Muitos casos não considerados para registros de feminícidio Elizabeth Paik/04.8/2017/ Futura Press/Estadão Conteúdo |
Números desse tipo de crime, que aumentou 26% em 2018, podem ser maiores, já que há casos registrados como homicídio e outros delitos
SÃO PAULO
Márcio Neves, do R7
10/01/2019
A SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) registrou 119 casos de feminicídios entre janeiro e novembro de 2018, um aumento de 26% em relação aos 94 casos registrados no mesmo período em 2017.
Um estudo feito pelo MP-SP (Ministério Público de São Paulo), baseado nas denúncias, traçou um perfil dessas ocorrências: dois em cada três casos ocorre na casa da vítima, a separação é o principal motivo e as armas brancas (facas, canivetes etc) são usadas em 60% dos assassinatos.
Além disso, o estudo indica que muitos casos são enquadrados em outros crimes, que não o feminicídio. Embora a maior incidência de morte nos registros seja decorrência de questões de relacionamentos amorosos, há feminicídios que atingem mães, irmãs, cunhadas, vizinhas, profissionais do sexo e outras mulheres que não são tipificados como o crime e acabam registrados, por exemplo, como homicídios.
"Este aumento não reflete o aumento no número de morte de mulheres, mas, sim, um aumento de registro de casos como feminicídio, que é quando a vítima morre pela condição de ser mulher", explica Valéria Scarance, promotora do MP-SP (Ministério Público de São Paulo), que coordenou o estudo.
"O importante é que os dados da SSP sinalizam que a lei está sendo cumprida e que os casos têm sido registrados adequadamente, ou seja, sempre que uma mulher é morta pela condição de ser mulher", diz a promotora.
Maria*, 31, por exemplo, é uma das vítimas em que seu caso foi registrado como tentativa de feminicídio e não como lesão corporal, quando uma série de perseguições do ex-marido terminou em agressão. "Agora eu tenho uma medida protetiva, mas ainda tenho medo, acho que isso vai me perseguir a vida toda", relata ela.
No levantamento do MP-SP, foram analisadas 364 denúncias oferecidas à Justiça pelo MP em 121 cidades paulistas sobre a morte violenta de mulheres entre março de 2016 e março de 2017.
Entre os casos analisados no estudo e não registrados como feminicídios, estão os de mães assassinadas por filhos, ou crimes entre vizinhos ou amigos em que a mulher foi morta.
"Estes casos também são feminicídio, principalmente se há o aspecto do machismo, quando o homem se sente menosprezado, contrariado ou diminuído. Ainda se tem muito a ideia de que feminicídio é entre parceiros, mas, na verdade, é um ato contra a mulher", diz Scarance.
Pessoa próxima e arma branca
O estudo do MP-SP mostrou ainda que os crimes de feminicídios acontecem com mais frequência na casa da vítima (66%) e em qualquer hora do dia. Os dados mostraram que é um mito acreditar que o autor só age quando está sob efeito de substâncias entorpecentes, como álcool ou drogas.
A pesquisa mostra que, em regra, o crime é cometido por alguém do convívio próximo da mulher e que o principal motivo das mortes é a separação ou o pedido de rompimento não aceito por parte do agressor (45%), seguido por motivos de ciúmes/posse (30%) e discussões banais (17%).
As armas brancas — como facas, canivetes e facões — são as mais utilizadas para agredir e matar mulheres, presentes em 60% das denúncias analisadas. Já as armas de fogo aparecem em apenas 17% dos casos.
O levantamento também confirmou que mulheres que procuram fazer denúncias são alvo em um menor número nos casos, comprovando a eficiência das medidas protetivas estipuladas pela Justiça. Apenas 3% dos casos analisados tinham medida protetiva e outros 4% já haviam registrado boletim de ocorrência anteriormente.
Reprodução
* nome fictício para preservar a identidade da vítima
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