A história de uma paciente em coma que deu à luz no Estado americano do Arizona chocou o mundo.
É um exemplo de situação em que as mulheres estão particularmente vulneráveis à agressão sexual e de uma nova vertente para o movimento #MeToo - vítimas que estão fisicamente impedidas de denunciar seus agressores.
A mulher, cujo nome não foi divulgado, deu à luz um menino em 29 de dezembro. Ela é paciente de uma clínica de repouso administrada pela Hacienda Healthcare, na cidade de Phoenix, e está em estado vegetativo há mais de uma década.
A mulher, cujo nome não foi divulgado, deu à luz um menino em 29 de dezembro. Ela é paciente de uma clínica de repouso administrada pela Hacienda Healthcare, na cidade de Phoenix, e está em estado vegetativo há mais de uma década.
Os funcionários da clínica disseram que não sabiam que ela estava grávida até entrar em trabalho de parto.
O técnico em enfermagem Nathan Sutherland, de 36 anos, que trabalhava no local, foi preso acusado de abuso sexual e estupro de vulnerável.
A polícia chegou até ele após obter uma ordem judicial para coletar amostras de DNA, que foram comparadas ao DNA do bebê.
Infelizmente, no entanto, este não é o primeiro episódio de violência sexual contra pacientes do sexo feminino sob cuidado médico prolongado que resultou em gravidez.
Foram registrados casos em todo o mundo, incluindo na Argentina, no Brasil, em Dubai e no Reino Unido, além de pelo menos três ocorrências prévias nos EUA.
Um dos casos aconteceu em Nova York em 1995, quando um auxiliar de uma casa de repouso estuprou e engravidou Kathy Cobb, de 29 anos.
A gravidez foi detectada quando a mulher, em coma há vários anos, estava com quatro meses de gestação.
Os parentes dela eram católicos e foram contra abortar - Kathy levou a gravidez até o fim.
Ela morreu em 1997, pouco antes do primeiro aniversário do bebê.
Seu agressor, John Horace, alegou no tribunal que acreditava que a gravidez poderia "acordá-la".
Ele ficou preso por 13 anos.
O caso levou à criação de uma nova legislação no estado de Nova York, que reforçou a checagem dos antecedentes dos funcionários que trabalham em casas de repouso - a "Lei de Kathy", como ficou conhecida.
Mas as mulheres vulneráveis ainda são muito mais propensas a serem vítimas de violência sexual nos Estados Unidos.
Vulnerabilidade
Dados do Departamento de Justiça divulgados pela emissora de rádio pública NPR, em janeiro de 2018, mostraram que pessoas com deficiência eram quase quatro vezes mais vítimas de estupro e agressão sexual.
"Mais de 80% das mulheres com deficiência serão agredidas sexualmente em suas vidas", disse um porta-voz da ONG americana Disability Justice.
Outro caso de gravidez durante coma foi registrado na Argentina em 2015, na província de Córdoba, mas reportagens da imprensa local dizem que a família da vítima se recusou a prestar queixa.
Dois anos antes, um enfermeiro na cidade argentina de Bahía Blanca foi condenado a oito anos de prisão por estuprar uma paciente de 60 anos em coma.
No Reino Unido, Andrew Hutchinson, enfermeiro do John Radcliffe Hospital, em Oxford, atacou duas pacientes inconscientes e até filmou as agressões, que ocorreram entre 2011 e 2013.
Ele foi condenado a 15 anos de prisão em março de 2015.
O Rashid Hospital, em Dubai, registrou um caso de abuso sexual contra uma paciente em coma em maio de 2010.
Episódios de abuso envolvendo mulheres em coma ou sedadas também foram registrados no Brasil, como o caso do médico Roger Abdelmassih, acusado de ter cometido 56 agressões sexuais contra pacientes, incluindo várias que estavam sedadas.
O tema também foi retratado no cinema. No filme espanhol Fale com Ela (2002), do diretor Pedro Almodóvar, o funcionário de uma clínica de repouso é acusado de engravidar uma paciente em coma - uma dançarina por quem ele era obcecado antes de ser hospitalizada.
O filme ganhou o Oscar de melhor roteiro original.
Tolerância
Em 2016, uma investigação conduzida pelo jornal Atlanta-Journal Constitution descobriu 2,4 mil casos de abuso sexual cometidos por médicos contra pacientes anestesiadas ou sedadas nos Estados Unidos.
Eles ocorreram em todos os Estados desde 1999.
"Metade desses médicos ainda tinha licença médica em 2016", disse o jornalista Danny Robbins, que publicou a história, à BBC.
"No que diz respeito aos médicos, o sistema protege os predadores."
As clínicas de repouso e asilos são uma indústria enorme nos Estados Unidos - com receita estimada de US$ 132 bilhões em 2018, segundo relatório da empresa de pesquisa IBIS World.
Hospitais e casas de repouso investiram mais de US$ 73 milhões em lobby no ano passado, de acordo com o OpenSecrets.org, grupo que monitora gastos na política.
Segundo organizações como o Centro Nacional de Recursos de Violência Sexual (NSVRC, na sigla em inglês), casos de violência contra pacientes incapazes de expressar consentimento ainda são raros.
Mas eles destacam a vulnerabilidade dessas pessoas.
"Agressores oportunistas são comuns, nós vemos em todos os lugares em que há vulnerabilidades inerentes", disse o NSVRC em comunicado.
O assédio é muito mais comum: a Hacienda Healthcare, por exemplo, foi alvo de investigação em 2013, após denúncias de que um funcionário do sexo masculino tinha feito comentários de cunho explicitamente sexual às pacientes.
De acordo com o Departamento de Serviços de Saúde do Arizona, o empregado foi demitido, e a Hacienda Healthcare prometeu aumentar a proteção aos pacientes.
Demissão
A BBC entrou em contato com a Hacienda Healthcare para comentar o caso da gravidez da mulher em coma.
HACIENDA HEALTHCARE |
"Quero garantir aos nossos pacientes, a seus entes queridos, aos nossos parceiros comunitários, às agências com as quais fazemos negócios e aos moradores do Arizona, que nós continuaremos a cooperar com a polícia de Phoenix e com as instâncias de investigação em todos os níveis, de todas as maneiras possíveis", disse Orman.
"Faremos tudo que estiver ao nosso alcance para garantir a segurança de cada um dos nossos pacientes e funcionários".
O escândalo levou o diretor-executivo da Hacienda, Bill Timmons, a pedir demissão no início deste mês.
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