marie claire
09.01.2019 | POR FABIANA GABRIEL
Fabiana Gabriel faz uma reflexão sobre dias que passou desconectada e de seus desejos para 2019: "Que a gente possa esquecer um pouco a conexão rasa e oportuna das redes sociais, a fofoca e ostentação de pessoas que sequer nos acrescentam algo e nos colocar em mais situações desconhecidas e, surpreendentemente, prazerosas"
Desde pequena, sempre gostei de observar estranhos na rua, imaginar as dores e alegrias que acompanham suas vidas e o que disfarçam no nosso cotidiano corrido.
Aquela mulher ali, comprando o pão, terá quantos filhos? Já amou demais ou de menos? E aquele homem, fumando um cigarro no parapeito? Estaria desempregado ou apenas num momento de relax? Aquela criança fofa, de mãos dadas com o irmão mais velho, sofre bullying no colégio?
Aquela mulher ali, comprando o pão, terá quantos filhos? Já amou demais ou de menos? E aquele homem, fumando um cigarro no parapeito? Estaria desempregado ou apenas num momento de relax? Aquela criança fofa, de mãos dadas com o irmão mais velho, sofre bullying no colégio?
Diariamente entramos no cotidiano de muitos, damos like nas diversas fotos de viagens, nascimento de bebês, o balé da filha, o estrogonofe da avó e por aí vai. Mas perdemos o hábito da contemplação criativa sobre vidas desconhecidas. Fora das redes sociais, nas ruas, acreditamos estar ocupados demais pra, de fato, criarmos alguma conexão com estranhos.
Recentemente, meio que ao acaso, tive o privilégio de compartilhar viagens com pessoas com as quais nunca havia esbarrado antes. Fosse no deserto, no alto de uma serra sem luz elétrica, ou mesmo em uma casa de praia com convidados diversos, os celulares e as redes sociais deram lugar à boa e velha conversa, com “olho no olho”, profunda e descompromissada. De alguma forma mágica vi pessoas compartilharem emoções e sentimentos normalmente caros até em nossas sessões de análise.
No deserto, fiquei "melhor amiga" de um casal brasileiro beirando os 60 anos. Jovens e bonitos, eles traziam ao grupo uma leveza deliciosa, de quem já criou os filhos, aguarda os netos e, enquanto isso, desfruta a vida sem dever nada a ninguém.
O marido me conta do seu sonho de anos de juntar uma mesa grande de família na Toscana e que se dá muito bem com seu cunhado gringo. Ele é divertido e falante.
Sua esposa, mais contida, ri de suas bobagens e, depois de alguns dias de viagem, me fala mais da relação com as filhas, seu amor pela fazenda onde cria cordeiros e como conheceu seu companheiro, há cerca de 40 anos. Eles trazem verdade na fala, companheirismo e um afeto mútuo que me faz lembrar meus próprios pais.
Na serra, à luz de velas, virei "amiga de infância" da prima da minha amiga, conheci um jovem casal de São Paulo, ambos analistas de sistemas, com uma filha pré-adolescente educadíssima e superparceira deles. Um trio com o qual, no corre-corre da vida, dificilmente trocaria mais de duas frases.
Na mesma viagem, uma mulher do interior de São Paulo com idade não detectada (algo entre 35 e 45 anos) faz crochê na lareira. Com ar solitário, semblante assustado e visivelmente metódica, ela diz que se separou há pouco e precisava deixar um pouco marido e filha longe “para se reconectar”. Eu admiro essa mulher, aparentemente tão frágil, que se jogou na estrada sozinha e foi para o topo da montanha escutar seu próprio barulho.
Já na praia, em temperaturas mais tropicais, me encantei por um casal de rapazes ótimos. Um deles extremamente doce, daqueles que o sorriso chega antes de todos. O outro, inteligente e cheio de boas histórias.
Foi através deles que também experimentei uma tarde deliciosa em torno de uma mesa cheia de frente para o mar. Nela, uma argentina senta ao meu lado acompanhada do marido. Ela já passa dos 60 e ainda carrega uma beleza que certamente a destacou na juventude. Uma maturidade que vem acompanhada de cachos loiros e olhos azuis.
Entre trocas de percepções sobre o mundo e outras banalidades, ela me confidencia que perdeu uma filha com 28 anos de idade. Diz que, em épocas de festividades de final de ano, o casal sai do circuito familiar e viaja por aí. "É impossível lidar com aquela ausência tão fortemente presente", diz ela, em um castelhano forte que parece acentuar ainda mais sua tragédia particular.
Ela conta que foi preciso mudar bruscamente de rotina e amigos após a perda da filha. A vida que havia construído até então mudou de forma e eles precisavam se ressignificar a partir dali. Lembra que exerceu a psicanálise durante décadas, mas parou de clinicar quando sua dor estava falando mais alto do que a de seus pacientes.
Enquanto lhe ofereci uma escuta absolutamente livre e verdadeira, meus olhos marejaram algumas vezes e me perdi no encontro de tamanha poesia, ainda que carregada de uma tristeza que eu jamais poderia medir.
Não há nada mais rico que a troca real e desinteressada pela vida alheia. Aprendemos muito mais sobre nós mesmos quando nos oferecemos e damos ao outro a oportunidade de ser ele mesmo.
Que em 2019 a gente possa esquecer um pouco a conexão rasa e oportuna das redes sociais, a fofoca e ostentação de pessoas que sequer nos acrescentam algo e nos colocar em mais situações desconhecidas e, surpreendentemente, prazerosas. Um feliz ano para todos nós!
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