Antonia Pellegrino fala das mulheres que acreditam que, armadas, estariam em situação de igualdade com um homem: "Ao invés de subverter a lógica violenta do patriarcado, as anti-feministas imersas em séculos de violência encontram no opressor uma imagem a ser reproduzida"
18.01.2019 - POR ANTONIA PELLEGRINO
"Está liberada a posse de armas, acabou a violência contra mulher", postam as anti-feministas opressoras, usando gif de dancinha. "Agora mulheres de todo o Brasil terão a resposta na ponta do dedo aos estupradores", elas comemoram, postando gif de vômito diante do conceito de cultura do estupro. "Se apanhou, é porque quis, porque deixou chegar neste ponto", escreve uma jovem embaixo de uma imagem da ativista Maria da Penha. Enquanto o padrão da "nova era" da ministra Damares é mais do mesmo da Amélia, a novidade é a anti-feminista opressora que enxerga na liberação da posse de arma uma das chaves do que entende como empoderamento.
"O bolsonarismo não é uma onda. É uma resposta aos anos de política pública voltada para as minorias. Continuemos a opressão ao mimimi!", escreve uma amiga do clã Bolsonaro, diva da manutenção das desigualdades e privilégios, que post a post polariza com os feminismos, fazendo a primeira aluna da cartilha do clã: ela sabe, o ódio é uma vitoriosa estratégia de comunicação e likes, a polarização despolitiza o debate. Para ela e outras, nós feministas somos as feias, as anti-feministas são as lindas. Nós somos sujas, elas são limpinhas. A gente faz mimimi, elas pisam no salto e correm atrás dos próprios méritos. Para além das provocações de quinta série e da visão rasteira de que feminismo é sobre pelos e padrões, nem tudo o que as feministas reivindicam, as anti-feministas querem jogar no lixo. O empoderamento está no centro da disputa.
"O bolsonarismo não é uma onda. É uma resposta aos anos de política pública voltada para as minorias. Continuemos a opressão ao mimimi!", escreve uma amiga do clã Bolsonaro, diva da manutenção das desigualdades e privilégios, que post a post polariza com os feminismos, fazendo a primeira aluna da cartilha do clã: ela sabe, o ódio é uma vitoriosa estratégia de comunicação e likes, a polarização despolitiza o debate. Para ela e outras, nós feministas somos as feias, as anti-feministas são as lindas. Nós somos sujas, elas são limpinhas. A gente faz mimimi, elas pisam no salto e correm atrás dos próprios méritos. Para além das provocações de quinta série e da visão rasteira de que feminismo é sobre pelos e padrões, nem tudo o que as feministas reivindicam, as anti-feministas querem jogar no lixo. O empoderamento está no centro da disputa.
O que elas chamam de empoderamento é um gesto individual de valentonas brancas, quase todas de classe alta, que acreditam enfrentar as desigualdades estruturantes com participação no mercado de trabalho e combate à violência patriarcal de gênero com aulas de defesa pessoal, castração química e armas no coldre. A agressividade, que não é uma característica tradicionalmente associada ao feminino - afinal, meninas vestem rosa -, e muitas vezes foi usada como crítica ao feminismo, não aparece entre as anti-feministas opressoras como algo negativo. Ao contrário. Em uma imagem sintética, postada em um perfil "opressor" de instagram, vemos: uma noiva magra, loira, bem penteada, vestida em um longo tomara-que-caia branco rendado, com um Impala ao fundo, caminhando sobre um gramado, de véu na cabeça e fuzil na mão.
Fica conservada a tradição do casamento, da transmissão da propriedade, do vestido branco virginal, mas a presença do objeto negro, enorme e mortífero desloca o perigo. Depois de séculos de patriarcado, agora somos nós as opressoras. E quem tentar colocar as patas da violência sobre nossos corpos vai tomar bala.
No entanto, a mensagem da foto polariza com os dados. Sabemos: no Brasil, 70% das vítimas de estupro são crianças e adolescentes. Seus algozes são pais, padrastos, avôs, amigos da família. As violações acontecem em casa. Ou seja, o "comigo não" recém-armado vai realmente abrir fogo contra a instituição da família?
O que as anti-feministas opressoras e "empoderadas" não imaginam é que, quem primeiro teorizou sobre o empoderamento, foi o educador Paulo Freire. Para ele, "os próprios grupos oprimidos devem empoderar a si mesmos". A teoria, devorada pelos feminismos, diz que "o conceito de empoderamento é instrumento de emancipação política e social", como escreve a feminista negra Joice Berth. Ou seja, se em um primeiro nível, o empoderamento é uma ruptura individual com a submissão, sua verdadeira força nasce do despertar coletivo. Nas palavras da feminista norte-americana Nelly Stromquist: "o empoderamento consiste em quatro dimensões, cada uma igualmente importante, mas não suficiente por si própria para levar as mulheres a atuarem em seu próprio benefício. São eles a dimensão cognitiva (visão crítica da realidade), psicológica (sentimento de auto-estima), política (consciência das desigualdades de poder e a capacidade de se organizar e se mobilizar) e a econômica (capacidade de gerar renda independentemente)".
Uma mulher armada estaria em situação de igualdade com um homem, dizem as anti-feministas opressoras, numa clara demonstração de desempoderamento. Ao invés de subverter a lógica violenta do patriarcado, as anti-feministas imersas em séculos de violência encontram no opressor uma imagem a ser reproduzida. Ao invés de eliminar o medo, elas querem ser as reprodutoras do medo. Ao invés de desmontar os mecanismos que sustentam a ideia de que uma filha pertence ao pai, portanto pode ser objeto de violação sexual, vamos armar as mulheres - e ignorar todas as pesquisas e os acúmulos de dados sobre crescimento da violência em sociedades onde a posse de armas é liberada. Seu "comigo não" é uma contundente demonstração da ausência total de qualquer leitura crítica da sociedade. São mulheres incapazes de enxergar além do próprio umbigo. Para as anti-feministas opressoras, é preferível criar exceções à regra do que mudar a regra.
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