as cotas e a popularização das universidades, a UNE também mudou."
Com uma rápida ascensão no movimento estudantil, Moara foi eleita vice-presidente em apenas dois anos. Mas foi só após a eleição que percebeu o significado da sua vitória.
"Eu ocupar esse espaço na mesa diretora não foi natural, foi fruto de muita conquista", diz ela, reafirmando o papel dos movimentos sociais. "Se eu estou na universidade, não é só por ter sido estudiosa. Lógico que eu batalhei, mas alguém antes de mim lutou para haver cotas e bolsas, para que eu tivesse essa oportunidade. É uma construção coletiva, e saber disso me dá forças."
Ao ser eleita e receber os abraços chorosos dos estudantes e militantes negros, teve consciência também da importância daquela representatividade alcançada. "Como você vai achar que pode ser engenheiro se não conhece um engenheiro negro? Isso tem um impacto grande na identidade das pessoas."
Para ela, ocupar um lugar de liderança significa também assumir uma responsabilidade com as próximas gerações: "Tenho que lutar para que a vida deles não seja tão difícil quanto a minha."
DW
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